2007-05-20

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

A PRIMEIRA PAPOILA

É indecente aquilo que se passa em torno da catástrofe de Castelo de Paiva.
Na quinta-feira chegou a ajuda internacional, mergulhadores espanhóis e franceses, as elites daqueles países e a fina-flor mundial no meio. Todos foram unânimes no elogio da competência da prata da casa, depois de não terem conseguido qualquer acréscimo aos resultados obtidos. Ainda não aconteceu um contacto físico com os veículos acidentados e já nem é credível a certeza de aí se conseguir resgatara maioria dos cadáveres; neste entrementes, uma mão cheia corpos deram à costa na Galiza. Os meios de informação, particularmente as televisões, encontraram um espectáculo gratuito, desrespeitando a dor pessoal e incentivando as plateias a subirem aos palcos, empenhados numa espécie de concurso para o melhor circo romano. E desenha-se a responsabilização dos areeiros; a ver vamos se as culpas não vão recair em pessoal menor e do quadro de funcionários das instituições públicas envolvidas.
Mas a verdade é que se percebe que não possuímos meios para responder a desastres de larga escala. Fica a nu a inexistência de recursos materiais e humanos, assim como a ausência de capacidades e competências científicas para encontrar soluções não esperadas, o que provoca a qualidade de organismos e serviços inoperantes quando não inúteis, de tanto serem vazadouros de clientelas e amiguismos. Pelo que se vê, a sanidade dos nossos equipamentos públicos depende de inspecções segundo o velho e sábio método lusitano do olhómetro; aparentemente ninguém sabia sequer sobre o que assentam s pilares da ponte, mormente o famigerado que espoletou a tragédia.
O que ainda ninguém teve a coragem de dizer é que o desastre ocorreu por volta das vinte e uma horas de um dia e nada foi feito, de imediato, para que, no mais curto espaço de tempo possível, fossem reunidos o máximo de meios materiais e humanos para resolver o problema, especificamente, encontrar as viaturas e proceder à sua recolha, bem como à dos cadáveres. Só no dia seguinte apareceram as primeiras equipes e à medida que os trabalhos foram evoluindo, assim foram surgindo as respostas técnicas, quase sempre atrasadas. E ninguém foi capaz de formular a possibilidade daquilo que veio a acontecer com os náufragos a darem à costa a centenas de quilómetros do ponto da morte. Ora isto é que não se diz, muito menos se pensa em pedir contas a quem quer que seja.



Ontem os alunos aprenderam uma nova palavra, telhado e com ela a sílaba lha e o som da reunião das letras lê e agá. Foi sobre isso que versaram os exercícios do dia bem como o correspondente trabalho de casa.



E passa o dia mundial da mulher, essa metade do céu há muito dominada em mundos que, por natureza, sempre atribuíram aos homens os papéis do poder. Lembremo-nos que na Antiguidade se falou em género/espécie masculino e feminino e que ainda no século dezanove, se discutiam as causas da inferioridade intelectual das mulheres, ao nível do mundo científico. Longos foram os caminhos das Penélopes e das Marias, das Deuladeus e das Sands, até que as sufragistas conseguiram impor a igualdade do voto. De então para cá, paulatina tem sido a via da afirmação feminina em todos os quadrantes das sociedades, especialmente nas culturas de matriz judaico-cristã. No entanto, continuamos em estado de descriminação para com elas que ainda sofrem excisões e a imposição da sombra em vastas áreas da geografia humana.

Curiosamente, tudo indica que durante a maior parte da história da humanidade houve reciprocidade entre os sexos. Pelo que se pode observar entre comunidades caçadoras e recolectoras, como os bandos Kung, do deserto do Kalaári, as fêmeas têm um papel tão importante quanto o dos machos na aquisição dos alimentos e por isso participam na discussão dos assunto relevantes para a vida do grupo. Com a sedentarização e a transformação em agregados produtores, pôs-se em movimento os processos de hierarquização das sociedades humanas e, aí, não mais aquelas foram remetidas para o mesmo plano em que os homens se foram colocando.


Será que tanto a Margarida como a Matilde terão oportunidade de viverem em plena igualdade de oportunidades com os rapazes da sua geração?



Ontem, o sub-comandante (que título bizarro, não é?) Marcos em entrevista à TSF e ainda que sendo céptico quanto à bondade deste género de iluminados e das consequências práticas da aplicação das suas ideias, devo admitir que houve aspectos do seu discurso que não me merecem qualquer reparo.
Infelizmente, vejo-me forçado a confessar o meu desconhecimento sobre a realidade das regiões controladas pelo Exército Zapatista de Libertação e sobre o próprio movimento zapatista. E não me espantaria se para lá da cortina se vislumbrasse uma espécie de réplica do Sendero Luminoso, ainda que tal não me pareça. Seja como for, a minha ignorância impede-me de qualquer avaliação da situação e da marcha que se dirige para a capital. Quanto a esta última, não me passa pela cabeça que pudéssemos assistir à reedição da morte de Emílio Zapata. Para além da perplexidade quanto à existência de territórios em que o poder do estado mexicano é uma folha de retórica, só posso desejar que resultem melhorias para o bem estar das populações implicadas.



Bem e agora por aqui me fico.
Daqui a nada irei nadar e logo à noite ao pais estarão de folga para verem teatro.


Ontem, à entrada de Alhos Vedros, em baldio de beira de estrada, vi a campânula vermelha da primeira papoila deste ano.

Alhos Vedros
01/03/10
Luís F. de A. Gomes

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Que lhe fizeste? À papoila ...

Eva a fantasminha

01:35  
Blogger o clube said...

Contemplei-a, por instantes e depois segui, deixei-a ficar onde estava, era ali que ela deveria ficar, para que os outros depois de mim a admirassem e por ela se alegrassem, como eu o tinha feito. E mesmo que fosse para indiferença de quem passa, seria sempre ali que ela deveria permanecer, foi ali que brotou na Natureza, com o seu grito vermelho de quem nos diz que a vida é tão cheia de beleza e encantos que todos os dias a devíamos cantar e agradecer pela alegria que conseguíssimos acrescentar a essa Sinfonia que nos faz da alma um pássaro vadio, mas sereno.

Não achas que fiz bem, fantasminha amigo?

Luís

16:00  

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