2006-10-30

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

LOUVADO SEJA DEUS!
Hoje a tragédia bateu-nos à porta mas, pela graça de Deus, não chegou a entrar.
O pequeno André foi atropelado sem que nada de grave tenha advindo.
Eu que a tudo assisti e que desde a formação da contingência antevi o pior, agradeço ao Criador o ter-me iluminado para ter a presença de espírito necessária para acudir ao atropelado e serenar o condutor, sem deixar de conduzir os acontecimentos para que à criança fosse de imediato providenciada a imperiosa inspecção hospitalar e simultaneamente prevenir para que os devidos contactos ficassem assegurados.
À noite, pelo veredicto médico, ficámos a saber que, na ausência de sequelas físicas, tudo não passou de um grande susto.
Nós, míseros mortais, ajoelhamo-nos perante o milagre.
Alhos Vedros
00/10/06
Luís F. de A. Gomes

2006-10-29

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

NO DIA DA REPÚBLICA


A Matilde revela uma sociabilidade de se lhe tirar o chapéu.

Esta manhã, estando na partilha do ócio de um jornal e esplanada que o tempo atmosférico permanece a jeito, a Isabel e o Zé, um casal amigo, por ora, sem filhos, convidou a Margarida para almoçar, proposta que ela, depois de ter aceite, acabou por recusar, cabeça encostada ao regaço materno onde procurava encobrir a vergonha que o risinho lhe traía.
“-Então vem tu, Matilde.”

E a pequenita lá foi.


Por causa da sesta que agora decorre, recuperámo-la por volta das três.


Isto é a autonomia desta minha querida filha a ganhar vulto.
É uma das condições que uma boa educação deve procurar atingir, originar, desde a mais tenra idade, seres autónomos, pois só estes podem ter o amor e o respeito próprios capazes de cimentarem a responsabilidade do gosto pela vida no reconhecimento da individualidade alheia.
É o que as crianças experimentam quando convivem sem ospais por perto. São forçadas à auto-disciplina para se comportarem de modo adequado o que, nos mais desempoeirados, surge espontaneamente à partida, degrau que, pela repetição, acaba por acontecer com a maioria.
Aos pais compete compreender isto e deixar que as oportunidades não se gorem.
Em doses razoáveis –o que exclui toda e qualquer manifestação de alívios vários- é um contributo para que os petizes treinem e aprendam a movimentar-se na teia de relações sociais em que a sua vida decorrerá.
E para tanto, nada melhor que as solidariedades entre familiares e amigos.


É pois isso que pretendemos conseguir para as nossas filhas.
Faz parte da procura de sermos bons pais.



Devido a acidente, há duas baixas no contingente português em Timor Lorosae.



Já está em curso o ataque do lobbie do Porto –classe política da área metropolitana à mistura com personalidades intérpretes de outros interesses privados, o mesmo que a todo o custo quase quis impor a regionalização- à pessoa do Primeiro-Ministro e figura máxima do Partido Socialista, o Engenheiro António Guterres.
Os ganhos imediatos são as boas respostas às suas exigências, com o que conseguem mais poder, dinheiro e negócios. A prazo, é a cabeça do chefe que eles pretendem ver na bandeja ou, em contrapartida, nada menos que a sua espinha e aceitação dos cordelinhos com que haveria de dizer o sim e o não.
O cerco é manifesto na comunicação social –em que, pela primeira vez, se diz que os socialistas têm uma central de informação- quer pela reabilitação da figura de Fernando Gomes, quer pela promoção de pessoas hipoteticamente rivais do líder actual que, denotando os toques, já ameaçou o partido com a realização de um congresso e o tira teima dos votos, depois de se ter recusado a tratar certos assuntos com o seu grupo parlamentar por, alegadamente, poder dar armas aos inimigos políticos da sua família partidária.


Quanto a mim, arrepio-me com aquilo que me é dado ver. A situação é sinistra, é o que me ocorre dizer.


E é nestas ocasiões que as pessoas se revelam.

