2007-01-28

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

UMA AZEDA À BEIRA DA ESTRADA
Quando se entra em Alhos Vedros, vinda da Baixa da Banheira, é tão bonito de ver as aves colorindo o espelho de água do esteiro.
E com as nuvens espalhadas, intercalando o azul, as asas operantes, reflectidas na superfície líquida, são alegorias de paz, pedaços de felicidade que nos fazem planar na alegria de estarmos vivos.



E a plenitude já, de si, a conheço, vendo a Margarida conviver e brincar com as colegas da sala, sorridente e leve, na tranquilidade de quem goza o afago do carinho e da segurança.



Mas o que é isto?
A Procuradoria-Geral abriu um inquérito ao director de campanha da candidatura de Ferreira do Amaral à presidência da república, por causa de uma queixa do actual Presidente relativa a comentários que aquele fez sobre a sua actuação como chefe de estado e, simultaneamente, concorrente a esse mesmo cargo?
Uma vez que não há ofensas pessoais, uma acusação de que o candidato promove a abstenção será conteúdo para um processo legal? Então e a liberdade de expressão? Por acaso há por aí algum regulamento para o que pode e o que não pode, o que deve e o que não deve ser dito?
É este o exemplo de atitude democrática que o mais alto magistrado da nação pretende dar à população?

Acho tudo isto muito estranho.
Contudo, sou incapaz de deixar de achar que estes são inquietantes sinais da liquidação das instituições democráticas no nosso país. Testemunhamos a passagem para os intérpretes da vida politica dos lobbies sem valores que vão abafando diversos âmbitos da nossa sociedade.

Os exemplos que os media mais destacam são personalidades como Pinto da Costa e Belmiro de Azevedo, a que devemos acrescentar uma parafernália de televisionados que são uma boa ilustração para um país que se afasta dos níveis de bem- estar e qualidade de vida das sociedades mais abastadas.



A Matilde é engraçada.
Gosta de levar brinquedos para o jardim infantil e a areia que, amiúde, aqueles trazem agarrada, são bem a prova que ela os utiliza naquilo que provavelmente é a sua forma de transpor o seu mundo para um espaço de posse conjunta.


Mas é prestável e muito simpática, diz a Paula, a sua Educadora. E de bom grado partilha a tralha, mesmo por empréstimo, para que os outros também se encantem.



E hoje, o Parlamento holandês aprovou uma lei que contempla a possibilidade de eutanásia.
Desconheço os termos daquele e por isso não me posso pronunciar.
Quanto à eutanásia, em geral, devo confessar que nunca reflecti aprofundadamente sobre a matéria.
De acordo com a minha mundivisão particular, não é muito difícil tomar uma posição. Com efeito, tenho para mim que a vida é uma dádiva divina pelo que só Deus lhe pode pôr termo e, em consonância, não posso reconhecer a quem quer que seja –inclusive o próprio- o direito de decidir quando ou se deve aquela acabar.
É claro que se dirá que eu estou a falar de cátedra, pois, na realidade, nunca me vi confrontado, directamente ou por intermédio de alguém próximo, com uma situação semelhante. Mas também é verdade que, se virmos o problema por esse ângulo, poucos serão aqueles que o tratarão com a propriedade da experimentação. Será que só esses poderiam apresentar uma opinião válida e sensata? Pois a mim parece-me que nada me impede de pensar que é sempre possível encontrar um perfume para a alma, ainda que seja máxima e abjecta a prostração –estamos sempre a considerar estados conscientes. Assim, pessoalmente não tenho dúvidas em recusar a eutanásia e em achar que a sua prática é um atentado contra Ele.

Pergunto-me é se tenho o direito de impor as minhas convicções religiosas a alguém. E é justamente a partir daquelas que eu devo afirmar que não posso, não devo possuir, não admissível nem aceitável que eu ou alguém possuamos essa prerrogativa. Antes de mais, o que eu tenho é o dever de reconhecer a todos os meus irmãos humanos a igual filiação divina; até essa indizível encarnação de Samael que foi Hitler, nasceu como tal. Pois nessa dimensão, só posso aceitar o meu semelhante que vive sem se dar que também O transporta no coração. A religião é um assunto privado e quer sejamos judeus, cristãos ou muçulmanos, quer sejamos hindus, budistas ou xintoístas, ninguém pode arrogar-se de ser detentor da verdade absoluta e a ninguém se reconhece e aceita a capacidade de definir qual, entre elas, é a mais conveniente para esta ou aquela pessoa –não sendo essa a sua vontade- para este ou aquele povo; sendo privada, a opção religiosa faz-se no contexto da nossa liberdade individual. Não fosse isto suficiente, que dizer então das ciências e do quanto têm arrancado a humanidade à miséria e à doença? Ora não consta que nenhum cientista tenha necessitado da hipótese divina para comprovar as suas ideias e verificar as suas teorias na compreensão dos fenómenos universais, entre os quais se inclui esta nossa casa cósmica comum e até a nossa própria espécie, bem como as restantes componentes da bio-diversidade.

