2006-10-03

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

DIGA NÃO AO RELATIVISMO

A Margarida lá teve o seu segundo dia de aulas.


É o começo de uma doce rotina que, de certo, trará o sossego e o controlo das coisas previsíveis.
Então? Os lábios florescem sob o efeito das cores ao longo dos dias.


“-A senhora professora disse aos meninos para fazerem xixi antes de entrarem.”
E pela narrativa que é capaz de elaborar, mostra que está com a devida atenção ao decurso dos trabalhos.


Tanto de manhã como após o almoço acompanhei-a até ao lugar. Ainda leva as mãos frias. Enquanto aguardou a entrada, no período vespertino, conversámos sobre os pequenos ecos da manhã e eu brinquei com ela para que se distraísse e alegrasse com a satisfação da brincadeira.

Mas não me parece que seja possível afirmar que tenha desgostado da escola.




Ah e depois é brincar
brincar até que o cansaço se despenhe na magia do João Pestana.

É verdade, não tenho dúvidas quanto aquilo que estou a afirmar e podem crer que tenho consciência do que a frase significa e das ilações que permite.

Acontece é que eu tenho para mim que a brincadeira é das coisas mais importantes nas vidas infantis. É pela brincadeira que nós modelamos o barro dos tijolos mais profundos do nosso ser.



Esta noite choveu.
Ao sair para a rua, da humidade que nos abalava chegava-nos o perfume da terra massajada pelas nuvens.



Pela lei do imprevisto, curiosamente travei hoje uma conversa com um desconhecido que, a propósito da medalha de bronze alcançada por um judoca português, acabou sobre uma pequena troca de impressões sobre o relativismo cultural. Diálogo de surdos, melhor seria dizer, já que se tratou de um encontro de pontos de vista imprevisíveis.

Foi uma converseta de dez minutos, à volta de uma bica entre dois destinos, a meio da tarde.
Passo a registar aquilo que mais ou menos foi a minha tese.

O relativismo cultural conduz a um beco. E o engraçado é que o faz tanto no plano da realidade como no da teoria. Ao conferirmos igual importância a todos os valores e fórmulas de comportamento correspondentes, chegaremos a um ponto em que teremos o confronto entre dois deles que, entre si, sejam irredutíveis e contraditórios.
Li, alhures, a explicação da improbabilidade de tal evento baseada na ideia de que o limite se encontra na dignidade humana; por outras palavras, têm igual importância aqueles que não atentem contra esta última.
Isto não passa de um truque intelectual, por sinal dos fraquinhos.
É que em acto contínuo se interroga se o conceito de dignidade humana é universal ou se, pelo contrário, também ele é relativo isto é, passível de ser formulado a partir de pressupostos vários, concordantes com as especificidades geo-culturais de cada população. Neste caso, dificilmente conseguiremos que um critério, ele mesmo relativo, possa ser usado como a baliza absoluta que, necessariamente, para ser usado como nivelador, se aplique de igual modo a todas as sociedades humanas. Em síntese humorosa, perguntarei como é que uma coisa relativa pode ser usada como se fosse absoluta? No caso inicial, surge a pirueta de aceitar o relativismo quando admitimos a universalidade de um elemento cultural.

Creio que o senhor saiu todo convencido das suas razões.



“-Oh pai, pode estar a chover lá em baixo, junto da casa da avó e, ao mesmo tempo, aqui não chover?”
“-Essa é boa Margarida, heim… Bem, geralmente quando chove lá em baixo também chove aqui mas pode haver uma ocasião em que chova lá em baixo e aqui não.”
“-Mas oh pai, eu perguntei se podia estar a chover lá em baixo e ao mesmo tempo aqui não. E isso pode acontecer?”
“-Pode.”
“-Pois, deve ter sido isso que aconteceu quando eu estava em casa da avó. É que lá em baixo fartou-se de chover e a D. Maria Rosa disse que aqui choveu pouco o que deve ser verdade, pois lá em baixo a rua estava toda encharcada e o largo cheio de poças de água e aqui não, a estrada estava pouco molhada.”
“-Bem observado.”
“-E não é só isso. É que lá em baixo formou-se o arco-íris e aqui não.”
Eu sorri, creio que respondi, “-Muito bem, Margarida.”, ainda que tenha consciência do erro quanto à localização daquele fenómeno que se gera pelo encontro da água e da luz. Mas depois avancei com uma pergunta:
“-E vê lá se consegues perceber porque razão pode chover lá em baixo e, ao mesmo tempo, aqui não.”
“-Porque lá em baixo podem estar nuvens negras e aqui não estarem nuvens nenhumas.”



E agora umas breves do mundo.

Em Timor a guerrilha infiltra-se e certamente não será para oferecer um banquete à população local.

Fujimori, no Peru, o tirano que convoca eleições em que a oposição tem que perder, foi apanhado em flagrante num caso de corrupção. Anunciou que se irá demitir. Cá para mim, está a preparar mais um golpe de teatro.


Erik Mussambani fez a sua prova a solo, com a piscina por sua conta.
É de gente assim que se alimenta a mitologia olímpica.



E o dia de hoje já teve um carácter mais didáctico.

De manhã, os alunos fizeram desenhos e a Professora leu a história do patinho feio a respeito da qual lhes fez algumas perguntas, pelas quais interpretaram e descreveram os acontecimentos.
À tarde realizaram exercícios para verem quem escreve com a mão direita ou quem usa a esquerda Aos rapazes, foi-lhes perguntado com que mãos atiram pedras.



E em Sidney já há um português medalhado.
Ainda bem que se trata de um luso-cabo-verdiano.



Céus, como a escola assusta os miúdos.

Alhos Vedros
00/09/19
Luís F. de A. Gomes