Jorge Coelho escreveu uma carta particular a Fernando Gomes em que se lamenta por aquilo que lhe aconteceu e, entra encómios ao homem para quem é natural que o público atire moedas e garrafas para um recinto desportivo como forma de protesto, demarcou-se da responsabilidade de uma exoneração que apenas põe a nu o carácter do exonerado. Simultaneamente apressou-se a dizer que a esse respeito não teceria qualquer comentário –não vá o imperador resistir à lâmina de Brutus que por aí anda a espreitar.


A isto se chama, entra a nossa inteligentzia política, a sabedoria política.
Afinal, o homem tem uma carreira a defender, “-Oh Jorge, vê lá bem que ainda és muito novo, carago.”



Há um ambiente revolucionário em Belgrado.
Milhares de pessoas nas ruas e, numa investida sobre o parlamento, populares assaltaram e ocuparam aquela instância de poder.
Arrancam-se fotografias de Milosevic e há boatos que dão os polícias a deporem as armas e a juntarem-se aos revoltosos e outros que anunciaram a chegada de Kostunica.


Pela entrevista que deste li no jornal, continuo a pagar para ver.

Oxalá não tenhamos uma reprise de Bucareste.



E em Lisboa, milhares de motards desfilaram em protesto contra a falta de segurança dos rails nas auto-estradas.
Já alguém sugeriu que se colocassem pneus ao longo das vias.
Acho muito bem. E fardos de palha também podem servir, não esquecendo uns cartazes com mulheres de mamas ao léu. Ou não queremos melhorar a paisagem?



E agora a Matilde dorme e a Margarida brinca, na sala, na companhia da mãe.
É o repouso de uma família em paz.



Faz hoje trinta e seis anos que os Beatles lançaram o seu primeiro disco. “Love me Do”, by Lennon and Mcartney, uma dupla que inventou canções que fizeram do rock um factor de aproximação dos quatro cantos do mundo.

De fora ficou a China dos guardas vermelhos e todas as chinas dos guardas vermelhos que à época se iludiam de superioridades fantasiosas e é claro a restante larga maioria da humanidade não electrificada.

Seja como for, escutar as suas músicas é, ainda nos dias que correm e estou em querer que sempre assim será, uma sensação de contacto com algo nunca antes tentado.

Foi a cinco de Outubro de mil novecentos sessenta e dois, em Londres.

Love, love me do
you know, I love you



Mas não é essa a efeméride que o feriado de hoje assinala.
Nós comemoramos a implantação da república, o regime que as classes urbanas das maiores cidades impuseram à maioria da população de um país rural e pobre, gente amorfa de miséria e isolamento, cujas vidas decorreram com normalidade nesse dia em que a monarquia caiu de osteoporose galopante.

Foi há noventa anos que José Relvas foi aclamado ao proclamar a República na Câmara de Lisboa.
Ao que parece -ressalvando aqui que o bairrismo pode ser o pai da afirmação- “(…) na Vila da Moita, no dia 14 de Outubro de 1910 Bandeira Republicana foi hasteada pela 1ª. vez em Portugal, nos Paços do Concelho, pelas 4.30 no meio do maior regozijo do povo.”(1)
O autor da proeza foi o filho da terra, o Senhor João António da Costa.



E a talho de foice, registe-se que o tirano caiu, o parlamento foi incendiado e, da sua varanda, Kostunica, aclamado Presidente da Jugoslávia, falou ao povo.
No imediato começaram os saques a lojas dos filhos de Milosevic e há notícias de polícias mortos –um, pelo menos, espancado pela multidão.
Entretanto, o novo poder recebe apoios e ao anterior não aparece quem lhe queira dar a mão.




A Margarida e a mãe é que não se incomodaram com estas coisas e, ao fim da tarde, foram andar de bicicleta para o novo parque da Vila.
Acordada a Matilde e tomado o lanchinho, a família reuniu-se para gozar a frescura da sonolência alaranjada do Sol.



E a Matilde quis convidar o André para jantar connosco.

Não houve balbúrdia e todos comeram bem.
Quando o devolvi à mãe, houve satisfação com as boas notícias.



Acabei de ler um bom trabalho sobre os contextos da génese e reprodução da cultura judaica.



E agora que as mais novas dormem, deixo-me ficar na companhia da evolução dos acontecimentos em Belgrado.



