2007-01-20

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

As migrações sempre foram uma constante na história da humanidade. É claro que há vários motivos que podem estar na base dessa forma de mobilidade demográfica mas, fundamentalmente, a causa principal sempre se relacionou com a procura de melhores oportunidades de sobrevivência. Quando se torna possível o movimento entre duas zonas que funcionem como pólos de atracção e repulsão, independentemente das vontades dos poderes e da abertura das leis, a transferência de populações –a não ser em casos extremos como, por exemplo, a Coreia do Norte- acontece como um fenómeno quase inevitável e só por autismo se pode iludir e fugir a tal realidade.
Mas é justamente por isso que os estados legislam a imigração com o que procuram controlar os fluxos de entrada, com tudo o que pode implicar para os equilíbrios dos tecidos sociais e económicos.
Neste sentido, tenho para mim que o acto de inteligência é aquele que procura manter o fenómeno dentro dos limites socialmente satisfatórios para o país de entrada, mas, simultaneamente, proporcionando a quem chega a aquisição de um estatuto que em nada belisque a sua dignidade.
Pois é precisamente isto que a lei actual, em Portugal, não faz e ao criar dificuldades para a obtenção de um visto de trabalho, temporalmente reduzido, pelo contrário, fomenta a fixação de ilegais, uma vez que não há forma de alterar as pressões do mercado de oferta que, no nosso país, reclama mão-de-obra barata e muito menos para alterar as agruras da vida em estados madrastas para os seus cidadãos, a quem empurram para a venda da força de trabalho em terras estranhas.
Quem ganha com uma situação destas?
Os trabalhadores não são certamente e, no seu conjunto, a sociedade portuguesa também não.
Ganhadores são os patrões que metem ao bolso as verbas que pagariam a nacionais e usufruem da docilidade laboral de quem troca os direitos pelo pão.
Mas antes já ganharam as máfias que aí vêm um bom terreno para extorquirem o dinheiro e o sangue a quem não tem outra forma de ganhar a vida se não a de se sujeitar aos auxílios interessados de mãos tão tenebrosas.
Infelizmente é isto que sucede nesta pátria que já foi de emigração clandestina e tão só há pouco mais de trinta anos.

Ora hoje foram presos, ao que parece, os principais responsáveis por uma rede de mafiosos moldavos peritos no ramo em que se inclui, naturalmente, o subproduto da prostituição.
É um passo, sem dúvida, só que, provavelmente, de consequências práticas irrelevantes.

Eu não acredito que os intérpretes do nosso poder político tenham a coragem de encarar o problema de frente e colocar um ponto final que, necessariamente, chocará com interesses que eles jamais serão capazes de enfrentar, por mais mesquinhos e egoístas que sejam.

Afinal estamos ou não no reino do homo maniatábilis?

Então eu não tenho razão no que digo?
Depois de muito alarido e da responsabilidade claramente recair em outrem, o nosso Presidente da República decidiu estar presente na cerimónia de abertura do Porto Capital Europeia da Cultura –dos bimbos, mas isto não se diz que somos um povo respeitável.



“-Meninos, ouçam com atenção o que a professora vai dizer.” –A Margarida, falando para a irmã, sentada à sua frente e com um banco a fazer de secretária. “-Esta menina (…)” –Referindo a Matilde e na realidade sem qualquer alteração. “-(…) vai ter uma semana de folga, tal como vai acontecer à maioria dos meninos. Uma semana de folga como prémio.”
Enquanto a mais nova dizia que sim com a cabeça e sorria, o pai que lia o jornal, intrometeu-se na brincadeira:
-É pá, grande escola essa. Então e os pobres coitados da minoria não têm folga?”
-Os outros não têm folga porque não têm feito os trabalhos e por isso têm que vir à escola nestes dias para acabarem tudo o que têm deixado por fazer.”



Não foi só em Moçambique que se silenciou a voz de um jornalista que denunciava a greve económica do país.
Ontem, a ETA matou quem teve a coragem de escrever contra a falsa áurea heróica que aquele grupo terrorista teve nos anos iniciais.

E no Kosovo, lá foi um conselheiro de Ibraim Rugova para o maneta.



Hoje o dia foi solarengo e os verdes, ontem tão carregados de melancolia, abanado ao vento, apresentaram-se com uma alegria renovada.
E no chão, testemunha da tormenta, amarelecem as folhas de quem se despe para que, depois da lavagem dos ramos, possa esperar pela próxima Primavera.



Guterres recupera nas sondagens e o comentador de serviço, António José Teixeira, vem dizer aos microfones da TSF que a queda de Paulo Portas revela que o eleitorado apoiou a atitude do deputado Campelo.

Pudera, ou não fossemos nós um país de clientelas.



E no “Público” continuam as entrevistas a personalidades de certo modo envolvidas nos acontecimentos que culminaram no vinte e cinco de Novembro.
Depois de ler as respostas do cónego Melo e, hoje, as de Vasco Lourenço, cada vez mais me convenço que a extrema-esquerda foi levada a espoletar uma situação que permitiu à linha moderada do MFA pôr um ponto final no PREC.



Esta manhã houve cópia e leitura e à tarde os alunos escutaram a história do “Alfaiate Valente” e fizeram recortes a esse respeito.



Acabei de ler um livro magnífico de François Jacob em que fique a conhecer como evoluiu o conhecimento e a investigação no domínio da biologia molecular, mas onde também aprendi, uma vez mais, a ver a singularidade da vida e a sua grandeza de fenómeno eventualmente irrepetível, cuja diversidade só tem paralelo na importância do seu equivalente ao nível cultural.
No que particularmente mais me interessa, está a bissectriz que aí se traça entre o eugenismo de Sir Francis Galton e a Shoah. (1)

E o Autor escreve com uma elegância…

Permito-me deixar uma breve citação:
“Para a humanidade, o perigo fundamental não é o desenvolvimento do conhecimento. É a ignorância.” (2)



Comemoram-se os vinte e cinco anos do reinado de João Carlos I, rei de Espanha e dos espanhóis, que, na História, ficará conhecido como o período de democratização desse painel de nações que é o país vizinho, de que eu tanto gosto e onde me sinto em casa. O homem, esse, será apontado como o responsável pelo lançamento do período de transição e aquele que, face à tentativa de um golpe revanchista, foi o garante da opção que os povos tinham acarinhado pela expressão do voto, isto é, a democracia.

Que melhor referência pode um Rei ter nas páginas do porvir?



Esta manhã, as primeiras notícias que ouvi, depois de deixar o meu amorzinho na escola, davam conta de tiroteio em Bissau.
Ao fim do dia, as tropas governamentais controlavam a situação e os revoltosos estavam acantonados e sitiados numa base aérea.
Esperam-se as cenas seguintes com a apreensão de uma população que, entrementes, abandonara a cidade em busca do refúgio e da segurança do campo.



E a noite suspensa no monólogo de uma trompete melancólica, deixa-me levitar no infinito dos minutos que me hão-de separar da interrupção provocada pelo sono.

Pois assim vos deixo com este silêncio das estrelas.

__________
(1) Jacob, François, pp 114 e ss
O RATINHO, A MOS E O HOMEM
(2) idem, ibidem, p. 182

Alhos Vedros
00/11/23
Luís F. de A. Gomes

CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Jacob, François- O RATINHO, A MOSCA E O HOMEM
Tradução de Margarida Sérvulo Correia
Revisão do texto por José Soares de Almeida
Gradiva (1ª. Edição), Lisboa, 1997