2007-06-11

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Ainda há escravos -fala-se de vinte e seis milhões!!!- no mundo coevo.



E cá estou eu, novamente, passados estes dias em que as vicissitudes me impediram de me sentar à secretária com um mínimo de disponibilidade mental que um diário como este naturalmente requer.


A começar logo pela última terça-feira em que me desloquei ao Instituto de Urologia para uma consulta ao Dr. Ruah.

Por um pudor que me parece compreensível não falei, creio, no assunto, mas agora impõe-se uma explicação.

Há mais ou menos duas semanas que eu urinei sangue ao longo de um dia e que, na madrugada imediata, expeli qualquer coisa envolta numa pasta ensanguentada.
Assustei-me, é claro e tratei de marcar consulta para o urologista.
Não sendo cismador, esqueci o assunto e apenas registei o dia da consulta. Mas não sei dizer porquê, ao ver os exames que me foram recomendados, fiquei ensimesmado e ligeiramente intranquilo.
Quando à noite me disponibilizei para continuar estas palavras, tinha o espírito demasiadamente volante para que as ideias dele pudessem passar para o papel e achei que o sono seria o melhor tónico para a minha angústia.



Seja como for, nesse mesmo dia os miúdos despediram-se do segundo período com actividades de trabalhos manuais dedicados à Páscoa.



Salvou-se o reencontro com Maalouf e o seu último romance, “O Périplo de Baldassare” que nos conta a história de um comerciante de livros antigos e curiosidades, cristão de origem genovesa cujos antepassados se haviam fixado no Levante na sequência das primeiras cruzadas. A história passa-se no século dezassete. E mais uma vez temos oportunidade de usufruir de páginas encantadoras que, pelas dúvidas de um céptico, nos fazem pensar no turbilhão com que o indivíduo se depara ao longo do seu percurso terrestre, para além da experiência de ambientes em que nem falta a narrativa da assimilação que sempre acontece no contacto de culturas diferentes.

“-Quando a fé se torna rancorosa benditos aqueles que duvidam.” (1) –Palavras de Maimoum Toleitli, judeu de Alepo e amigo do nosso herói.



Depois veio o pior.

Na noite de terça a Luísa recebeu um telefonema de uma das suas tias paternas, alertando para o facto de o irmão Zé Maria há muito não dar sinal e ninguém, na vizinhança, o ver há muito mais de um mês. A idade de oitenta e sete anos é tudo quanto basta para se compreender o alarme.
Devo dizer que o tio Zé Maria é um dos irmãos do meu sogro que cedo se separou da família e manteve uma vida solitária, primeiro no Brasil, onde trabalhou e ganhou uma pensão, depois em Lisboa onde reside há mais de trinta anos.
Pessoalmente estranhei que os outros residentes no prédio não tivessem suspeitado do cheiro de um cadáver putrefacto, embora as probabilidade de o homem estar morto fossem firmes e significativas. Em conformidade, sugeri à Luísa que previamente fizesse uma prospecção pelos hospitais da capital a fim de apurar da eventualidade de um qualquer internamento, operação que ela resolveu, de imediato, com resultados negativos.
Foi por isso que na manhã do dia seguinte rumou à residência do velho para logo compreender a tragédia do desenlace. O pivete não deixava margem para dúvidas e chamada a polícia e os bombeiros, rapidamente se concluiu do óbito que ocorrera há perto de dois meses. Poupo-lhes os pormenores macabros e os trâmites inerentes ao funeral.
A consequência foram dois dias atarantados até que o corpo seguiu para o jazigo da família numa aldeia perto de Penafiel.


Na quarta-feira, foi o pai que deitou as meninas.



Mas nem tudo foi mau, os resultados escolares da Margarida são gratificantes, com informação Bom em todos os parâmetros avaliativos e o relatório que aqui transcreverei no final deste dia.