Mas não quero terminar sem referir o anúncio das novas medidas fiscais.
O Ministro das Finanças fala de uma reforma do sistema mas eu acho que isso é exagero, ainda que possa concordar com aquilo que é proposto.
A descida faseada que se anuncia para o IRS e o IRC é sensata; não vejo que a alternativa fosse uma queda mais brusca, isto é, mais rápida e mais acentuada.
No caso da minha empresa, pelas contas que fiz, por cada cinco mil contos de movimento pouparei umas centenas, o que nos dará uma boa prenda para podermos investir.
E ainda que possa pensar que a tributação calculada em face dos sinais exteriores de riqueza seja um tanto bizarra –lembremo-nos que estamos num país em que há apenas vinte e sete anos existia uma vasta e enraizada rede de bufos- não posso deixar de admitir que isso dará um sinal de que a fraude pode estar a sofrer um cerco cada vez mais apertado.

Vejamos se haverá coragem política para punir e fiscais à altura para identificar os infractores.

Seja como for, a janela ficará aberta.

__________
(1) Vítor Manuel, p. 4
4 DE OUTUBRO DE 1910 – DATA HISTÓRICA


Alhos Vedros
00/10/05
Luís F. de A. Gomes

CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Vítor Manuel- 4 DE OUTUBRO DE 1910 – DATA HISTÓRICA
In “Notícias da Moita”, nº. 343, de 00/10/01

2006-10-27

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Acabou o embargo que os empresários e os trabalhadores espanhóis da camionagem levaram a efeito naquele país. O motivo foi o aumento do preço dos combustíveis.
Quanto a mim é socialmente mais justo passar a factura da carestia do barril de petróleo para quem dele mais uso faz. Passando a bola para subvenções pagas, por obra do orçamento de estado, com o dinheiro dos impostos, divide-se por todos o custo de um bolo que só alguns comem e, ainda assim, havendo quem tire umas fatias maiores que outras. Fazendo recair o acréscimo sobre os consumidores, o contributo pode passar a ser mais ou menos proporcional ao gasto e, em conformidade, fica de fora quem não usa, igualmente podendo ser menos onerado o que delapida em menor escala. Há, pois, mais justa equidade social na divisão da carga monetária para a reprodução energética do mundo em que vivemos.
Além disso permite que o mercado funcione com menos constrangimentos o que se por um lado é susceptível de espoletar um movimento de reajustamento dos preços no sentido da baixa, por outro lado, nesse entrementes, é capaz de conduzir ao incremento da aplicação de energias alternativas. Se a pertinência do primeiro aspecto é evidente, quanto ao segundo, devemo-nos dar conta que os combustíveis fósseis são finitos; felizmente, já hoje são conhecidas e manuseadas algumas fontes de energias renováveis.

No nosso país o governo persiste em manter o preço da gasolina e afins.
Faço votos para que não venhamos a desembolsar mais por isso.



Ontem esqueci-me de registar que durante o turno matinal os alunos também fizeram grafismos.



Na Jugoslávia há muita gente na rua forçando a queda de Milosevic.
No Ocidente chovem os incentivos.
No fim veremos quem ri.



Segundo a Margarida, a classe recebeu a visita de dois agentes da autoridade –polícias?- que entregaram à Professora uma cassete com a gravação do hino nacional.

Fiquei surpreendido e ainda agora sinto que me escapou qualquer coisa.
Seja como for, a ideia parece-me um tanto… Pacóvia? Adolescente? No mínimo estranha.
Os símbolos nacionais deveriam estar muito simplesmente integrados na escola e isso não por folclore nacionalista, mas sim pelo conhecimento do meio em que vivemos. Afinal, ele é um vector fundamental entre os moldes da personalidade de cada um.

Mas não podemos esquecer que a juventude precisa de conhecer tal canto para apoiar a selecção nacional.


Quando me contou a novidade, a boquinha desdentada trauteou um pouco a música que, de imediato, eu reconheci. Acompanhei-a e cantei uma ou duas estrofes. Perguntei-lhe se ela sabia o que era e disse-me que não. Só depois de lhe dizer ela retorquiu que era precisamente o que o senhor e a senhora tinham dito.

Pois é, a Margarida não é dada ao futebol.



Para rimar.

