2006-11-04

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Dia longo, só agora às vinte e duas e trinta me posso sentar e, na companhia da TSF, escrever estas páginas.

Lá fora, onde os vidros me reflectem a imagem no ar escuro da noite, o mundo gira periclitante de tanta convulsão que lhe agita a superfície.

Mas eu, tão aconchegado na paz de um espaço de carinho, deixo-me voar no encanto do infinito.



Depois da Shoah, o estado de Israel ganhou a irreversibilidade.
Qualquer alternativa à terra histórica a ocidente do Mar Morto seria, por natureza, uma espécie de continuidade do guetho, a confirmação dos judeus como gente vista de uma maneira diferente e, em conformidade, talhados para viverem à parte.
Uma vez que o sionismo tinha décadas e adeptos, alguns bem colocados, impôs-se como uma evidência a organização de um estado judaico em solo bíblico e, afinal, para onde convergiam muitos judeus que, desde o início, conseguiram fugir à barbárie nazi.
Obviamente que se tratou da demanda de um território ocupado, mas tal nunca implicou, por princípio, a expulsão dessas populações, ainda que tenhamos consciência que a realidade não é assim tão simples e fácil de ordenar. Sem embargo, a alternativa ao confronto é a convivência e essa, embora seja a via mais dolorosa e árdua, ainda não está no domínio das experiências vulgares.
Há, pois, um futuro que permanece em aberto para o estado israelita.


Entre nós é politicamente correcto vermos os palestinianos como os bons da fita.
Mas não dão corpo a uma sociedade democrática, sequer apresentam uma sociedade civil sólida e relevante.



Hoje de manhã, a Margarida fez grafismos e realizou uma ficha em que pintou vários animais, entre os quais identificou as suas preferências que recaíram num coelhinho e num patinho.

“-Oh pai, a Professora disse que os meninos que não podem ter cães e gatos em casa podem, por exemplo, ter peixinhos num aquário.”

Foi a conversa do turno da tarde.



E à saída do trabalho, conduzindo para o reencontro com a Matilde e a Margarida, a Lua, desmaiada, visível pela transparência de uma coluna de nuvens, fez-me carregar no volume do rádio, onde trompetes barrocas diziam de sua justiça para melhor enleio de uma estrada a caminho do céu.



Depois foram as duas horas de ginástica da pequenada que o pai aproveitou para ler um livro de Patrick Suskind, autor de quem conheço uma tríade de outras obras.

E mais uma vez lhe encontro aquilo que me parece permitir-nos uma reflexão sobre a demência do nazismo.
É que tal como o jovem xadrezista da primeira história, “Um Combate”, também Hitler gozou de uma expectativa que resistiu aos disparates mais infantis –isto, porque as maldades não eram reveladas em público.

Esta compilação que, pelas datas, terá sido o primeiro trabalho do Autor, logicamente entre aqueles de que sou conhecedor, traz em si as potencialidades do humor que atravessa a obra posterior e que bem vem na linha de clássicos como, por exemplo, um Thomas Mann.


Nem dei pela rotação dos ponteiros.

Alhos Vedros
00/10/09
Luís F. de A. Gomes


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Suskind, Patrick- UM COMBATE E OUTRAS HISTÓRIAS
Tradução de Mónica Dias
Edições ASA (2ª. Edição), Porto, 1998