No entanto, mais do que as informações, o melhor testemunho da qualidade da aprendizagem está nas capacidades reveladas que vão da leitura à escrita, raramente com erros, passando pelo cálculo mental e a compreensão de operações numéricas, como é o caso da comutação na soma que ela já entendeu.
E a tudo isto é de juntar uma curiosidade insaciável –ai que gralha, sempre a fazer perguntas- e um gosto sincero pelo conhecimento e igualmente pela escola e a Professora.


Menina responsável, é tão ternurento vê-la construir a autonomia.



E aí vai mais uma nave em direcção a Marte onde se espera que chegue, vejam só, daqui a seis meses.


Pois é com saudade que eu recordo Carl Sagan para quem o espaço poderia substituir a guerra como factor de progresso científico e tecnológico que tão necessário é à sobrevivência desta nossa espécie tão tonta.



Qualquer que seja o resultado, a fazer fé em Vargas Llosa, o Peru já ganhou com as presidenciais deste Domingo.
É o regresso à democracia depois da tirania mafiosa de Fujimori, por ora a banhos e a salvo no Japão.
Esperemos que o escritor esteja certo na análise e aquele país possa agora pôr termos aos breves interregnos democráticos em longos períodos de ditadura.

O Mestre de quem eu tanto gosto, apoia Alejandro Toledo a quem atribui a principal quota na vitória democrática que propiciou este escrutínio livre. Oxalá aquele ganhe.



E por cá continua esta politicazinha de gente medíocre e dobrada a poderes suspeitos e bem capazes de nos agrilhoar as liberdades.

Guterres, numa assembleia dos socialistas, no Porto, lá teve que discursar com Fernando Gomes, o próprio, sentado na primeira fila, mesmo em frente do líder.
“-Roma não paga a traidores.” –Terá dito este a propósito daquele que agora se vê forçado a aceitar de regresso. Simplesmente esqueceu que esses mataram muitos dos imperadores.



E para terminar, por hoje, aqui fica a síntese final a respeito do rendimento escolar da Margarida.

“Língua Portuguesa – conhece e identifica as palavras dadas.
Lê pequenos textos e compreende o que lê.
Preenche lacunas e inventa frases com palavras dadas.
No ditado, não dá erros.
Aprendeu com facilidade a técnica da leitura e da escrita.
Matemática – identifica e escreve os algarismos. Efectua somas e subtracções. Completa sequências. Tem bom cálculo mental.
Estudo do Meio – Aprendeu com facilidade as noções dadas.
A Margarida é uma criança muito participativa e com muita vontade de aprender.


Foi com certo orgulho que a mãe galinha disse que viu o dossier dos trabalho onde não encontrou qualquer erro.



E agora digam lá que eu não tenho motivos para dormir com um sorriso nos lábios de um homem feliz?

__________
(1) Maalouf, Amin, p.66
O PÉRIPLO DE BALDASSARE

Alhos Vedros
01/04/08
Luís F. de A. Gomes


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Maalouf, Amin- O PÉRIPLO DE BALDASSARE
Tradução de António Pescada
Difel (2ª. Edição), Lisboa, 2001

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá Luís

Como ficou esse problema urológico?


Como é difícil deixar os teus blogues.

14:51  
Blogger o clube said...

Viva Marta, mais uma vez.

Não te importas que sobre isto não fale aqui? Posso até responder, mas não aqui. Apesar de ter registado esta nota, não me parece que tenha voltado a tocar o assunto neste diário e no que se seguiu relativo ao primeiro ano de escola da Matilde e que terminou o conjunto dos diários das minhas filhas.
Não me levas a mal por isso, pois não?

E como eles se alindam quando tu os visitas.

Apelo mais uma vez à tua compreensão, está em?

Um beijinho, Marta

Luís

16:39  
Anonymous Anónimo said...

Desculpa ter perguntado

beijinho

Marta

18:13  
Blogger o clube said...

Não tens que pedir desculpa, pois a preocupação tocou-me, acredita, o coração, como é bom de ver. Ingrato seria se assim não fosse.

Um beijo para ti

Luís

18:28  

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