No Hospital Egas Moniz, a fiscalização detectou o desaparecimento injustificado de mais de uma dezena de milhares de contos.
Pela boca do responsável máximo, a actual direcção não sabe de nada.



Portugal lindo país
terra de grande desconcerto
perdeu, um dia, a raiz
começando a morrer de aperto.



Ai como é bom ter uma e depois a outra filha a correr para os meus braços abertos.



Esta manhã houve uma ficha sobre o mais e o menos, maior e menor, isto para além da insólita visita.
Depois do almoço os alunos fizeram uma medalha que usarão na sexta-feira.



No próximo dia, pelas palavras da Margarida, “(…) parece que vai haver uma excursão ao parque das salinas.”

Alhos Vedros
00/10/04
Luís F. de A. Gomes

2006-10-26

2006-10-25

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Livros escolares da Margarida, I

“Sabe Quem Somos 1”, estudo do meio, da autoria de António Monteiro, publicado pela Livraria Amado, de Coimbra.



O trabalho da tarde aconteceu, precisamente, em torno deste volume, com a execução de exercícios sobre a identidade sexual e a idade de cada aluno.
A esse propósito, em casa, a mãe registou a nossa morada no espaço conveniente da página do livro.
De manhã trabalharam com sequência de figuras.



Hoje estamos recolhidos em oração.
Depois de através da televisão vermos uma criança abatida a tiro, só nos resta pedir perdão a Deus pelo crime de não querermos procurar a luz para abraçarmos a eternidade.

Alhos Vedros
00/10/03
Luís F. de A. Gomes

2006-10-24

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

FILHAS FORA DA TOCA

Bem, estive para não escrever, isto é, guardar para amanhã o que poderia fazer hoje, cansado que me senti após o jantar e a entrega ao sono das gatinhas. Mas depois de ter solto uma cassete que se enleara nos mecanismos do vídeo, sentei-me para assistir ao episódio dos “Ficheiros Secretos”.

Não sei como nem porquê, mas no fim as baterias estavam recarregadas.



A Matilde teve o seu primeiro dia no jardim infantil.

Ao contrário da Margarida que durante o primeiro ano fez as sestas em casa, ela dormiu na escolinha e tudo correu bem. Até almoçou e lanchou por mão própria e quando a fui buscar, por volta das dezassete e trinta, toda sorridente e, naturalmente, satisfeita por me reencontrar, pediu para ficar ali, brincando, mais um pouquinho.


Só posso agradecer a Deus a alegria deste meu anjo.



Claro que o facto de, por via da irmã, ela já conhecer as empregadas e o espaço –por exemplo, a Luísa teve o cuidado de, neste último Verão, no dia em que a Margarida se despediu, almoçar ali com elas- e de ser amiga de alguns dos miúdos que frequentam aquela instituição, é claro que isso em muito terá confluído para esta sua boa entrada.


Mas a sua maneira de ser bem disposta e despreocupada e despreocupada a isso não terá sido estranha.

Se assim continuar, dali virá mais uma fonte de tranquilidade.


As auxiliares foram unânimes em dizer que parecia tratar-se de uma das veteranas da casa.


Deus acompanhe esta minha querida filha.



Adiámos este dia durante um mês. Se tudo tivesse decorrido normalmente, ela teria entrado a um de Setembro.
Mas a direcção achou por bem fazer obras para melhorar as instalações existentes e aumentar-lhes uma nova sala, cuja futura utilização desconheço.
O problema é que o anexo ainda apresenta as paredes em tosco e sinais de um final feliz, nem vê-los.
Displicência quanto baste do lado de quem contrata e negligência a jeito da parte do contratado e o resultado é que as crianças estão, por ora, sujeitas a um conforto de arranjo. Esperemos que não dure até ao final do presente ano lectivo.


De qualquer modo, os pais devem pressionar para que a honra do convento seja salva.



E ao fim da tarde fomos para a ginástica que também começou para a Matilde.

Para mim foram duas horas de leitura sobre a aplicação das ciências históricas à génese da cultura judaica.(1)


No que pessoalmente me diz respeito foi o que se salvou de um dia em atraso permanente.



Eu fui aluno do Professor José Júlio Gonçalves, o Reitor da Universidade Moderna que se viu envolvido numa acusação de crimes de elevada gravidade.

