2006-09-27

O DIÁRIO DA MARGARIDA O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA


VOLUME 1

O PRIMEIRO PERÍODO


O DIA DA APRESENTAÇÃO
Para a
Margarida

Hoje é dia grande.

Deu direito a um auto-oferecido feriado materno e tudo.

Pela primeira vez a Margarida sentou-se num dos bancos da escola oficial –quando eu tinha a sua idade actual, chamava-se-lhe a escola primária; trata-se do ano inicial do primeiro ciclo do ensino básico, obrigatório, deve acrescentar-se.
A minha querida filha abre assim uma nova fase da sua vida, o começo da caminhada de estudante.

É o princípio do palmilhar o estreito trilho que a levará à cultura escrita e a todos os mistérios com que, por via dela, podemos alindar o nosso imaginário.
Brevemente este meu anjo poderá ler e escrever.


Pela minha parte completo a minha relação com o sector do ensino, pois já fui aluno e professor e, nos próximos anos, passarei pela experiência de encarregado de educação.


É pois um grande dia. Prefiro escrever um dia muito especial.

A Margarida entrou para a escola.

VIVA A MARGARIDA!



Jornada festiva com a inerente excitação das ocorrências pouco comuns e, no caso do piolhinho, das raras ocasiões de estar no centro dos olhares.

Pelo cair da tarde houve sessão fotográfica.
E o pai ofertou um livro à mãe e, a pedido, presenteou cada uma das filhas com banda desenhada.

As atrapalhações, a sucederem, vêm sempre depois.

Mas tudo indica que nos espera um ano calmo.
O horário é bom; é o chamado turno normal. De manhã, das nove às doze, com intervalo entre as dez e trinta e as onze. Pausa para o almoço entre o meio dia e as treze e quinze, com o que se inicia a parcela da tarde que termina às quinze e um quarto.

Temos todas as possibilidades de nos organizarmos de modo a que as responsabilidades sejam devidamente cumpridas sem grandes sobrecargas de esforço para os pais.



A cachopa estava nervosa. Ou não fosse esta minha filha a pessoa que é.
Mas cedo se descontraiu.
“-A professora é simpática.” –Disse ela ao ouvido da mãe, aproveitando um daqueles momentos de ruído que, amiúde, se geraram na sessão de recepção aos alunos e encarregados de educação para a apresentação da professora e o lançamento do ano lectivo.
De resto esteve sossegada e atenta, sentada ao lado do André, um seu conhecido da classe de ginástica, na Velhinha que, dessa forma, foi o seu primeiro parceiro.


A escola é a mesma onde eu andei, se bem que a sala que a Margarida frequentará esteja na metade do edifício que outrora correspondia ao lado das raparigas.



No país digere-se a remodelação governamental.
Pelos ecos dos media e a expressão da opinião pública, dir-se-à que o escândalo de uma remodelação sobre pressão externa e a curtos meses da tomada de posse de um Executivo passou bem. Três dias após o evento, parece que nada aconteceu.
Estamos a ver o que se chama a capacidade política de lidar com a comunicação social.


Cá para mim, a raposa Guterres procurou camuflar a exoneração pura e simples do seu ministro da administração interna, o engenheiro Fernando Gomes.
Como poderia um político como ele não antever a ventania que um tal enfrentamento necessariamente levantaria?
O ter afrontado Pinto da Costa foi uma das perdições do Professor Cavaco Silva.
Vai daí, o primeiro tratou de mexer nuns quantos lugares, proceder a uns tantos acertos, sacrificou a sua originalidade mais querida e pelo meio aproveitou para apear uma figura que lhe traria dissabores para as suas ambições pessoais, sem querer dar a parecer que, por qualquer motivo, reprova aquele que reconhece como um grande da política pelo que, para mostrar os intentos apaziguadores e compensatórios, foi rápido em lhe oferecer um importante cargo na burocracia da diplomacia europeia.


Pena que este nosso mundinho seja o espelho do que resulta da comparação entre as sociedades que importam cérebros e as que reclamam por mão-de-obra barata e dócil para a construção civil e a hotelaria.
A Europa rica anda ao rubro com o preço dos combustíveis. Sindicatos, associações patronais, várias são as entidades e muitas as pessoas que se manifestam contra tais preçários. Na Bélgica e na Inglaterra aconteceram bloqueios às gasolineiras; Londres testemunhou a queda nos fluxos de automóveis para o centro da cidade e não houve outro remédio além da paciência para os utentes esperarem horas por um abastecimento.

Por cá tudo calmo.
Não há coragem para qualquer alteração dos preços aos consumidores e até já se falou em qualquer coisa como subsidiá-los.

E no correio dos leitores de um matutino, o debate tem girado à volta da pedagogia e das angústias do ensinante a meio da idade e um par de comentários a um artigo de Pacheco Pereira sobre a pobreza da inteligentzia e do debate intelectual em Portugal.



Mas amanhã o mundo ficará um pouquinho mais próximo.
Às oito horas de Lisboa, em Sidney terá lugar a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos.
Enquanto jovem, perdi os de Moscovo por causa das obrigações do serviço militar.



Contudo, houve a jornada de trabalho habitual.
Dado a Luísa ter usado um dia de férias, após uma manhã em que acompanhei a mãe e a filha à escola, a família almoçou completa.

Pelo declinar do Sol e a permanência de um ar cálido e de folhas quietas, descansei as pernas enquanto as gatinhas brincaram com a Beatriz no largo fronteiro à casa dos meus progenitores.

Foi lá que o pai babado tratou de bater as chapas e a galinha aproveitou para falar com a Cristina Croca a respeito das primeiras impressões sobre assuntos do fórum escolar.

Quando chegámos a casa, os pintainhos tomaram banho e deitaram-se mal a cozinha foi dada por arrumada.



É claro que durante a lavagem a conversa com a Margarida visou a experiência do seu primeiro dia de escola.
E eu gozei do encanto de a ouvir repetir o que a Professora disse quanto ao método de aprendizagem da leitura e de a ver concordar comigo quanto à necessidade de estar atenta nas aulas. Inevitavelmente, lá se encheu de perguntas sobre o que irá aprender, denotando especial preocupação de esclarecer se a Professora só interrogará os alunos depois de prestar as devidas explicações.

A minha sindicalista é assim.


Mais tarde falarei daqueles temas.



A Luísa esteve uma vez mais à altura e soube contribuir para que o nosso tesouro encarasse a situação com toda a naturalidade.
A Margarida ficou deliciada por a ter em casa.

Nunca será demais todo o carinho e amor que eu possa reunir para lhe dar.



E agora vou para a cama que este foi um dia com emoções quanto baste.



Louvado seja Deus.


Alhos Vedros
00/09/14
Luís F. de A. Gomes