2006-10-29

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

NO DIA DA REPÚBLICA


A Matilde revela uma sociabilidade de se lhe tirar o chapéu.

Esta manhã, estando na partilha do ócio de um jornal e esplanada que o tempo atmosférico permanece a jeito, a Isabel e o Zé, um casal amigo, por ora, sem filhos, convidou a Margarida para almoçar, proposta que ela, depois de ter aceite, acabou por recusar, cabeça encostada ao regaço materno onde procurava encobrir a vergonha que o risinho lhe traía.
“-Então vem tu, Matilde.”

E a pequenita lá foi.


Por causa da sesta que agora decorre, recuperámo-la por volta das três.


Isto é a autonomia desta minha querida filha a ganhar vulto.
É uma das condições que uma boa educação deve procurar atingir, originar, desde a mais tenra idade, seres autónomos, pois só estes podem ter o amor e o respeito próprios capazes de cimentarem a responsabilidade do gosto pela vida no reconhecimento da individualidade alheia.
É o que as crianças experimentam quando convivem sem ospais por perto. São forçadas à auto-disciplina para se comportarem de modo adequado o que, nos mais desempoeirados, surge espontaneamente à partida, degrau que, pela repetição, acaba por acontecer com a maioria.
Aos pais compete compreender isto e deixar que as oportunidades não se gorem.
Em doses razoáveis –o que exclui toda e qualquer manifestação de alívios vários- é um contributo para que os petizes treinem e aprendam a movimentar-se na teia de relações sociais em que a sua vida decorrerá.
E para tanto, nada melhor que as solidariedades entre familiares e amigos.


É pois isso que pretendemos conseguir para as nossas filhas.
Faz parte da procura de sermos bons pais.



Devido a acidente, há duas baixas no contingente português em Timor Lorosae.



Já está em curso o ataque do lobbie do Porto –classe política da área metropolitana à mistura com personalidades intérpretes de outros interesses privados, o mesmo que a todo o custo quase quis impor a regionalização- à pessoa do Primeiro-Ministro e figura máxima do Partido Socialista, o Engenheiro António Guterres.
Os ganhos imediatos são as boas respostas às suas exigências, com o que conseguem mais poder, dinheiro e negócios. A prazo, é a cabeça do chefe que eles pretendem ver na bandeja ou, em contrapartida, nada menos que a sua espinha e aceitação dos cordelinhos com que haveria de dizer o sim e o não.
O cerco é manifesto na comunicação social –em que, pela primeira vez, se diz que os socialistas têm uma central de informação- quer pela reabilitação da figura de Fernando Gomes, quer pela promoção de pessoas hipoteticamente rivais do líder actual que, denotando os toques, já ameaçou o partido com a realização de um congresso e o tira teima dos votos, depois de se ter recusado a tratar certos assuntos com o seu grupo parlamentar por, alegadamente, poder dar armas aos inimigos políticos da sua família partidária.


Quanto a mim, arrepio-me com aquilo que me é dado ver. A situação é sinistra, é o que me ocorre dizer.


E é nestas ocasiões que as pessoas se revelam.

Jorge Coelho escreveu uma carta particular a Fernando Gomes em que se lamenta por aquilo que lhe aconteceu e, entra encómios ao homem para quem é natural que o público atire moedas e garrafas para um recinto desportivo como forma de protesto, demarcou-se da responsabilidade de uma exoneração que apenas põe a nu o carácter do exonerado. Simultaneamente apressou-se a dizer que a esse respeito não teceria qualquer comentário –não vá o imperador resistir à lâmina de Brutus que por aí anda a espreitar.


A isto se chama, entra a nossa inteligentzia política, a sabedoria política.
Afinal, o homem tem uma carreira a defender, “-Oh Jorge, vê lá bem que ainda és muito novo, carago.”



Há um ambiente revolucionário em Belgrado.
Milhares de pessoas nas ruas e, numa investida sobre o parlamento, populares assaltaram e ocuparam aquela instância de poder.
Arrancam-se fotografias de Milosevic e há boatos que dão os polícias a deporem as armas e a juntarem-se aos revoltosos e outros que anunciaram a chegada de Kostunica.


Pela entrevista que deste li no jornal, continuo a pagar para ver.

Oxalá não tenhamos uma reprise de Bucareste.



