2007-09-03

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

MY STRANGE FRIENDS
Hoje, os alunos aprenderam a palavra bandeira.



E durante a tarde eu procurei uma torneira.



Mas a bica nocturna tem que contar.

Aceitando o convite, sentei-me à mesa com o Leonel Coelho que de imediato e cheio de entusiasmo juvenil tão bonito de se ver, me contou da experiência que teve, na escola da Margarida, com alunos da terceira classe a quem deu uma lição de como fazer uma horta agrícola. E descreveu-me o interesse dos miúdos em verem como se faz para que uma semente dê feijão ou couves e como lhes explicou o amanho da terra e o reconhecimento de como depois da rega, o calor do Sol e os alimentos que estão no solo fazem com que de um grãs nasça um dedinho que sai para o ar da superfície e cresce e se multiplica até constituir uma planta completa que nos dará alimentos. E é claro que aproveitou para falar de quem manejou a enxada e da divisão da terra e de como os grandes senhores se aproveitaram –em parte, também eles seus geradores- da pobreza da maioria.
Mas foi um dia inesquecível e para o Leonel mais um cumprir das suas ideias de contribuir para uma revolução social.


Nele eu gosto da coerência das atitudes que retratam a escolha de um caminho para a vida.
Mesmo não concordando com as suas ideias políticas, ainda que ache naquelas uma visão totalitária da vida, o homem propõe uma sociedade conduzida por uma vanguarda esclarecida com o objectivo de uma forma, alegadamente superior, de organização das relações sociais, apesar de tudo isso permanece o comportamento de alguém que sempre juntou a palavra aos actos, não ao acaso, mas subordinando deliberadamente estes àquelas.
É que ele acredita que o povo deve esclarecer-se para que possa intervir politicamente e aceder ao poder e fez da sua vida de adulto uma permanência de actividades que vão da animação cultural e desportiva, à intervenção cívica das mais variadas formas e por vários meios, sempre disponível para remar contra a maré e mesmo que o próprio não dê por isso, invariavelmente embriagado de esperança que se traduz na paciente persistente paciência de um pescador.
A verdade é que aos setenta anos ele ainda se indigna nos jornais, tanto quanto se encantou com uma aula de agricultura.

E é verdade o que ele diz que há muitos homens, como ele, cheios de coisas para contar aos meninos que andam nas escola.


O Leonel foi militante comunista clandestino o que lhe valeu a hospitalidade da PIDE, mas veio a romper por discordância com a via proposta por Álvaro Cunhal para derrubar o regime salazarista, a revolução democrática e nacional a que ele opunha a radicalização das manifestações de luta das classes populares. Obviamente apoiou as teses chinesas no diferendo em torno da crítica ao passado estalinista da União Soviética e acabou por se juntar aos fundadores do MRPP de que, a partir de então, não mais deixou de ser um membro activo e do qual já foi candidato à junta de freguesia da terra e ao executivo da câmara.

Desde miúdo que o conheço, aí desde os meus doze treze anos, quando comecei a frequentar uma colectividade onde os jovens como eu tinham a oportunidade de se encontrarem e conviverem na mais natural das liberdades. Lembremo-nos que estamos a falar de um tempo em que as raparigas não eram bem vistas nos cafés. Nunca anui com a sua perspectiva de fundo, mas logo desde o início lhe admirei o respeito que a sua voz merece e se sempre o escutei, mesmo tantas vezes fazendo orelhas moucas, nunca deixei de lhe apreciar a conduta, a exemplo da escolha de um homem livre.


Com ele aprendi que mais importante do que concorrer com alguém é o sermos capazes de nos ultrapassarmos –salvo seja a expressão- à medida que os dias se sucedem.



A Matilde fez hoje um passeio a Santarém.
Sabe dizer que esteve num jardim e que andou a ver tapetes e casacos –provavelmente referindo-se à feira agrícola. E gostou. Quando a mãe lhe perguntou se os meninos se tinham portado bem, se não tinha havido agitação, respondeu que tinham havido algumas coisas.
De estafada que estava, dormiu mal caiu à cama.



Novamente o caso da Universidade Moderna e a detenção dos filhos do ex-Reitor, o Professor José Júlio Gonçalves.


Não sei porquê mas cheira-me a lâmina para refrear veleidades de outrem, no plural e bem largo.
Atenção, pois.



Amanhã vamos para Salema.
Três dias de repouso e dois de ida e volta. Nestas ocasiões as estradas portuguesas não nos permitem vadiar; as viagens são passeios sempre ao jeito de apressados, mesmo quando em marcha lenta.



Vamos fumar um cigarro na varanda ao som de Miles Davies.

Alhos Vedros
01/06/12
Luís F. de A. Gomes