2007-01-30

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O ARCO-ÍRIS MATINAL
“-Oh pai, olha o arco-íris.!” –Disse a Margarida, quando nos dirigíamos para o carro, na demanda de mais uma jornada escolar.

E a família –sem a mãe- deleitou-se com um fenómeno óptico por sobre os telhados do fim de rua.
Que melhor começo do dia podemos nós desejar?



Nos Estados Unidos, George W. Bush, auto-declarou-se vencedor das eleições e, por isso, o próximo Presidente da República.

Mas Al Gore insiste em querer ver o caso resolvido pelos tribunais. Pretende a conclusão da contagem dos votos manuais.


Neste lado do Atlântico há muito bem pensante que desdenhe, embora o que transparece seja a incompreensão de um certo anti-americanismo primário que paira em muitos dos comentários que lemos e ouvimos.
Mas não faz mal, afinal a escola dos nossos democratas mais velhos foi o salazarismo e o mundo mesquinho que um tal regime impôs.

Só assim se entende a negligência do facto de a democracia enquanto sistema político, não implicar necessariamente o dirigismo dos órgãos de poder mas, tão só, a existência de barreiras legais e institucionais à tirania, coarctando-lhe, dessa forma, as possibilidades de vingar; depois a omissão de que a civilização democrática significa, antes de mais, o respeito pelo cidadão, sem distinções, o que, na realidade, se concretiza na defesa dos pontos de vista minoritários e nas garantias de que os mais fracos não são asfixiados arbitrariamente pelos mais fortes.


Será que tais aquisições da humanidade estão a ser postas em risco pelo diferendo a que assistimos?
Não me parece.
E como a democracia também é a competência que ao povo assiste para derrubar os governos, certamente que daqui a quatro anos teremos um outro inquilino da Casa Branca. Se as coisas correrem mal para o que se diz agora vitorioso, é claro.



E não é por acaso que por cá, com a abstenção do deputado Campelo, o orçamento foi aprovado na especialidade.

O pior é que entre os socialistas se fala na possibilidade de fazer escola com este método para os próximos anos.

Ora isto é que põe em perigo a democracia



O São Jorge, uma das clássicas salas de cinema de Lisboa, fechou esta noite as suas portas.
Só um insensível não lamentaria e eu, que dali guardo memórias da adolescência e da juventude, vejo com nostalgia a substituição daquelas –ultimamente três- salas por um qualquer modernismo arquitectónico dedicado ao comércio e aos serviços.
É a lei da sobrevivência económica e até os funcionários reconhecem que os níveis de afluência não viabilizam a sua exploração, pelo que não admira que o espaço tenha sido vendido, creio que a uma imobiliária.

Não deixa é de ser uma grande hipocrisia toda a lamentação do Presidente da Câmara de Lisboa em torno do caso.
Então não é aquela autarquia que tem autorizado toda a descaracterização urbanística que se pode observar naquela mesma avenida?


Mas amanhã, meu amor, já não nos poderemos encontrar no São Jorge.



Perdeu-se o rasto mediático do cargueiro que andava à deriva ao largo de Inglaterra, transportando minerais tóxicos nos seus porões. Provavelmente chegou a bom porto e tudo acabou bem. Deus queira que assim tenha sido.

Fica éa certeza que as boas notícias não têm interesse para aqueles que da vida querem dar a imagem de um círculo romano.



Ansumane Mané anda a monte e, em contrapartida, há centenas de prisões, enquanto populares fogem de Bissau.

Kumbaialá parece estar a sitiar-se pelo do fogo.
A vida livre permanece adiada.



Hoje de manhã os alunos fizeram exercícios em torno de novas palavras a que o vocábulo bota lhes deu acesso.
Depois do almoço, coloriram uma ficha em que, identificando e construindo certos conjuntos, também foram solicitados a identificar letras e sílabas.



Depois de um dia de loucos é tão agradável o descanso da noite.



Ontem, quando dei por findas estas notas, depois de ver a chuva furando a luz dos candeeiros, estendi-me no sofá para atentar na TV. Sem ser para ver os “Ficheiros Secretos” ou um ou outro desafio de futebol, há muito tempo que não o fazia, mas deparei-me com uma entrevista a Garcia Pereira e acabei por me deixar ficar até ao fim.
Há uma certa filosofia de fundo de que, frontalmente, discordo, mas o homem é inteligente e faz uma crítica certeira ao nosso status quo que, em boa parte, eu corroboro.
Curiosamente subscrevi-lhe a candidatura e o meu voto lhe pertencerá pelo que não resisto a transcrever um artigo que então escrevi para justificar aquela atitude.
Titulado “Acto de Cidadania” e datado de quinze de Julho, reza assim.