Aqui temos um caso de polícia e, nesse âmbito, tão só é de lamentar que o mesmo sirva para factor de pressão e maniatamento político de certas personalidades, mormente o inenarrável Paulo Portas.



Mas o que o mesmo deixa a nu é a triste realidade de se terem autorizado universidades para que se encontrassem alternativas às empresas públicas –entrementes desnacionalizadas- para a colocação das clientelas.

A verdade pura e simples é que estão à vista os dividendos com o significativo aumento das taxas de desemprego ou não colocação dos licenciados no nosso país.



Esta manhã, depois da correcção do TPC que a Margarida fez bem, houve leitura e interpretação da história da carochinha.
À tarde fizeram uma ficha do livro de matemática em que pintaram os coelhos que estavam fora das tocas e os pássaros que seguiam à frente da águia, assim como as bolas que separavam os leões.
Pela auto-avaliação, a minha querida filha fez tudo a preceito.



A noite está amena, própria para os sonhos das crianças.
Há sons de aves nocturnas sob o compasso da algazarra do sapal.

__________
(1) Cazelles, Henri
HISTÓRIA POLÍTICA DE ISRAEL

Alhos Vedros
00/10/02
Luís F. de A. Gomes


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Cazelles, Henri- HISTÓRIA POLÍTICA DE ISRAEL
Tradução de Cácio Gomes
Paulus (2ª. Edição), SãoPaulo, 1986

2006-10-22

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

UM FIM-DE-SEMANA CULTURAL
Com toda aquela conversa, esqueci-me de referir o porquê de escrever sobre o que penso ser o homo maniatábilis.

O mote surgiu com uma notícia sobre o escândalo político e social que provocou a transmissão, nos telejornais dos principais canais públicos de televisão, em Itália, de imagens explícitas e chocantes sobre o desmantelamento de uma rede de pedofilia naquele país.
“Os responsáveis dos dois canais, Gad Lerner, director do telejornal da RAI Uno, e Ninno Rizzo nervo, director do Telejornal da RAI Tre, apresentaram nessa mesma noite um pedido de desculpas aos telespectadores, demitindo-se de seguida.”(1)


Parecido com o que se passa entre nós, não é verdade?

Pois foi esta pergunta que me levou a pensar no homo maniatábilis e assim surgiram as palavras que ontem escrevi.



Num destes dias o Tó passou pelo escritório para me oferecer a prova do seu primeiro trabalho literário. Era tal a azáfama que nem deu espaço para a menor indicação e o encontro foi de tal forma rápido que eu acabei por me esquecer de o referir neste diário.

“Há Sargos Para O Jantar” é o título do que se pode classificar como uma novela e que bem se agrupa neste género de histórias modernas. Já o tinha lido e, claro está, voltei a lê-lo.

Da primeira vez foi uma surpresa agradável.
A narrativa é interessante e, no fim, permite que nos interroguemos em várias direcções. Pode até ser tomada como uma parábola sobre a humanidade.
E tecnicamente está muito bem construída. Faz um bom uso de muitas maneiras de contar e as metáforas com que, aqui e ali, vai construindo o discurso, são pequenas flores que levam os campos a luzir de cores.
Para que nada falte, escava a alma humana naquilo que temos para nos salvarmos.


Diz que é a primeira vez que tenta algo no campo das letras.
Pois se assim é, e não tenho motivos para duvidar, só posso dizer que ali há dedo de escritor.


Este meu primo é uma pessoa curiosa.
Filho de um chefe de estação da CP, no Pinhal Novo, foi um daqueles jovens que, nos fins da década de cinquenta, cresceram paredes meias com o associativismo não engajado às autoridades oficiais e onde contactaram com um mundo de actividades adequadas a quem, no caso, completara o liceu.
Talvez por isso, em jovem, tenha sido dado à expressão artística e tenha feito teatro, semi-profissional, chegando a participar em uma ou outra representação televisiva.
Depois da guerra, em Angola, onde foi oficial ranger, abraçou uma carreira de executivo numa grande multi-nacional de produtos de higiene e beleza.
Aos cinquenta anos de idade quase faleceu com um ataque cardíaco que o levou à reforma.
Descobriu então a pintura e dedicou-se-lhe com tal afinco que hoje já possui uma obra volumosa.

