2007-08-18

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

La musica és un médio de comunicacion, un médio de namorar los coraciones de los hombres del mundo intero.

Palabras de Totó La Momposina, cantora popular da Colômbia que ontem tive ensejo de ver e ouvir, no Seixal, no contexto de mais uma edição do festival cultural “Cantigas de Maio”.

Noite mágica que se iniciou com um trio vocal feminino de Madagáscar e que teve a apoteose com a festa que os colombianos trouxeram ao palco, onde tocaram, cantaram, dançaram e até onde levaram o público a com eles bailar e a dar parte do show que estava ali para usufruir.
Contudo, o mais interessante foi que eles trouxeram as várias expressões das tradições musicais colombianas, tendo começado com o acompanhamento rítmico de uma secção de percussão, sem mais nada, passando depois à combinação entre as flautas –que não eram de pã- e os tambores, ao que se seguiu a introdução progressiva dos diferentes instrumentos em função dos quais foram evoluindo estilos diversos até que o concerto terminou com os sons do Caribe colombiano, cheio de influências do jazz e até do rock, com a plateia rendida ao movimento do corpo.


Mas a surpresa do fim-de-semana foi, na sexta-feira, um quarteto português de acordeãos, “Danças Ocultas” que, numa base minimal, fizeram um recital de simbiose entre as músicas eruditas e as de cariz popular.
Durante hora e meia, houve poemas que se formaram no cérebro como que saídos daquelas composições instrumentais.


Só tenho pena que a Margarida tenha sucumbido ao cansaço e dormido durante os espectáculos.
A Matilde é que se fartou de dançar.




E o que será isto de um arquitecto espanhol propor a construção de uma torre biónica, com quinhentos metros de altura, nos terrenos que a desactivação da Lisnave deixarão livres em Almada?
Admira-me que o projecto não tenha acolhimento no país dos projectistas.
Mas ocorre-me perguntar se faria se faria sentido tal volumetria na vizinhança de uma falha sísmica como a que existe no fundo do leito da foz do Tejo.



A essência da democracia é o poder das maiorias ou a defesa dos mais fracos em face dos mais fortes?
Por mim opto pela segunda hipótese.
Com efeito, já no tempo de Péricles podíamos ver essa característica fundamental que dois mil anos mais tarde se repetirá no bill of the wrihts, de o homens –à época, os cidadãos, os homens livres- serem chamados a decidir da guerra e de não poderem ser a ela chamados contra a sua vontade.
Mas se aceitarmos a primeira daquelas variáveis, ficamos sem mecanismos de defesa perante eventuais situações em que as decisões da maioria dêem lugar a formas mais ou menos veladas de tiranias. Em parte, é o que actualmente acontece com o fenómeno das audiências televisivas e o género de programação que alegadamente impõem. E eu perco-me de riso quando alguém me vem com as tretas de que não se pode fazer nada.



Bem e eu aproveitei para ler os contos da Luísa Costa Gomes.
Excelente, é o mínimo que se pode dizer de um verdadeiro hino à literatura.
E como a Autora escava fundo na alma humana, o que é bem ilustrado por “Hades” (1) em que de forma nunca vista se consegue pôr a nu os tiques do povo ignaro por via do estereótipo.
Mas também pelas parábolas, como acontece na história de abertura, em que se denuncia a vacuidade do mundo coevo, com metáforas douradas de que não resisto a transcrever uma, só uma, para não cansar. “Não sabiam o que responder ou mesmo se ers caso de responder ou esgravatar um pouco no solo como fazem as galinhas quando se sentem embaraçadas e precisam de pensar. (…)” (2)
Enfim, seria um não mais acabar de pérolas que por serem tantas impõem o comedimento do elogio a uma obra que eleva a sua Autora ao Olimpo dos Mestres do conto.

Faltam-me poucas páginas, mas quando acabar começo outra vez.



Na sexta-feira os alunos continuaram exercícios em torno da nova palavra e realizaram mais uma ficha para o livro dinâmico.
Trouxeram trabalho para casa mas também terão uma folga prolongada, pois na segunda-feira não terão aulas.



Ai esta canícula que faz do fim das tardes um momento em que apetece o repouso do desfrute da bisa.

__________
(1) Costa Gomes, Luísa, pp 73 e ss
“Hades”
In “CONTOS OUTRA VEZ”
(2) idem, p. 35
“Uma Empresa Espiritual”
ibidem

Alhos Vedros
01/05/27
Luís F. de A. Gomes


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Costa Gomes, Luísa- CONTOS OUTRA VEZ
Associação Portuguesa de Escritores, Lisboa, 2001