2006-10-20

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O HOMO MANIATÁBILIS
O que é o homo maniatábilis?
É uma figura humana sui géneris que abunda entre nós, portugueses.
Pela constância ao longo da história recente e a vulgaridade com que pulula nas esferas mais importantes e decisivas da vida social do país, trata-se de uma figura sociológica empiricamente verificável e caracterizável. Nada sei sobre se acontece ou não em outros países, provavelmente sim, mas em Portugal é uma realidade desde o Estado Novo.
O núcleo central do que singulariza figuras tais está no que é o denominador comum a todos os membros desta espécie cultural, ou seja, a coexistência das condições de carreirista e dependente. Significa isto que a manutenção de um dado status só é resolúvel no enquadramento de uma carreira qualquer, cujo acesso depende de teias de apadrinhamento e fidelidades feitas de cobranças de favores. Estranho seriam os bons frutos de uma combinação assim e, na realidade, o resultado são as aparências de gente do sim senhor. Penas de pavão não faltam não, no entanto, se lhes tirarmos os embustes raramente são competentes e conhecedores. Em termos de figuras sociais dir-se-ão invertebrados que, por intenção ou inércia, aparecem mal surja um lugar ocupável.

É verdade, é que não se é homo maniatábilis por acidente, é preciso querer ser e, para tanto, é imperioso saber encontrar as melhores posições dos trampolins e, com efeito, só excepcionalmente deixam de estar bem colocados, preferencialmente sob o efeito gravitacional dos postos de decisão, os pontos-chave nos mais variados níveis.
E aqui entra um toque de garbo pessoal e, para aqueles que se prezam, raramente se sabe como chegaram lá; entre eles, os melhores surgem como que do nada e, em acto contínuo, transmitem a impressão de sempre ali terem permanecido. Os mais refinados conseguem até volar entre um poder e outro como se nada se tivesse passado e do patrão à altura desde sempre se perfilassem como o mais fiel dos acólitos.
Sem embargo, praticamente todos possuem grandes biografias e curriculum que são o melhor testemunho das suas excelências de há muito destinadas aos mais altos voos.

Implícito no que acabamos de dizer é que, tal como a sociedade, também o homo maniatábilis está dividido em classes.
Desde o mais simples contínuo que presta informações aos chefes até estes, eis uma fauna que em comum se encontra, num dado momento, na mira do benefício de outrem.

Haja ocasião e logo se revelará o pulha que é.

Hoje em dia, o homo maniatábilis está por toda a parte; como um cancro, corrói o tecido social e cultural do país.
Agora estamos a vê-los instalarem-se no poder de estado.
Não virá isso a ser mortal?

Querem um bom exemplo da existência do homo maniatábilis?

Dois jogadores de basquetebol do Futebol Clube do Porto foram agredidos e violentamente obrigados a rescindirem os contratos e aquilo que é um caso grave e passível de investigação jornalística passou despercebido na nossa comunicação social.

Quem é que tem medo de quem?



O fim-de-semana começou ontem, pelo adormecer dos pássaros, com o reencontro familiar no largo fronteiro à “Velhinha”, onde eu me encontrava com as gatinhas que, entre gritos de olha a mãe, mal a avistaram dobrando a esquina, desataram a correr para os braços da gata que logo ali se deixou opar de contentamento.

E a bem da despensa de um resto de folga sem interrupções, rumámos ao super-mercado que no desfecho da Vila e encostado à via-férrea, talvez por isso ainda mantém a plumagem de um canavial que, numa das larguras e no comprimento sequente, lhe delimita o perímetro.
Do parque de estacionamento, circunspectando horizontes, realizamos o quanto é triste e feio o urbanismo em que vivemos mas ali, pelo menos, vemos o verde bamboleante sob o cinzento do céu em formação de chuva.



Esta manhã, depois de apetrecharmos a Margarida com um par de sapatos para a temporada que se avizinha, fomos ao Centro Cultural de Belém para vermos a exposição do World Press Photo.


Ao contrário do que aconteceu nas duas edições anteriores, este ano já não tivemos que andar atrás das andarilhices da Matilde e vimos as fotografias com calma e tempo para lermos as legendas.

Talvez tenha sido por isso que eu gostei mais das fotografias deste ano.
Fiquei com a impressão de não se repetirem tanto no flash do horror das guerras.


Depois almoçamos em Lisboa, com vista sobre a foz e à tarde, enquanto eu fiquei de companhia à sesta da Matilde, a Margarida foi cortar o cabelo.


E ficou tão bonita.



E a Matilde que já tem opiniões firmes.

Nas trivialidades do lanche a mãe perguntou-lhe:
“-Então Matilde, gostaste da exposição desta manhã?”
“-Foi cansativo.” –Deu de troco sem demora.

Pois não é que ela, à saída de casa, pedira à mãe para levar o carrinho de bebé?
“-Não Matilde, com esse tamanho já não vou levar-te de carrinho para a exposição.”
“-Mas assim eu ando mais descansada.”



Depois da brincadeira a deita e o pai regressará à leitura.

Alhos Vedros
00/09/30
Luís F. de A. Gomes