E agora sentiu o apelo para dizer por escrito. Que o diga, pois di-lo muito bem.



Após o almoço que foi em casa dos meus pais –convidaram-nos para comermos tordos e fraca no forno- a Margarida resolveu os trabalhos de casa.


É que a manhã, depois das brincadeiras na cama dos pais, foi de ciclismo a que se seguiram fantasias no quintal da avó.
Ora assim é que deve ser.


Eu li o jornal, sentado num dos bancos frescos da praça e logo com a desgarrada de dois pintassilgos.



A Matilde dorme a sesta e a mãe e a Margarida saíram para assistirem a um recital na matriz da terra.

É o que se pode chamar um fim-de-semana cultural.



Ao fim da tarde tivemos a visita do Tomás que aqui ficou a brincar até à hora em que a São o veio buscar para o jantar.



Só tenho pena de não ter presenciado ao vivo o fogo de artifício do encerramento dos Jogos Olímpicos de Sidney.



E depois do silêncio, Putin veio publicamente incitar Milosevic a ceder a cadeira do poder e fala no reconhecimento da vitória de Kostunica.



Amanhã a Matilde entra no jardim-de-infância.

__________
(1) Quental, Ana Clara, p.52
PEDOFILIA EM HORÁRIO NOBRE

Alhos Vedros
00/10/01
Luís F. de A. Gomes
CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

Quental, Ana Clara- PEDOFILIA EM HORÁRIO NOBRE
In “Público”, nº. 3849 de 00/09/30

Tapadinhas, António Manuel- HÁ SARGOS PARA O JANTAR
Manuscrito Dactilografado
Impressão do Autor, Moita, 2000

2006-10-20

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O HOMO MANIATÁBILIS
O que é o homo maniatábilis?
É uma figura humana sui géneris que abunda entre nós, portugueses.
Pela constância ao longo da história recente e a vulgaridade com que pulula nas esferas mais importantes e decisivas da vida social do país, trata-se de uma figura sociológica empiricamente verificável e caracterizável. Nada sei sobre se acontece ou não em outros países, provavelmente sim, mas em Portugal é uma realidade desde o Estado Novo.
O núcleo central do que singulariza figuras tais está no que é o denominador comum a todos os membros desta espécie cultural, ou seja, a coexistência das condições de carreirista e dependente. Significa isto que a manutenção de um dado status só é resolúvel no enquadramento de uma carreira qualquer, cujo acesso depende de teias de apadrinhamento e fidelidades feitas de cobranças de favores. Estranho seriam os bons frutos de uma combinação assim e, na realidade, o resultado são as aparências de gente do sim senhor. Penas de pavão não faltam não, no entanto, se lhes tirarmos os embustes raramente são competentes e conhecedores. Em termos de figuras sociais dir-se-ão invertebrados que, por intenção ou inércia, aparecem mal surja um lugar ocupável.

É verdade, é que não se é homo maniatábilis por acidente, é preciso querer ser e, para tanto, é imperioso saber encontrar as melhores posições dos trampolins e, com efeito, só excepcionalmente deixam de estar bem colocados, preferencialmente sob o efeito gravitacional dos postos de decisão, os pontos-chave nos mais variados níveis.
E aqui entra um toque de garbo pessoal e, para aqueles que se prezam, raramente se sabe como chegaram lá; entre eles, os melhores surgem como que do nada e, em acto contínuo, transmitem a impressão de sempre ali terem permanecido. Os mais refinados conseguem até volar entre um poder e outro como se nada se tivesse passado e do patrão à altura desde sempre se perfilassem como o mais fiel dos acólitos.
Sem embargo, praticamente todos possuem grandes biografias e curriculum que são o melhor testemunho das suas excelências de há muito destinadas aos mais altos voos.

Implícito no que acabamos de dizer é que, tal como a sociedade, também o homo maniatábilis está dividido em classes.
Desde o mais simples contínuo que presta informações aos chefes até estes, eis uma fauna que em comum se encontra, num dado momento, na mira do benefício de outrem.

Haja ocasião e logo se revelará o pulha que é.

