2007-05-24

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

DAQUI PARA UM MERGULHO

Hoje trago novidades. Não quanto à actividade escolar que nestes últimos dias se pautou pela suavidade da execução de trabalhos de expressão plástica a propósito do dia do pai. Mas há novas a respeito da associação de pais que, na noite de quinta-feira, deu mais um passo decisivo para a sua constituição e, espero, consolidação.


Realizou-se a assembleia eleitoral com a participação de dezasseis encarregados de educação o que é muito pouco para uma escola que tem perto de três centenas de alunos.
Pessoalmente não estranho que seja assim. Sei por experiência própria que estes processos são por natureza difíceis de colocar em prática e geralmente são conduzidos e concretizados por pequenos grupos de pessoas que se disponibilizam para dar algum do seu tempo e esforço para a materialização das tarefas. Posteriormente, se os resultados obtidos forem interessantes, assim mais ou menos gente adere e outra aparece disposta a dar os braços.
Uma vez cumprida a regra geral de se dar meia hora para a existência de quórum, iniciaram-se os trabalhos em que vieram a ser eleitos os corpos gerentes até ao fim do presente ano lectivo.

Agora tudo depende daquele grupo de pessoas, da capacidade que revelarem para organizarem os serviços e de através dos mesmos desenvolverem actividades de manifesto interesse para a vida da escola.
Pelas vontades expressas e o bom senso revelado, tudo indica que teremos obra.


Uma associação de pais parte do pressuposto que estes têm um papel a desempenhar no contexto do quotidiano de uma escola. Desde logo por inerência, dado o dever de acompanharem os filhos. Mas também e sobretudo pelo facto de poderem ter uma palavra a dizer no âmbito geral em que se desenrolam as experiências dos respectivos educandos.
Para que se evitem confusões e sobreposições de propósitos ou até extravasamentos de competências convém delimitar rigorosamente a área de actuação de uma tal entidade.
Começando pelo último aspecto, é do mais elementar bom senso que a ideia de fundo seja a da cooperação com a direcção escolar e o seu corpo docente, ficando claro que em circunstância alguma ou sob qualquer pretexto possam acontecer interferências no trabalho pedagógico e didáctico dos professores. Por outras palavras, salvo em casos do fórum disciplinar e devidamente enquadrados pela lei, não compete a uma associação de pais comentar e muito menos imiscuir-se no decurso das aulas. Quanto muito, os encarregados de educação, individualmente considerados, deverão encontrar aí apoio e ou esclarecimento em qualquer problema que tenham ou questões que coloquem.
No referente às relações com as entidades exteriores ao estabelecimento de ensino, o princípio deve ser o da procura de soluções negociadas com realismo mas também com frontalidade, sem nunca perder de vista o bom relacionamento entre pessoas e instituições.
Desta forma, a esfera de preocupações restringe-se às condições materiais em que decorrem as vivências diárias, quer em geral, quer particularmente quanto ao processo de ensino e aprendizagem dos petizes e, neste sentido, uma associação de pais pode ser um bom parceiro para, usando uma frase poética tão do agrado da portuga mentalidade, uma escola melhor. Na verdade, pode ser mais um interlocutor válido na procura de soluções, bem como pode funcionar como mais um grupo de pressão dentro das regras de comportamento de uma civilização democrática, é bom de ver, sempre que as condições o exijam.
Concretamente, uma associação de pais pode contribuir para a identificação de problemas e colaborar para a reunião dos meios necessários às respostas adequadas; pode ainda servir de canal de eco para a sociedade em geral, quando for esse o caso e, por essa via, oferecer energias a uma força que se pretenda fazer confluir na prossecução de um qualquer desiderato. Materializando, pode auxiliar a melhorar as condições de trabalho dos professores. Além disso, pode oferecer apoio legal aos encarregados de educação.
Isto que já é muito, será tudo quanto basta para que se possa falar em sucesso para um corpo daqueles.
Daqui a um ou dois anos estaremos nós em condições de que aquelas palavras se nos apliquem? O tempo o dirá, mas oxalá que tal aconteça. Estaremos todos de parabéns.
Se, para lá de tudo isso, ainda apresentasse trabalho na área da reflexão e do debate, seria o fogo de artifício do mandato.

Para já há coisas mais comezinhas a fazer e tenho para mim que se as realizarmos até ao final deste ano lectivo poderemos dar o trabalho por satisfatório.
Temos que aprovar e publicar os estatutos e constituir a associação como pessoa colectiva de direito. Simultaneamente há que organizar a logística que significa por a funcionar um despacho de correio e um sistema de arquivo e ainda proceder à idealização e aplicação das quotas e dos procedimentos inerentes à captação de novos sócios. Pessoalmente, acho que necessária a compilação e sistematização da legislação existente sobre estas matérias. E como é óbvio, os melhorismos que se possam alcançar para elevar a qualidade dos alunos em especial, mas também dos professores e pessoal auxiliar, são esses os principais motivos que nos trazem aqui. Nestes domínios, se até ao fim do presente ano, víssemos o telhado e as janelas arranjadas de modo que não chova dentro das salas, o saldo será amplamente positivo.

Em Julho falaremos sobre isto.



Mas as novidades não se ficaram por aqui.
Ao que parece tenho filhas muito prendadas.