E em Lisboa, milhares de motards desfilaram em protesto contra a falta de segurança dos rails nas auto-estradas.
Já alguém sugeriu que se colocassem pneus ao longo das vias.
Acho muito bem. E fardos de palha também podem servir, não esquecendo uns cartazes com mulheres de mamas ao léu. Ou não queremos melhorar a paisagem?



E agora a Matilde dorme e a Margarida brinca, na sala, na companhia da mãe.
É o repouso de uma família em paz.



Faz hoje trinta e seis anos que os Beatles lançaram o seu primeiro disco. “Love me Do”, by Lennon and Mcartney, uma dupla que inventou canções que fizeram do rock um factor de aproximação dos quatro cantos do mundo.

De fora ficou a China dos guardas vermelhos e todas as chinas dos guardas vermelhos que à época se iludiam de superioridades fantasiosas e é claro a restante larga maioria da humanidade não electrificada.

Seja como for, escutar as suas músicas é, ainda nos dias que correm e estou em querer que sempre assim será, uma sensação de contacto com algo nunca antes tentado.

Foi a cinco de Outubro de mil novecentos sessenta e dois, em Londres.

Love, love me do
you know, I love you



Mas não é essa a efeméride que o feriado de hoje assinala.
Nós comemoramos a implantação da república, o regime que as classes urbanas das maiores cidades impuseram à maioria da população de um país rural e pobre, gente amorfa de miséria e isolamento, cujas vidas decorreram com normalidade nesse dia em que a monarquia caiu de osteoporose galopante.

Foi há noventa anos que José Relvas foi aclamado ao proclamar a República na Câmara de Lisboa.
Ao que parece -ressalvando aqui que o bairrismo pode ser o pai da afirmação- “(…) na Vila da Moita, no dia 14 de Outubro de 1910 Bandeira Republicana foi hasteada pela 1ª. vez em Portugal, nos Paços do Concelho, pelas 4.30 no meio do maior regozijo do povo.”(1)
O autor da proeza foi o filho da terra, o Senhor João António da Costa.



E a talho de foice, registe-se que o tirano caiu, o parlamento foi incendiado e, da sua varanda, Kostunica, aclamado Presidente da Jugoslávia, falou ao povo.
No imediato começaram os saques a lojas dos filhos de Milosevic e há notícias de polícias mortos –um, pelo menos, espancado pela multidão.
Entretanto, o novo poder recebe apoios e ao anterior não aparece quem lhe queira dar a mão.




A Margarida e a mãe é que não se incomodaram com estas coisas e, ao fim da tarde, foram andar de bicicleta para o novo parque da Vila.
Acordada a Matilde e tomado o lanchinho, a família reuniu-se para gozar a frescura da sonolência alaranjada do Sol.



E a Matilde quis convidar o André para jantar connosco.

Não houve balbúrdia e todos comeram bem.
Quando o devolvi à mãe, houve satisfação com as boas notícias.



Acabei de ler um bom trabalho sobre os contextos da génese e reprodução da cultura judaica.



E agora que as mais novas dormem, deixo-me ficar na companhia da evolução dos acontecimentos em Belgrado.



Mas não quero terminar sem referir o anúncio das novas medidas fiscais.
O Ministro das Finanças fala de uma reforma do sistema mas eu acho que isso é exagero, ainda que possa concordar com aquilo que é proposto.
A descida faseada que se anuncia para o IRS e o IRC é sensata; não vejo que a alternativa fosse uma queda mais brusca, isto é, mais rápida e mais acentuada.
No caso da minha empresa, pelas contas que fiz, por cada cinco mil contos de movimento pouparei umas centenas, o que nos dará uma boa prenda para podermos investir.
E ainda que possa pensar que a tributação calculada em face dos sinais exteriores de riqueza seja um tanto bizarra –lembremo-nos que estamos num país em que há apenas vinte e sete anos existia uma vasta e enraizada rede de bufos- não posso deixar de admitir que isso dará um sinal de que a fraude pode estar a sofrer um cerco cada vez mais apertado.

Vejamos se haverá coragem política para punir e fiscais à altura para identificar os infractores.

Seja como for, a janela ficará aberta.

__________
(1) Vítor Manuel, p. 4
4 DE OUTUBRO DE 1910 – DATA HISTÓRICA


Alhos Vedros
00/10/05
Luís F. de A. Gomes

CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Vítor Manuel- 4 DE OUTUBRO DE 1910 – DATA HISTÓRICA
In “Notícias da Moita”, nº. 343, de 00/10/01