“A vida é a arte do encontro embora haja
tanto desencontro nessa vida.”
Vinícius de Morais

“Como a vida, em geral, também a cidadania tem coisas engraçadas. Nunca antes fora confrontado com a proposta da subscrição de qualquer candidatura para a presidência da república. Sem razão aparente, num destes dias, alguém me visitou com o único propósito de me solicitar a assinatura para o conjunto das cinco mil necessárias a que o Sr. António Garcia Pereira se possa apresentar como candidato ao mais alto cargo da nação.
Enquanto homem adulto, jamais tive qualquer militância ou actividade política e partidária e ainda que seja uma pessoa atenta ao mundo que me rodeia, nunca manifestei empenho por experiências naquele domínio. Tenho as minhas opiniões que, naturalmente, serão moldadas pela minha maneira de ver o mundo, mas talvez seja demasiado comodista para grandes ocupações naquela área. Enfim, sou mesmo daquele género de gente que prefere a quietude e pacatez do seu mundinho e não se dispõe a prescindir do tão pouco tempo diário que lhe resta para os encantos que aquela tem. Má consciência, dirão provavelmente com razão. Talvez por isso alinhave algumas ideiazinhas em pequenos e modestos artigos de opinião que têm saído neste simpático quinzenário (1), com a veleidade de pensar que são a minha maneira de dizer que sou cidadão e que estou aqui. Não é que tal me faça perder o sono, contudo seria exagero –para não dizer escandaloso- se eu me visse como um exemplo de indivíduo generoso e solidário. Como soe dizer-se, “até o diabo se ria”.
Ora pela posição cultural e social familiar que herdei, tenho por boas as forças impulsionadoras da propriedade e da livre iniciativa e concorrência, que tomo pelos melhores meios para produzir as riquezas necessárias à nossa vida em sociedade. No meu dia a dia rejo-me pelo bom senso de quem vive de coisas práticas e sei que as grandes ideias, nisto da vida em comum, têm sempre o limite do possível, sendo mais vulgar que os tecidos sociais se alterem justamente por obra e graça do seu fluir quotidiano. Por isso, as sociedades e as economias abertas são aquelas que melhor conciliam o bem estar com a segurança. Tenho para mim que os baixos salários que subsistem em Portugal, provavelmente deixarão de existir quando aqueles que trabalham possam pedir e os patrões posam pagar os montantes equivalentes ao que são hoje os padrões dos países da Europa mais desenvolvida. Sou um adepto de reformas e nunca de revoluções sociais.
Para meu gosto, só as civilizações e as inerentes sociedades democráticas são compatíveis com a dignidade dos seres humanos.
Em conformidade, eu não tenho nada a ver com o senhor Garcia Pereira e muito menos com o seu partido, ao que acresce ser ele proveniente de uma tradição que, do bolchevismo aos guardas vermelhos, produziu crimes inenarráveis que variaram entre os mais diversos gulags e a revolução cultural, da China Popular, embora saiba que jamais àquele seriam consentidas as oportunidades de tão medonhas repetições.
Assim, a primeira vista, quase tomaria como uma ofensa o convite cívico que me foi apresentado.
No entanto subscreverei a proposta em causa.
É que as democracias não sobrevivem sem contra-pesos e é disso que se trata. Garcia Pereira é uma voz do contra-poder, sendo, pois, necessária. Alheio aos lobbies e grupos de interesses, é alguém que pode e fala livremente e com independência. Além disso, é um homem inteligente e sensato, por que vive bem mergulhado no concreto da vida, não é um papagaio que apregoe ideias parvas sobre o que deveria ser o mundo, antes é uma pessoa que se debruça e se dedica a problemas efectivos, perante os quais interpreta pontos de vista daqueles que usualmente não têm acesso a expressá-los. E tem a coragem de estar do lado dos mais fracos, mesmo quando a contenda se faz com organizações poderosas. Pessoa culta e responsável, será capaz de fazer ouvir muitos dos discursos daqueles que não têm poder nem voz efectiva. Se, por absurdo, fosse eleito, representaria condignamente os mais pobres dos portugueses.
Temos pois que a minha subscrição expressa o apoio a uma voz do contra-poder que tão imprescindível é para a vivência democrática.
Eis como a vida cívica tem coisas engraçadas e eu devo confessar que ao escutar a proposta que aqui me ocupou, dei conta de certa perplexidade interior. Mas pela primeira vez na minha vida tinha ali à mão a oportunidade de fazer algo. Depois reflecti no assunto ao que me ocorreram estas ideias que aqui quis partilhar.
Obviamente votarei nele.”



São Miguel está em alerta vermelho.
Prevêem-se vagas de seis a sete metros.

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(1) O periódico regional “Notícias da Moita” para o qual, intencionalmente, a peça em causa foi escrita, embora mais tarde, por motivos óbvios, tenha deixado que a inércia a remetesse para o fundo da gaveta.

Alhos Vedros
00/11/29
Luís F. de A. Gomes