De tudo isto resulta que se eu tenho o direito de ser pessoalmente contra a eutanásia, não posso, por isso, impedir a outrem que, conscientemente, queira optar pela sua prática.
Depois –e mais precisamente- a legalização da eutanásia não significa que a mesma seja ou alguma vez possa vir a ser obrigatória, mas, tão só que aqueles que a abraçam não sejam penalizados nem estigmatizados pelas leis dos homens.
Esta escolha do parlamento neerlandês deve ser respeitada como uma medida tomada em liberdade e que, adiante, pode, inclusivamente, vir a ser abandonada.

Mas do pais das túlipas que eu tanto admiro, chega-nos um apontamento de frio.



Esta manhã a Margarida fez pinturas e aprendeu uma nova palavra, bota, que, no trabalho de casa, teve de copiar cinco vezes.
À tarde fizeram exercícios com o ditongo ão.



Mas hoje fiquei com uma preocupação que obviamente partilhei com a Luísa.
É que o piolho contou-nos que, no fim do dia, a aula acabou com uma conversa sobre o “Big-Brother” entre os alunos, a Professora e uma das empregadas da escola. De acordo com a narrativa, falaram sobre as personagens e os alunos votaram quem queriam expulsar da casa.

Tanto eu como a mãe achamos isto bizarro e esperamos que não tenha o condão de se repetir muitas vezes pois, caso contrário, teríamos que falar com a Mestra.
Tenho a certeza que estou a sobrerreagiar mas de qualquer forma formulo o meu mais profundo voto para que ela não ache que um achincalho à dignidade humana possa servir de referência para crianças em idade de moldarem a personalidade.



Noites cálidas de Novembro.
Este ano, o Verão de São Martinho veio atrasado em quinze dias.

E sob o Sol desta tarde, já vi uma azeda luzindo num valado junto à estrada.

Mas agora chove; cumpre-se a ameaça que pairou sobre nós ao longo do dia.

Vou à janela para ver.

Alhos Vedros
00/11/28
Luís F. de A. Gomes

4 Comments:

Blogger Gi said...

Bom dia Luis, já o li, não posso contudo escrever mais, estou no computador do meu filho por empréstimo o meu portátil foi-se esta madrugada, um apagão que não sei explicar.
Daqui a nada vai ver se o manda arranjar. Não sei mesmo se terei perdido tudo o que lá tenho guardado. Até mais logo ou até amanhã

10:14  
Blogger o clube said...

Gi (c)
Espero que o problema tenha solução breve e nãoi deixa rastos negativos. Vou pedir por isso.
Agradeço o seu cuidado, muito, muito mesmo.
A pergunta que lhe quero colocar é:
acha que ao escrever assim sobre a eutanásia eu não sou capaz de aceitar as diferenças -quanto mais as suas? Acha que procuro impor as minhas maneiras de pensar aos outros?
Responda-me só sim ou não. Não preciso de mais.
O melhor da vida para si (c)
Luís

10:48  
Blogger Gi said...

Acho que é capaz de aceitar as diferenças sim :)
Tenha o resto de uma boa noite. Espero que o dia teha corrido de acordo com o pleneado.
Eseremos que até breve :o)

19:36  
Blogger o clube said...

Boa noite, (c)
Muitíssimo obrigada pelo cuidado, gesto bonito que me toca fundo, acredite, muitíssimo fundo, nem calcula quanto.
Vê que não falo por falar. Como assim, Gi (c), como pode em alguma circunstância o bem querer não aceitar? Só muito excepcionalmente e jamais você se colocaria nesse limbo da recusa e do abandono.
Esperemos que o "Esperemos que até breve" não signifique nada de mal.
O dia correu-me de facto muitíssimo bem, teve tantas coisas bonitas Gi que você nem imagina, mesmo no meio da mais absoluta solidão e concentração de algumas das coisas que tive que fazer. E depois à hora do almoço, uma conversa com a Margarida pelo telefone deixou-me estupidamente feliz. E depois é tão bom verificar que obtemos aquilo por que tanto trabalhamos... Amanhã vou estar ausente mas levo no peito toda esta doçura que me faz levitar, mesmo quando estou na mais materialisa das conversas com a mais formal das atitudes. E Gi (c), é muito engraçado sentirmos um sorriso interior sem que os outros saibam que essa chamazinha arde bem dentro do nosso coração e deixa bem cheia de luz a nossa alma.
Não a empato mais, até porque ainda quero fazer um post e depois quero visitá-la na sua casa de encantos.
Até já, (c)

Luís

22:10  

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