2007-05-13

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Escrever este diário é uma tarefa difícil e árdua, na medida em que o tempo disponível é reduzido, o que me leva a laborar apressadamente com o risco de me não afundar nos pensamentos e ainda de não ter azo a expressar o encantamento da sucessão dos dias.
Também é verdade que a minha vida activa é agora mais absorvente, ao ponto de muitas serem as horas em que o cérebro com nada mais se ocupa para lá dos problemas com a empresa. Mas sempre sobram instantes de intimidade em que nos deixamos tocar pelos relances do deambular e até mesmo no desenrolar da maior responsabilidade há espaço para encontrar nuances prazenteiras, sem dúvida, bons canteiros para o pólen e a luz que a literatura, para ser querida, em minha modesta opinião, é claro, sempre deve ter.
Não tenho pois alternativa e uma vez decidido a realizar este trabalho, sabia por experiência feita do quanto obriga e tinha plena consciência dos condicionalismos horários, pelo que os riscos referidos não poderiam ser considerados proibitivos daquilo que me propunha.

E de uma certa maneira havia o compromisso de uma espécie de dívida para com a Margarida.
Pois por mais penoso que fosse, eram estas palavras que urgiam e às quais não me queria furtar.

Seja como for, por vezes surgem quebras agradáveis e que até têm o condão de nos renovar as energias.
Ora foi o que aconteceu, novamente, com o estender das férias de Carnaval a este exercício de escrita.

Mas aqui estou eu, de regresso à conversa.



A Margarida é uma pessoa engraçada. Apesar da idade, mistura muito bem o gosto pela vadiagem com o prazer de estar em casa e, sem descurar a responsabilidade de executar os deveres, posso dizer que na verdadeira acepção da expressão, ela saboreou estes dias de férias.
Por aí andou, sorridente e cantarolante, aproveitando para sair da rotina do quotidiano estudantil e usufruir deste reatar temporário da ausência de outras obrigações que não as da boa educação e do respeito pelo alheio.
Na noite de segunda para terça pediu à minha mãe que lhe desse hospedagem, no que foi acompanhada pela irmã, com isso proporcionando um serão cinéfilo aos pais. E depois fez questão de visitar aquele que foi o seu jardim infantil e é, actualmente, o da Matilde, onde passou a manhã e almoçou. Pensou em voltar no dia seguinte, mas acabou por preferir o sossego do lar.
À noite pedia para ver telenovelas da TVI que ela aprecia, vamos lá saber porquê?

Na próxima segunda-feira, voltará ao papel de aluna que ela procura desempenhar de modo impecável.


E eu com os lábios escancarados
brilhando no olhar
o calor que me afaga a alma.



As fotografias do desfile de Carnaval das escolas ficaram boas, passe embora o auto-elogio.
Lá está a Matilde de mão dada com o André, ambos muito compenetrados do seu lugar de cabeça da sala. O príncipe e a fada, por coincidência, de azul.

Mas há mais fotos; cenas cómicas da vida doméstica.


Deus abençoe este lar de gente feliz.



A chuva voltou e com força. Na manhã de sexta-feira, a intensidade das bátegas foi tal que, por instantes, nem víamos a rua através dos vidros do escritório. E mais uma vez, no Ribatejo, o espelho das águas turvas e turbulentas cobriu estradas e campos, fazendo ilhas de aldeias. É o rigor de um Inverno de se lhe tirar o chapéu. Já na terça-feira o corso carnavalesco se viu obrigado a uma volta curta a fim de evitar uma possível debandada, sob o efeito de uma festa pluviosa.



Eu não concordo com o voto aos dezasseis anos, contemplado na moção que António Guterres se propõe apresentar no próximo congresso do Partido Socialista. A idade actual é mais que suficiente. Se temos a responsabilidade de um voto consciente, devemos ter a de trabalhar para o auto-sustento que, desta forma, passa a ser aceitável antes daquela condição legal. Começamos a falar de limiares de quinze, catorze anos de idade. Não estaremos a criar pontes que possam vir a justificar, por exemplo, o trabalho infantil? Num país como o nosso, onde se teima em querer manter a competitividade externa da nossa economia nos baixos custos da mão-de-obra e onde a cultura do escrúpulo parece ser entendida como uma tolice, não será aquela proposta mais uma daquelas bondades que provocam as maiores desgraças?

O que eu acho é que já não se olha a nada nem a ninguém para se chegar ou manter no poder. É o denguismo vitorioso, não importa o gato desde que seja capaz de caçar os ratos.



Mamma mia
God bless the childs
let’s got them home

Quem é que se lembra dos Blood Sweat and Tears?



Também a Matilde é uma pessoa engraçada. Sempre bem disposta e pronta a fazer brincadeiras, é uma boquinha de riso e uma alma cheia de humor. É uma alegria vê-la aos saltos ou em poses que enfatizam desenlaces de pequenas situações. E no entanto aplica-se em fazer bem aquilo que lhe é pedido, seja no jardim-de-infância ou na ginástica, seja em casa, em redor de algum auxílio que lhe solicitemos e que ela, espontaneamente, se disponibiliza a prestar. Nas fichas que realiza na sua escolinha, nota-se uma evolução acentuada e agora já não se distingue dos resultados obtidos pelos colegas que lhe levam um ano de experiência de avanço.


E à semelhança da Margarida sabemos que está em boas mãos. A Paula é uma excelente Educadora –o que já sabíamos através da mais velha- e a instituição vale sobretudo pelo pessoal que ali trabalha e que é dedicado e competente.

Ah! E escusado seria dizer que todas elas ficaram satisfeitas por rever a Margarida e contentes por ela ter querido ali voltar a passar a manhã.



O Partido Comunista fez oitenta anos. Sobreviveu ao estalinismo, à PIDE, à queda do muro de Berlim e agora prepara-se para sobreviver à morte de Álvaro Cunhal –que, de modo algum, mesmo não gostando do homem, estou aqui a desejar para breve.

E o caricato da situação portuguesa é que é ali que permanece uma reserva daqueles que podem vir a interpretar e patrocinar o discurso dos pobres e dos direitos humanos no futuro bárbaro que se está desenhando sob a nossa indiferença.



E por falar em comunistas lembremo-nos da Jugoslávia, onde os novos poderes pretendem julgar Milosevic.
Esperemos que tal corresponda à afirmação de um regime democrático. Teste imediato será o problema de uma maus que provável secessão do Montenegro. Outro teste fundamental serão as próximas legislativas e presidenciais.
A ver vamos.



Há um surto aftosa no Reino Unido.
A agro-pecuária europeia entrou em pânico.



Só num país como o nosso é que é possível a um indivíduo como Fernando Gomes voltar à política. Mas há interesses que precisam das mãos dele no leme, durante os próximos anos.


Por sua vez, João Soares dá mostras de grande profissionalismo politico, ou não fosse ele filho de quem é.
Cá para mim, o finca-pé em torno do projecto do elevador do Castelo de São Jorge teve apenas o propósito de lhe vir a escancarar as portas para um reconhecimento das razões que ao povo assistem.



Há conversas de pardais e andorinhas, num entrementes de silêncio das nuvens.

Alhos Vedros
01/03/04
Luís F. de A. Gomes