2007-04-28

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

AO SOM DE JONH SURMAN

Ai que saudades que eu tinha de um dia como este, solarengo e afagante, ainda que as árvores permaneçam com os seus dedos de pau apontados ao azul que se vê para lá dos intervalos que as folhas apagarão.
Até os pássaros voltaram à conversa, indiferentes a que lhes escutemos as trivialidades.

E o fim da tarde, cheio de mesclas rosadas no céu espelhado no esteiro, com aves voando alto, só para dizerem que estamos aqui.


No que me toca foi uma excelente continuação para dois doas de repouso e devaneio, partilhando a companhia da família em torno do doce fluir de quem não tem horas marcadas.



Ontem fomos ao cinema ver “O Náufrago”, com Tom Hanks no papel principal.
A história fez-me lembrar William Golding, em “O Deus das Moscas”, obra em que se reflecte sobre o fio estreito que separa a civilização da barbárie.
É que se quisermos, também neste filme podemos ver uma alegoria da humanidade, embora para vermos o princípio da civilização que só foi possível pela força de vontade indomável e nunca desistente dos homens.


Quem tenha lido algum dos meus livros de ficção sabe que eu gosto deste género de narrativas que sem a deselegância de nos imporem um ponto de vista e muito menos o pretensiosismo –amiúde tão hilariante- de nos darem receita para isto e para aquilo, muito simplesmente se limitam a apresentar dados que nos permitam a reformulação de perguntas, a partir das quais os leitores, se assim o desejarem, tirarão as ilações possíveis.


Ora atendendo a que tecnicamente está perfeito e as interpretações dificilmente poderiam ser melhores, especialmente no que diz respeito ao primeiro actor, numa escala de zero a vinte, dezoito valores.



Pois em Cabo Verde a democracia enraíza-se.

Deus seja louvado.


E o PAICV que regressou ao governo pela vitória nas últimas legislativas, tem agora a possibilidade de ver uma das suas figuras históricas, Pedro Pires, na presidência da república; parte para o escrutínio com um ponto de vantagem sobre o actual presidente.



E não é que há um movimento de cidadão para a recandidatura de Nuno Cardoso?

Hum, aqui há gato.
Vamos a ver e lá andará o mundo da a mexer os cordelinhos.
A verdade é que tudo indica que não terão Fernando Gomes, lui méme, que, esse sim, seria a escolha acertada. Em face disso, não seria mau de todo ter alguém de confiança.



Hoje o dia foi preenchido com exercícios vários e duas fichas a respeito da nova palavra e que se destinaram ao Livro Dinâmico.



E eu passei a tarde de Sábado entretido com um puzzle de mil peças de uma imagem de Amesterdão.
Vamos ver quanto tempo demoro a completá-lo.



Curiosamente, no fim-de-semana em que o “Público” nos deu a conhecer um novo livro que põe a nu as relações da IBM com as mais altas esferas do Terceiro Reich, por via de negócios que forneceram o suporte tecnológico para a organização administrativa da Solução Final, em Belmonte, Deus seja louvado, os judeus vão finalmente repousar em paz, cemitério próprio abençoado com pedaços de solo israelita, sem terem que enterrar os seus mortos segundo ritos que não são os seus e que lhes profanam a dignidade da sua envolvência com a Divindade.

O caso IBM já era conhecido, tratou-se do fornecimento de máquinas de processamento de dados –de que existe um exemplar no Museu do Holocausto, em Nova Yorque- que serviram tão só para a elaboração das listas de judeus alemães a arregimentar e enviar para o extermínio.
Bem, estamos a tratar do indizível.
Mas devemos ter o discernimento suficiente para compreendermos que o tipo de implicações de que estamos a falar, só assim foram entendidas à posteriori, depois da derrota nazi, pois, ao tempo em que aconteceram, a Alemanha era um país com uma economia perfeitamente enquadrada no contexto das relações internacionais. A IBM não terá sido o único caso, com certeza. Tenhamos em conta que a denúncia da repressão e da violência do regime chegou a ser vista, na velha Albion, como actos de traição à pátria.
Não tenho dúvida que é bom que se denunciem as tramas da época mais negra da Humanidade.
No entanto, se bem que aquela empresa possa dever, em boa parte, a sua grandeza a tão sinistro comprador e, pelo grau de envolvimento, pagar por isso, não podemos esquecer que as populações viram os judeus desaparecerem da casa ao lado e conheciam os éditos e as listagens em que se identificara quem deveria agrupar-se para partir e todos sabiam que o destino eram os campos de concentração.
É incontornável que se compreenda, mas também é importante não perder de vista o perdão que só ganha mais força de exemplo justamente por a dor ser tão funda e intensa.

Afinal, tão estranho mistério, foi a Shoah que espoletou a recusa formal do racismo, o mesmo é dizer, o reconhecimento da igual natureza de todos os humanos.


Quanto ao cemitério é um bonito evento para os judeus de Belmonte e de todo o mundo e eu só desejo que seja um sinal de uma convivência que da tolerância seja capaz de urdir a aceitação de diferentes expressões religiosas.



E agora vou aproveitar o gozo de uma noite estrelada.
Olha uma amêndoa alaranjada a subir pelas colinas de prédios em pé.

Este Inverno ainda não lhe tinha saboreado a cor.

Alhos Vedros
01/02/12


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Golding, William- O DEUS DAS MOSCAS
Tradução e Prefácio de Luís de Sousa Rebelo
Veja (1ª. Edição), Lisboa, 1997

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Bom dia de Sábado, Luís.

Sabes que eu temo que estejamos a ver a repetição do que se passou na década de trinta do século passado, quando o mundo assistiu sem reacção à ascenção do nazismo e à ostracização das populações judaicas na Europa sem que ninguém tenha levantado um dedo contra essa loucura anunciada?
Será que teremos que ainda teremos que assistir ao indizível uma vez mais?
Será que o segundo Holocausto que se prepara não trará consigo o incêndio de todo o planeta?
Já leste o que se diz na "Rua da Judiaria"(http://ruadajudiaria.com/) a este respeito? Entra e lê.

Mais uma vez votos de um Sábado de paz, na companhia dos teus amores

Zara

11:39  
Blogger o clube said...

Conheço esse blog há algum tempo, por via de outro até muito interessante, "Pequenos Nadas" -que te aconselho, vivamente- onde existe um link para a "Rua...". Sim, é um blog incontornável, do melhor que há. Nota máxima.
O Senhor escreve com muita elegência e parece-me profundamente documentado e sabedor.
Aquilo que ele escreve sobre o segundo Holocausto perturba, não tenho dúvidas disso. Pessoalmente não sou capaz de me pronunciar a esse respeito, pelo menos para já. Não é de ânimo leve que se escrevem aquelas palavras e muito menos é desse modo que as poderemos avaliar. Mas é verdade que a coberto do politicamente correcto tem passado um certo discurso que subrepticiamente aponta mais uma vez os judeus como os culpados da ira que se abate sobre eles. Isso foi manifesto no Verão passado, na forma como foi avaliada a resposta israelita às provocações do Hezbolah; poucos foram aqueles que apontaram como inadmissível que uma organização política, com apoios externos ao seu próprio país e ao arrepio da legalidade, execute ataques militares ao território de um estado soberano inclusivamente sobre populações civis. Em contrapartida, muitos foram os que apontaram o desequilíbrio da resposta e os efeitos colaterais da mesma com as correspondentes mortes de inocentes.
Vamos estando atentos.

O mesmo voto para ti

Luís

18:59  

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