2007-08-01

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

ÁMEN

Já parece sortilégio que eu adoeça e vá à cama durante os diários da Margarida.
No primeiro foi uma gripe como não tinha memória e que me fez claudicar mais de uma semana em situação de enfermidade, com três dias delirantes e de roupas e lençóis encharcados que quase me puseram a leste da consciência.
Desta vez foi um irritante vírus que se me alojou na garganta e que me deixou em tal estado que desde o feriado não fui capaz de engolir outros alimentos que não fossem sumos e leite ou sopas. Além disso e como se pouco fosse, a febre que se manteve sempre elevada rebentou-me as narinas e uma dor atroz e permanente que na quarta e na quinta-feira me alterou completamente a voz e me fez hibernar no quarto sem ânimo para mais nada além do dormir e tomar os medicamentos. Só ao fim da tarde de ontem comecei a sentir melhoras, precisamente quando senti rebentar a bola que se me formara na faringe e era visível no inchaço exterior da parte superior do pescoço, ao que se seguiu a excreção de uma matéria purulenta cheia de uma espécie de pedaços de pasta branca. O certo é que, como que por magia, a partir daí o inchaço começou a diminuir até que hoje já nem visível é, assim como a dor se foi extinguindo, ao ponto da simples pressão que ainda agora sinto. Curiosamente, à noite já era capaz de falar e se esta manhã o termómetro ainda marcou trinta e sete vírgula quatro graus, por volta das dezassete voltei a ver o registo normal da temperatura do meu corpo.
Tudo indica pois que o vendaval passou e ainda que tenha emagrecido, espero recuperar rapidamente a forma no que a Primavera, com o aquecimento dos dias, me deverá ajudar.



Como não será de estranhar, estive arredado de dar atenção ao mundo envolvente. Sequer tive paciência para escutar o rádio que temos sobre uma das mesas-de-cabeceira e muito menos me lembrei de pedir que me trouxessem jornais.


Mas tive o prazer de sentir o carinho das minhas filhas, bálsamo tão ou mais importante que os próprios medicamentos, que ao chegarem a casa logo se dirigiam ao quarto para me fazerem companhia, a Margarida com os seus livros de jogos e a Matilde com os legos e outras tralhas e também com o pormenor de trazer peluches para a minha cabeceira, “-Para o pai não ficar sozinho quando formos jantar.”

Quase valeu a pena estar doente.



De qualquer forma ainda consegui apurar que num destes dias os alunos fizeram exercícios de leitura no livro dinâmico, no que a Margarida obteve classificação de bom, depois de terem executado fichas para aquele auxiliar de aprendizagem. Também aprenderam uma nova palavra, gema, a respeito da qual trabalharam fichas e fizeram um ditado em que a minha querida filha não deu qualquer erro.



Ontem à noite é que as melhoras já me permitiram outro ânimo que usei para registar algumas reflexões sobre o ensino que aqui quero deixar expostas.


Faz sentido que em Portugal se invista num bom sistema de ensino?
Claro. Não por causa daquela retórica republicana que pretendia que o ensino contribuiria Para criar cidadãos responsáveis, sendo um povo tanto mais livre quanto mais culto fosse. Crueldade seria negar a generosidade daquelas ideias, mas acontece que as consequências não têm que necessariamente serem aquelas. Afinal, a barbárie nazi aconteceu num dos países com maior dinamismo cultural na Europa e no mundo, onde a escola era obrigatória desde meados do século dezanove. Pois não foi nada disso que impediu que a maioria dos alemães abdicassem de viverem livres, aceitando uma tirania indizível e silenciando, quando não participando, na negação da humanidade que foi a Shoah.
Um bom sistema de ensino justifica-se por razões bem mais comezinhas e práticas que se prendem com a necessidade de formar populações, isto é, conferindo-lhes competências para que as possam aplicar, quer na reprodução do conhecimento e da sabedoria, quer mais prosaicamente no mundo do trabalho. Com isto não defendo que o ensino deve ser apenas virado para aquilo que possa ser relevante para os sistemas produtivos. Muito pelo contrário, deverá apontar como primeira prioridade a formação científica e técnica, bem como estética e literária e ainda filosófica, fugindo a especializações contingentes que em poucos anos são susceptíveis de perderem significado. Acontece que quanto melhor preparada estiver uma população, mais facilmente poderá responder às necessidade de mudança e de readaptação que as economia e sociedades coevas mais desenvolvidas implicam, por ora, a um ritmo veloz.
Quando se desenha sob os nossos narizes uma nova divisão mundial do trabalho, não só ganham pertinência aquelas observações, como facilmente se compreende que se os portugueses não apostarem a sério no ensino, os nosso filhos ficarão condenados a permanecerem no limbo do desenvolvimento, irremediavelmente remetidos para as actividades mais arcaicas e economicamente menos rendíveis.
Bem sei que estas minhas palavras nada estão de acordo com as modas intelectuais que muito reflectem sobre a escola em Portugal.
Também sei que são elas capazes de espoletarem aquelas respostas que defendem que as crianças devem ser cativadas para a aprendizagem com as mais variadas estratégias, como se isso, por natureza, não tivesse que ser desse modo e até, nas perspectivas mais radicais, as vozes que reclamam onde fica a liberdade que os miúdos têm para quererem aprender. A única coisa que posso escrever a este respeito é o quanto sempre admirei tamanha argúcia.
O problema é que apesar de tanta inteligência, nenhum desses teóricos é capaz de apresentar um único caso de um país em que tais práticas tenham sido generalizadamente aplicadas com os mesmos ou melhores resultados que saíram da tal escola enfadonha que naquela óptica se pretende abandonar, mas que tão só permitiu conquistas tão belas como a física quântica ou a viagem inter-galáctica da “Pioneer”.
Resta um problema de ordem moral que normalmente passa ao lado da pedagogia dominante.
É que o principal esforço deverá ser feito no ensino público, de tal modo que este possa ser a matriz da excelência e não o escoadouro daqueles que não lhe podem encontrar alternativa. É que é precisamente aí que a generalidade dos mais pobres podem estudar e, dessa forma, encontrarem um mínimo possível de equidade de condições para mais tarde virem a materializar a sua liberdade. Trata-se do mais elementar princípio de justiça social.
E não tenhamos dúvidas, sem justiça, nem mesmo há lugar para Deus.


