2007-04-03

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Folga repousada mas com percalços.
A Margariditas esteve todo o dia com febre e chegámos a pensar que o mesmo estava a acontecer com a irmã mas, pelos vistos, neste último caso terá sido rebate falso; agora está mais bem disposta, com a mãe, na sala, ouvindo pela enésima vez a história “Anita no Hospital”.



Mas hoje, talvez por ser dia de eleições, o Sol alegrou o verde viçoso dos campos salpicados pelo amarelo das azedas.

E as ruas vestiram-se de bonito, com as pessoas movimentando-se pelo dever do voto.

O céu correspondeu, com as nuvens ornamentando o azul, aqui e ali reluzindo dourados de gargantilha sobre manchas acinzentadas.



A esta hora já sabemos que Jorge Sampaio ganhou o segundo e, de acordo coma constituição, último mandato.

Contudo, os números não são animadores.
O candidato mais votado teve cinquenta e cinco vírgula sete por cento dos votos, o que não pode ser considerado muito expressivo.
Mas a abstenção foi de quarenta e nove por cento, é isso, praticamente metade do eleitorado decidiu não passar cartão ao acto de votação. Bem, é do conhecimento geral que há muito peso morto nos cadernos de eleitores. Ainda assim, estamos em face de percentagens merecedoras de reflexão pois, dado constituírem um novo recorde e significativamente mais elevado que o anterior, só por isso, requerem uma explicação. Independentemente disso, sempre deslustraria qualquer vitória.
Mesmo assim ganhou espaço para desempenhar uma magistratura atenta aos problemas mais prementes da sociedade portuguesa, relativamente aos quais poderá muito bem funcionar quer enquanto voz de consciência, quer, inclusivamente, como contra-peso de outras acções de órgãos do poder. Esperemos que a política que se seguirá não se venha a resumir ao desenrolar de velhos ajustes de contas.


Como é habitual, em Portugal, também os opositores ganharam, cada um à sua maneira –também era o que faltava- é certo, mas todos ganharam.
Ferreira do Amaral, com trinta e quatro vírgula qualquer coisa por cento dos votos, pois ficou acima dos vinte por cento que alguns lhe tinham vaticinado e quase atingiu a percentagem do seu partido nas últimas legislativas.
António Abreu para quem os resultados não contavam depois de ter pronunciado a mensagem que tinha para os portugueses, apesar de não deixar de ser interessante verificar valores que duplicam as previsões que pairavam no ar.
Fernando Rosas e Garcia Pereira por ultrapassarem os resultados das forças políticas que os apoiaram, respectivamente o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses/Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado.
Claro está, todos tiveram candidaturas muito dignas e corajosas e que amplamente contribuíram para o aprofundamento da democracia no nosso país.
E depois das declarações, todos se retiraram muito discretamente e foram para casa dormir.

O que me assusta é a palhaçada que tudo isto revela, pondo a nu a confusão que tanto graça nas cabecinhas de políticos, como na de muitos jornalistas.
Lá estavam as comunicações dos líderes ou dos porta-vozes dos partidos políticos a fazerem esconder o espírito não partidário que o texto constitucional deixa transparecer para o concurso ao mais alto cargo da nação, a ocupar por uma personalidade que, de moto próprio, se acha apto para o lugar e não por uma qualquer organização partidária.

Quanto a mim isto é uma facada na instituição presidencial que, a prazo, só servirá para justificar a defesa da eleição do Presidente por via parlamentar.
Com isso, voltaríamos à época dos Gouvarinhos e dos Condes de Abranhos o que, de todo, não podemos dar por excluído.


Em matéria de desenvolvimento, a Espanha, a Irlanda e até a Grécia já nos deixaram para trás. E o pior é que a corrida não para.



Esta manhã a Margarida acordou cheia de frio e alegadamente com dores no corpo.
Posto o termómetro e verificada uma ponta de febre, a mãe pôs-lhe um supositório e ainda saímos para o almoço no “Trilho”, como vulgarmente sucede aos Domingos, após o que seriam executados os deveres cívicos. Mas uma vez em casa, se pela manhã ainda brincou com a Matilde, remeteu-se para uma hibernação de sofá de que só saiu para o banho e a sopa a que de imediato se seguiu a caminha, não sem antes lhe aplicarmos outro supositório.

E a Luísa passou uma tarde leituras a fazer-lhe festas no cabelo.

Ainda assim, após o jantar, o sentido da responsabilidade falou mais alto. Disse que deixava a ficha de trabalho de casa para amanhã, mas quis ler o livro dinâmico, pois, de acordo com a recomendação da Professora, deve fazê-lo todos os dias.
É claro que tanto eu como a Luísa lhe recomendamos a demanda do descanso o que ela aceitou.



Eu aproveitei para me desembaraçar dos artigos que perfazem “Um Acto de Cidadania” e fiquei a duas páginas de terminar o posfácio. Conto findar esta primeira parte da formatação deste meu trabalho até que a próxima semana acabe. Logo farei as revisões das provas, provavelmente lá para as férias do Carnaval.


E esta manhã, enquanto os meus dedos estavam teclando, a Matilde, sentada à minha frente, fazia pinturas com aguarelas.

Ai que encanto.



E ontem fomos assistir no Coliseu dos Recreios ao bailado “O Lago dos Cisnes”, pelo Russian Theatre Ballet.
Só é pena que a partitura do Tchaikovsky não tenha sido executada por orquestra ao vivo porque de resto, no que concerne à dança e encenação, estamos a um nível que não é habitual nos nossos palcos.
Aquelas estátuas tão cheias de elasticidade e elegância e leves, tão leves que pareciam saltarem sobre molas. E as pernas, como sobreiros e no entanto tão flexíveis quanto os braços ondulantes, deixando-nos ver o voo dos cisnes.
A bailarina que interpretou Odile, por mais de uma vez, percorreu todo o palco em pontas e sempre coma graciosidade de um pássaro.
Com uma coreografia e cenografia próprias das grandes produções, foi a melhor interpretação que até agora vi deste mesmo bailado.

A Margarida e a Matilde foram e ambas gostaram.
A mais velha já vira uma sessão na Gulbenkian, na passada temporada. A mais novinha estreou-se. Estiveram interessadas e, outra coisa não seria de esperar, comportaram-se à altura. Fizeram muitas perguntas mas não incomodaram ninguém.


Foi a minha renda pelo dia do meu quadragésimo segundo aniversário.



Esta madrugada, toda a América Central foi abalada por um forte sismo com uma magnitude de sete vírgula seis na escala de Richter.
Só em El Salvador há mais de três centenas de mortos, mas, tanto aí como em outros países, os estragos são muito grandes.

A solidariedade é que não se fez esperar e quer a Espanha, quer a Turquia, a Suiça e a União Europeia, prestaram-se já a enviar ajudas materiais e humanas.



Também Cabo Verde teve eleições que os observadores dizem ter decorrido sem incidentes.
E ilustrando o enraizamento e amadurecimento da democracia naquele país tão singular, o PAICV será o vencedor.
Começa a funcionar a alternância.


Deus seja Louvado.



Para amanhã, a previsão atmosférica fala da chuva.
Já tínhamos saudades dela.

Alhos Vedros
01/01/14


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Delahaye, Gilbert e Marlier, Marcel- ANITA NO HOSPITAL
Verbo Infantil, Lisboa