2007-01-05

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Custa-me a entender os pais que sustentam não poderem sair aqui e acolá por causa dos filhos que remetem a família para o seu próprio território e a poucos mais eventos que lhes digam estritamente respeito.
Foi o que nos disse alguém que encontramos no parque da Baixa da Banheira, quando nos dirigíamos para a demonstração de papagaios. Os cumprimentos do costume e os comentários da praxe à realização –tratam-se de produtos da animação cultural dos serviços da Câmara Municipal da Moita- e veio à baila o painel musical da semana cultural e desportiva em curso. Mas as duas filhas, sensivelmente com as mesmas idades das nossas, inviabilizaram qualquer pretensão de assistência.
O curioso é que ainda há muito boa gente que assim pensa.
É claro que os filhos nos modificam a mobilidade, até pelo facto de serem incompatíveis com a frequência de certos locais. Sentir angústia por isso é um acto adolescente. É igualmente verdade que nos redobram os trabalhos e canseiras se nos queremos deslocar onde quer que seja e, concomitantemente, pretendemos que eles nos acompanhem. Mas aqui estamos no domínio do ânimo de cada um e da sua maior ou menor capacidade de esforço.
Seja como for, há um bom leque de alternativas em que os filhos, de modo algum, podem ser dados como empecilhos dos passeios dos pais. Para lá da evidência de jardins e zonas naturais, estou a pensar no que temos feito com as visitas a museus, as mais variadas exposições, para nem falar de eventos musicais.
Pela experiência que temos, desde o primeiro passeio com a Margarida, tinha então pouco mais de um mês, à reserva natural de Alcochete e que referi no seu primeiro diário (1), palpita-me que é muito importante a habituação que lhes criamos desde a mais tenra idade, de tal forma que espoletados os primeiros momentos do entendimento, eles possam tomar como adquirido o facto de as pessoas se deslocarem a este ou àquele sítio tão só por motivos de gosto e preenchimento das nossas necessidades lúdicas.
Creio que até contribui para formar pessoas com espíritos mais abertos e, pelo menos, ensinar cedo que mesmo o divertimento requer o dispêndio de energias.

Para ilustrar e sem mais comentários, passo a listar as experiências da Margarida e da Matilde.
Ambas já viram cinema –a mais nova três vezes e a mais velha o dobro; já nos acompanharam em exposições de pintura, de fotografia, científicas, sobre acontecimentos diversos ou assuntos específicos, assim como em visitas a museus, monumentos, ruínas arqueológicas, parcelas de cidades e de modo geral nos ruares por outras terras; já assistiram a saraus desportivos, bem como jogos populares e outros mais modernos; o mesmo para recitais de música de câmara e concertos de música popular e jazz; já viajaram de automóvel por praticamente todo o país, a Galiza e Tenerife, a que a Margarida acrescenta a Andaluzia e parte da Extremadua, tendo também horas de voo cada uma, a Matilde por um quarteto de vezes e a irmã em nove ocasiões diferentes. A Margarida acumula uma sessão de balett e idas ao teatro e ao circo.


Pois, ser pai também é isto, saber ser feliz e envolver os rebentos nessa mesma alegria.



Um inédito de António Variações a mostrar a singularidade de uma obra que teve tanto de imaginação como de curta a duração de uma carreira precoce e tragicamente acabada.
E sempre as suas palavras, de alma inquieta e com tanta urgência de dizer.

É o presente que nos traz a reedição de um álbum –ainda estávamos, então, no reino do vinil- na passagem dos dezasseis anos sobre a morte do artista.


Infelizmente o mesmo não acontecerá com a publicação de uma autobiografia dos Beatles, narrada, na primeira pessoa, pelos testemunhos dos que ainda vivem, com a colaboração de Yoko Ono, a viúva de Jonh Lennon, assassinado há uma vintena de anos.
Ao que parece, Portugal foi o único país da União Europeia que ficou de fora deste lançamento editorial sobre uma banda que, se por um lado terá sido o resultado de um certo sucesso de marketing e da publicidade –o merchandising beatleano chegou a latas de pó de talco com os rostos dos famous four, como uma, de que me recordo, ao tempo do início da minha vida escolar- por outro lado, não deixou de constituir um marco com referências musicais que se desenvolveram em variadas direcções na década seguinte. Em pequenos trechos de músicas, em certos temas, está tudo quanto se lhes seguiu, aos Moody Blues, assim como dos King Crimson às vozes dos Queen e até dos Floyd –é escutar o “Revolver” (2) com atenção- aos gritos de Ian Gillan dos Deep Purple, há uma verdadeira galáxia de projectos que desbravaram sonoridades e ambiências que o quarteto de Liverpool já explorara.

Alguém se recorda dos Sheiks? Foram o reflexo cá na paróquia.



“-Oh pai, sabes uma coisa Hoje à tarde fizemos um jogo, os rapazes contra as raparigas. Nós tínhamos que escrever as palavras que a professora dizia e as raparigas ganharam. A professora até disse, é meninas! Eu fui a primeira e ganhei logo ao outro miúdo.” –Disse-me o sorrisinho enquanto nos dirigíamos para o carro, à saída de escola.

Antes, à hora do almoço, dera-me a primeira novidade de contentamento:
“-Ai pai, hoje aprendemos uma palavra nova. Sapato.”

Mas a melhor notícia dizia respeito a um trabalho para casa pequeno e fácil; escrever cinco vezes a nova palavra aprendida, desenhar o objecto correspondente e assinar o exercício, o que ela resolveu enquanto a Matilde aquecia no treino de ginástica.



E após o jantar ainda houve tempo para que a mãe e as miúdas jogassem uma partida de dominó.



Chorei por tu Ytzak, o homem de guerra que tiveste a coragem de fazer a paz, mesmo antes que os teus semelhantes te compreendessem e os tiranos deixassem que os simples simplesmente apertassem as mãos.
E agora o teu amor Ytzak, a quem voltarás a apertar junto do teu coração, recordando-nos que o tempo ainda não está maduro para que as figueiras sejam frondosas para que os homens possam partilhar as sestas com quem está de passagem.

Após o ano de nagaças a um cancro no pulmão, faleceu Leah Rabin.



E hoje passam vinte e cinco anos sobre o cerco à Assembleia Constituinte que obrigou os deputados a permanecerem no hemiciclo, sequestrados por sindicalistas que, dessa forma, conseguirem ver impostas as suas reivindicações.
Recordo o dia seguinte, quando os parlamentares comunistas saíram de punho erguido, em sinal de solidariedade com uma vitória que também consideraram sua.

Estou convencido que a uma dada altura, o Dr. Cunhal –acreditem que teria sido uma espécie de Kim Il Sung, embora sem herdeiros- deve ter pensado que tinha ao alcance de uma mão a célebre táctica do salame com que os comunistas cercaram o governo de Bénes e enrolaram o partido social-democrata, para ganharem o golpe de Fevereiro que os levou ao controle do poder na então, Checoslováquia.


Provavelmente, eu jamais teria chegado a ser pai.



Só os votos por correspondência no sunshine state ditarão o futuro Presidente dos Estados Unidos da América.
Pelo que já se viu, também ali a democracia está a levar murros no nariz.
A vitória, qualquer que ela seja, ficará manchada pela desconfiança.


Isso não augura nada de bom para o mundo.

Alhos Vedros
00/11/13
Luís F. de A. Gomes