2007-03-01

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

NO NATAL DÁ UM SALTO DE PARDAL
Os vendavais continuam e desta vez bateram à porta da família.
Na noite de quinta para sexta-feira, durante a madrugada, para ser mais preciso, a ventania arrancou o telhado dos quartos traseiros da casa da minha tia Benita, a irmão da minha mãe que ainda vive na Serra da Estrela, em São Romão, de onde é oriundo o lado materno da linhagem.

Esta minha tia de quem eu muito gosto e que muito admiro, tem uma história de vida maravilhosa. Nela se pode ver o Portugal que foi e veio, se fez gente e gente fez, no mundo que construiu e repentinamente se viu forçado a abandonar e que, no entanto, persistiu e resistiu e se renovou, sempre com força e de cabeça levantada, o Portugal anónimo e pequeno, capaz de se engrandecer, reinventor de energias e vontades de onde sai a continuidade do país e da cultura.
Pois é, pode até parecer lirismo da minha parte e sou o primeiro a aceitar o quanto a generalização pode ser abusiva. Mas a biografia desta minha tia narra aventuras que podem muito bem ilustrar a história social portuguesa no século vinte, quer pela amplitude geográfica, quer pela diversidade das situações e níveis a que ocorreram.
Justamente nessa medida, pode dizer-se que tem substrato literário, com os seus oitenta e dois anos, permitirá cobrir uma época específica da sociedade portuguesa –o Estado Novo e o fim do império colonial- e pelo multi-facetado da sua variedade, igualmente possibilitaria que se colocassem perguntas universais e intemporais a respeito da humanidade. É que apesar de sempre sujeita aos caprichos dos mais poderosos e dos elementos naturais, apesar de ser uma jangada nas vicissitudes da vida, aquela minha querida tia sempre foi uma mulher livre.

A solidariedade dos seus amorteceu a desgraça e a resposta pronta dos bombeiros deram logo conta dos danos maiores. Mas não deixou de ser um susto e uma enorme contrariedade.


Mas lá está, agora há que reconstruir depressa e bem.
E, para isso, estou convencido que toda a família estará presente.



A conversa desta manhã com o Zé deu-se a partir da fotografia da primeira página do “Diário de Notícias”, miúdos fardados e armados, marchando num desfile do Hezbolah, em Beirute. É isto a materialização do totalitarismo que se abate sobre aquele pobre povo cansado de guerra e de misérias. Obviamente falámos no conflito israelo-árabe e acordámos na inevitabilidade do estado de Israel, no contexto do fim da década de quarenta e na ressaca da Shoah.
E ambos estamos de acordo em identificar a extrema-direita israelita como um outro dos pólos em que se fundamente a impossibilidade de paz naqueles territórios. É ela que arregimenta politicamente muitos daqueles indivíduos que têm sido criados, entre os meios religiosos mais ortodoxos no âmbito de uma cultura de intolerância e xenofobia relativamente aos palestinianos.

Foi um desses jovens que matou Ytzak Rabin.



A Margarida já incorporou nas suas brincadeiras aquilo que aprende na escola.
É vulgar brincar a fazer desenhos ou jogos de palavras e de números e até quando fantasia certos cenários ela escreve ou faz de conta que está a descrever determinados dados.

É o que tem estado a fazer, à frente da minha secretária, enquanto a Matilde dorme a sesta.



E que bem que me soube esta noite de sono revigorante.
Ontem cheguei ao fim do dia completamente exausto. De tal maneira que me deixei dormir no sofá.



Já se percepciona o aumento da duração do dia.



E na Jugoslávia, Kostunica, o novo Presidente da Federação, foi célere em antecipar as legislativas que hoje têm lugar.
À partida está certo; se aquilo que se pretende é abrir o regime político ao jogo democrático, nada mais importante do que substituir o anterior poder e quanto mais depressa melhor e de preferência de modo pacifico e legal, através das instituições.
As sondagens apontam para uma vitória do partido do Presidente, a anterior oposição democrática, uma coligação de dezoito forças políticas. Outra coisa não seria de esperar e está na calha uma maioria confortável.
Seria muito bom para o mundo que a Sérvia se democratizasse e a paz ganhasse alicerces nos Balcãs.
Veremos se, em mais um caso, é do sonho que nasce o futuro.

O modo como os novos detentores se comportarem perante o aparelho de estado e a sociedade civil será um bom oráculo para os primeiros anos deste novo século e milénio.


Que não seja um mau presságio a trovoada encharcada que neste momento se faz ouvir.



E por cá lá vamos tendo o triste espectáculo das picardias entre os homens do Partido Socialista.
Ontem foi Manuel Alegre que elevou o tom contra aquilo que classificou de atitudes estalinistas relativamente ao discurso de Manuel Maria Carrilho que finalmente descobriu todos os pecados do líder.

Dá graça o afã de certo jornalismo em querer fazer crer que o tempo de António Guterres terá chegado ao fim.



Palpita-me que se seguirá um governo autoritário, pelo menos, até dois mil e quatro.
Depois teremos as explosões vulcânicas, com toda a certeza violentas. Suspeito que terão mais a ver com a raiva da ladroagem do que com a revolta dos combates políticos e sociais.



Tuesday morning
at five o clock
as the day begin


Sons da minha meninice que eu sempre ouço com asas na memória.



E a chuva persiste
insolente,
a remeter-nos para o resguardo das vidraças.

Alhos Vedros
00/12/23
Luís F. de A. Gomes