Será este o próximo artigo da série sobre esta temática que tenho feito publicar no quinzenário local “O Rio” e a partir do mesmo farei o apanhado de que resultará a minha colaboração no primeiro número do boletim da “Associação de Pais” da escola que a Margarida frequenta.



Hoje é dia de congresso extraordinário do PS, convocado por Guterres para responder à chuva de críticas internas que o têm assolado –direi eu- com particular vigor desde que teve a ousadia e a ingenuidade de demitir Fernando Gomes dos eu governo.

Como seria de esperar, os trabalhos organizados por Jorge Coelho só poderiam traduzir-se numa grande loa ao líder e à sua liderança, esmagando as vozes críticas e tolerando um ou outro tema non grato como forma de compor o ramalhete da pluralidade.

O passou discurso do chefe não passou de um ror de banalidades e o desafio que lançou para que os críticos se candidatem às câmaras municipais onde os socialistas estão arredados do poder, mais não é que o paternalismo hipócrita que sempre caracterizou as tiranias.
Tudo espremido, aquilo que se pode perceber é que as coisas ficarão como estão, com a simples diferença que o Secretário-Geral, pela interposta pessoa de Jorge Coelho, verá os seus poderes reforçados o que, posteriormente, na prática, significará o seu ajoelhar diante dos lobbies mais negros que vêem assassinando a sociedade democrática no nosso país. É de esperar o pior quanto à delapidação do erário público em torno da famigerada ideia da organização do Euro 2004. Até lá, Pinto da Costa será um dos homens que mais poder terão em Portugal.

Quanto aos opositores internos, é de sublinhar a grandeza moral de Manuel Alegre que fez da sua comparência uma forma de protesto e de realçar a sua visão de que o actual partido socialista não está a ser suficientemente aberto e democrático, virado para a prossecução da justiça social no país, ao que acresceu, em coerência, a recusa em fazer parte da futura Comissão Nacional, ainda que tenha sido convidado para tal pela sua concelhia de Coimbra.
Bem, outra coisa não seria de esperar do poeta do “há sempre alguém que resiste.”

Ofensivo e mesquinhos seria compará-lo e muito menos agrupá-lo com a vaidade e sede de protagonismo de um Manuel Maria Carrilho, ou a gula de um Henrique Neto, o ex-comunista que chegou a empresário pela compra da cooperativa que ajudou a fundar, o mesmo das incompatibilidades já como deputado socialista e que eu acho que seria um fervoroso acólito caso a pasta da economia lhe tivesse caído no prato.


Amanhã seguir-se-á a votação das moções e ouviremos o discurso de António Guterres para o país.

Cá para mim vamos ficar a saber como daqui a meia dúzia de anos estaremos no clube restrito das sociedades mais desenvolvidas do planeta.


Viva Portugal dos portuguesinhos!



E agora vou-me dedicar ao trabalho nos artigos de que falei.

Alhos Vedros
01/05/05
Luís F. de A. Gomes