“-Pai, onde está a flute?” –Perguntou-me a Margarida, mal cheguei a casa no fim da jornada de ontem.
“-O quê?” –Em acto contínuo que se repetiu com a mudança da voz.
“-A flute.”
“-O que é isso da flute?” –Devolvi-lhe, certamente com uma inocente expressão de ignorância.
“-A flute.” –De imediato, na concomitância do esboçar de um sorriso. “-Não sabes o que é?”
“-Não.”
“-A flauta. Flute quer dizer flauta em inglês.”

De facto, há uns dias atrás ela andou com perguntas a respeito de algumas palavras naquela língua e então reparei que no último fim-de-semana tinha andado a ler a legendagem bilingue de um livrinho de figuras que alguém lhe ofereceu no dia do aniversário.



Eu é que tenho andado numa roda tão delirante que pouco ou nada atento daquilo que me rodeia.


Nem dei conta do ressurgimento dos combates nos Balcãs.
Há uma semanas atrás deram-se escaramuças entre o exército jugoslavo e os guerrilheiros albaneses do UCK, num território fronteiriço com o Kosovo onde habitam gentes com aquela origem étnica. Só que nos últimos dias o conflito estendeu-se a terras da Macedónia e todos os indícios apontam para o estar ali um ponto quente, talvez até demasiado quente.
Suspeito que por lá andam dedinhos de interesses ligados ao tráfico de armas e de drogas e outras mercâncias perversas. Mas também seriam naturais conecções e apoios de tiranias como as que oprimem o Iraque e a Síria, ou o Irão. Afinal, é na desordem que as ditaduras se justificam.
Mas o que me espanta é o erro de palmatória dos ocidentais que não souberam como contribuir para fazer da Bósnia uma democracia com uma população maioritariamente muçulmana. Fosse isso uma realidade e as vozes mais radicais não encontrariam muitos tímpanos que as pudessem registar.

Vivemos tempos difíceis de fortes solavancos nos modos de vida com o estado de desorientação que sempre marca as horas da incerteza.
E não há nada que nos faça suspeitar de um golpe de asa.

Importa fazer alastrar pelo mundo uma cultura da paz.
No que consiste?
É a expressão do quotidiano das populações arredadas de qualquer tipo de preocupações de guerra. Veja-se o salto que isso possibilitou nas condições de vida dos europeus nos últimos cinquenta anos.


E por cá continua a vergonha de ficar a nu o nada termos feito para evitar a catástrofe de Castelo de Paiva, sequer para encontrarmos os restos mortais das vítimas da nossa incompetência colectiva.


Mas ontem, ao fim da noite, tive tempo de atentar num artigo da Professora Filomena Mónica com o qual estou genericamente de acordo (1).
No entanto, ninguém fala da cultura corporativa que se forma a partir das Universidades e Escolas Superiores, em função da qual se organizam os sistemas com interesses parcelares, com o que se impede a certeza da expressão dos melhores profissionais e, consequentemente, da formação da excelência.
O resultado é este portugalzinho medíocre que conhecemos, bem engravato e perfumado, é certo, bem-falante, mas tão cheio de calças que deixam ver as meias.



Eu tenho uma canção de embalar para a Matilde que consiste numa amálgama de versos de uma canção infantil com o tema popular da Machadinha, tudo com o preâmbulo de uma adaptação pessoal do tema instrumental que serve de abertura ao segundo álbum dos Blood Sweat and Tears de grata memória.
Então não é que ao cantar “salta machadinha para o meio da rua”, aquela raposa, levantando a cabecinha, tratou de atalhar:
“- Não se pode, se não vem um carro e atropela-nos.”



E agora me calo.
Dentro de alguns minutos estarei a nadar.

Que belo equipamento que é a piscina de Alhos Vedros.



Mas não quero terminar sem antes citar “os dez mandamentos” de Alfred Hitchcok para uma boa ficção no cinema.
“1. contar uma história de forma puramente visual.
2. tirar partido da lei da simpatia captando a adesão emocional do espectador.
3. distinguir entre surpresa e “suspense”.
4. jogar com a alternância entre o plano objectivo e o plano subjectivo.
5. fazer aceitar a inverosimilhança.
6. saber criar um bom “mau da fita”.
7. recorrer a um “Mac Guffin” como pretexto da ficção.
8. saber que o público gosta de ter medo.
9. reduzir o mundo ao que se passa dentro do écran.
10. dirigir mais o público que os actores.” (2)

Tal como estão, os pontos três, quatro, cinco, seis e sete, aplicam-se igualmente à literatura.
Com as devidas adaptações quanto ao destinatário, no primeiro caso e o lugar da criação, no segundo, o mesmo acontece aos pontos dois e nove, o que se repete para o oitavo “mandamento” no caso de histórias daquele teor.


Eu navego por estas águas.

__________
(1) Mónica, Maria Filomena, p. 6
OS FILHOS DOS POBRES E OS FILHOS DOS RICOS NA ESCOLA DEMOCRÁTICA
(2) Hitchcok, Alfred, p. 46
OS “DEZ MANDAMENTOS” DE HITCHCOK

Alhos Vedros
01/03/17
Luís F. de A. Gomes


CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

Hitchcok, Alfred- OS “DEZ MANDAMENTOS” DE HITCHCOK
In “Público”, nº. 4014, de 01/03/16
Mónica, Maria Filomena- OS FILHOS DOS RICOS E OS FILHOS DOS POBRES NA ESCOLA DEMOCRÁTICA
In “Público”, nº. 4014, de 01/03/16