2007-08-19

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O CHÁ

Entretanto lá ocorreu, no passado vinte e oito, mais um aniversário sobre o levantamento militar que apeou a primeira república e instituiu uma ditadura que se pretendia de regeneração da Pátria.
Dado o caos que se vivia no país, verdadeiramente a saque e tomado de assalto por uma partidocracia podre e cleptómana, as intenções do movimento terão sido, provavelmente, as melhores.
Mas eis mais uma boa prova que das tiranias dificilmente resultam novas situações de justiça e dos ditos intentos ao salazarismo foi o passo lógico de um mundo à deriva que julgou ter encontrado um homem providencial.
Infelizmente, no fim, o povo pobre e ignaro continuou pobre e ignaro e a civilização democrática permaneceu uma miragem que daqui se olhava com desconfiança e aquele laivo de desdém com que os ignorantes contemplam aquilo que dificilmente conseguem compreender.

Do vinte e oito de Maio, veio a consolidar-se a pior desgraça que poderia ter acontecido aos portugueses no século vinte.
E no entanto, terá sido um desfecho perfeitamente natural para uma população mentalmente amputada por séculos e séculos de inquisição.



E já que estou em matéria de assuntos que ficaram para trás, devo registar que a Luísa trouxe para casa, há mais ou menos duas semanas, uma pequena colónia de bichos- da-seda de que ela e a Margarida se encarregaram de tratar.
A Matilde, por sua vez, colabora brincando com as lagartas.

A matéria alimentar é que tem constituído um problema que só tem sido precavido graças à solidariedade da senhora que lhe ofereceu a bicharada.
Justamente por isso, quando o piolhinho mais novo acordar da sesta iremos à procura das amoreiras que ainda restarem nas terras do concelho.

Mas ontem a Luísa descobriu um casulo num dos cantos da caixinha.



E nós tivemos mais um fim-de-semana musical das cantigas de Maio.

Ontem presenciámos a espiritualidade de uma cantora boliviana, Luzmila Carpio, que nos trouxe poesia, músicas, cantares e danças dos Andes, onde o povo ainda vive enquadrado pelos ritmos naturais.
Foi belo de ver e ouvir.

Mas foi sobretudo um prémio suplementar para quem usufruiu da noite mágica de sexta-feira, com um espectáculo de música indiana em que nos foi dado a ouvir um concerto de ghazal “(…) uma forma de música semi-clássica muitas vezes baseada nas ragas, que nos dias de hoje toma a forma de uma balada de amor e que se mantém popular sobretudo entre os Hindus do norte, embora a indústria cinematográfica lhe tenha conferido uma amplitude nacional.” (1)
Acreditem ou não, vemos imagens, elaboramos poemas, até somos capazes de pintar mentalmente um quadro sob o efeito daquelas harmonias melódicas.

E depois a noite acabou com um grupo israelita, com a particularidade simpática de juntar músicos nacionais e palestinianos, apresentando-nos temas que fundem aquelas duas influências.
Tocaram vários temas da tradição sefardita que me encantaram.

A nota curiosa foi ver a plateia ser levada ao rubro com um final em que se ouviu uma canção tradicional judia.


Sempre achei que o mundo ocidental é bem mais judeu do que aquilo que se pensa e ainda mais se admite.



Desta vez a Margarida, em ambas as noites, preferiu ficar em casa dos avós.
A alternativa foi a noite amena para brincar na praça com as suas amigas.

A Matilde que se deixou dormir na sexta, gostou de escutar os sons andinos.



Na sexta-feira, dia da criança, não houve aulas, apenas festa no parque das salinas durante o período da manhã.



O pântano da nossa vida política teve esta semana uma moção de censura do Bloco de Esquerda ao Governo.

Patati patatá
e tudo fica como está.



E a gentinha que dirige o nosso futebol continua a dar provas dos elevados padrões morais e cívicos que os caracterizam.
Fernando Couto foi suspenso pela federação italiana, a UEFA e a FIFA, por ter testes de doping positivos, assim como as respectivas contra-análises. Por muita simpatia que tenhamos pelo atleta e ainda que pensemos que o mesmo foi alvo de jogadas obscuras e, por isso, acreditamos na sua inocência, o certo é que a decisão daqueles organismos é para acatar e respeitar.
Obviamente ao invés do que seria de esperar, foi ele convocado para um jogo com a Irlanda, alegadamente sob a esperança do castigo ser revogado. Enfim…
É claro que as entidades reguladoras do futebol não voltaram atrás e o treinador português, de acordo com o melhor fair-play, falou de imediato em perseguição mafiosa à selecção nacional. Depois do jogo, ainda teve a educação de não apertar a não ao congénere adversário e de fazer uma conferência sem tradução do português.

Nós portugueses somos assim, há coisas em que gostamos de ser sempre os primeiros.



A tarde tem consigo o silêncio dos pássaros.



O mesmo não se pode dizer de Israel, onde um ataque suicida do Hamas a uma discoteca matou dezassete jovens e deixou mais de uma centena de feridos, alguns dos quais em estado grave.

Yasser Arafat já decretou um cessar-fogo unilateral e incondicional que, provavelmente, não será seguido pelas facções mais radicais. Seja como for, talvez isso tenha evitado uma retaliação mais musculada do exército israelita.

Mas o que fica a nu é o interesse que certas facções têm na continuidade da guerra. De facto, a paz, a harmonia e a prosperidade retirar-lhes-iam o poder que têm para continuarem a medrar à custa da pobreza do povo.

Não há, nunca houve, oligarquias, terrorismos e fascismos que vingassem em face de populações livres de corpo e de espírito.



E agora a noite,
com as estrelas alapadas
no brilho que a Lua tem.

Alhos Vedros
01/06/03