Hoje em dia, o homo maniatábilis está por toda a parte; como um cancro, corrói o tecido social e cultural do país.
Agora estamos a vê-los instalarem-se no poder de estado.
Não virá isso a ser mortal?

Querem um bom exemplo da existência do homo maniatábilis?

Dois jogadores de basquetebol do Futebol Clube do Porto foram agredidos e violentamente obrigados a rescindirem os contratos e aquilo que é um caso grave e passível de investigação jornalística passou despercebido na nossa comunicação social.

Quem é que tem medo de quem?



O fim-de-semana começou ontem, pelo adormecer dos pássaros, com o reencontro familiar no largo fronteiro à “Velhinha”, onde eu me encontrava com as gatinhas que, entre gritos de olha a mãe, mal a avistaram dobrando a esquina, desataram a correr para os braços da gata que logo ali se deixou opar de contentamento.

E a bem da despensa de um resto de folga sem interrupções, rumámos ao super-mercado que no desfecho da Vila e encostado à via-férrea, talvez por isso ainda mantém a plumagem de um canavial que, numa das larguras e no comprimento sequente, lhe delimita o perímetro.
Do parque de estacionamento, circunspectando horizontes, realizamos o quanto é triste e feio o urbanismo em que vivemos mas ali, pelo menos, vemos o verde bamboleante sob o cinzento do céu em formação de chuva.



Esta manhã, depois de apetrecharmos a Margarida com um par de sapatos para a temporada que se avizinha, fomos ao Centro Cultural de Belém para vermos a exposição do World Press Photo.


Ao contrário do que aconteceu nas duas edições anteriores, este ano já não tivemos que andar atrás das andarilhices da Matilde e vimos as fotografias com calma e tempo para lermos as legendas.

Talvez tenha sido por isso que eu gostei mais das fotografias deste ano.
Fiquei com a impressão de não se repetirem tanto no flash do horror das guerras.


Depois almoçamos em Lisboa, com vista sobre a foz e à tarde, enquanto eu fiquei de companhia à sesta da Matilde, a Margarida foi cortar o cabelo.


E ficou tão bonita.



E a Matilde que já tem opiniões firmes.

Nas trivialidades do lanche a mãe perguntou-lhe:
“-Então Matilde, gostaste da exposição desta manhã?”
“-Foi cansativo.” –Deu de troco sem demora.

Pois não é que ela, à saída de casa, pedira à mãe para levar o carrinho de bebé?
“-Não Matilde, com esse tamanho já não vou levar-te de carrinho para a exposição.”
“-Mas assim eu ando mais descansada.”



Depois da brincadeira a deita e o pai regressará à leitura.

Alhos Vedros
00/09/30
Luís F. de A. Gomes

2006-10-19

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Ui que dia de doidos em que chegou a parecer que tudo poderia acontecer, sem que eu tenha deixado de andar em bolandas e a trabalhar na urgência e na cadência dos minutos contados.

Pudera. Estoirar o sistema informático de uma empresa de seguros como a minha que, repentinamente, ficou sem meios de gestão e de trabalho na sua rotina diária e logo a partir das nove da manhã…


Mas agora que os anjos sonham e a quietude da noite sublinha a radiofonia, sinto-me satisfeito, diria mesmo feliz.
Se bem que nem todas as novas do dia tenham sido as melhores ou, se quisermos, as mais edificantes, num corpo fatigado viaja um espírito voador.



Contudo findei o dia com um abanão.

A Luísa disse-me que a Margarida lhe confessou ter passado novamente pelo castigo, embora nada me tenha referido, como justificou perante a mãe, para que eu não me zangasse com ela. E como se isto fosse, por si, pouco, ainda manifestou receio de gorar as minhas expectativas quanto a ela vir a ser uma boa aluna.

Ora aqui está um belo soco no nariz.


Devo admitir que a possa ter pressionado demasiado e desnecessariamente. Na realidade, eu aproveitei o desabafo de querer vir a ser boa aluna para lhe justificar o porquê de um bom comportamento.
Duplo erro, verdade seja dita. Antes de mais por criar uma relação directa de causa e efeito entre o comportamento e a aprendizagem –que não é empiricamente sustentável- o que, por um lado, pode criar aversão pelo conhecimento e, por outro lado, deixa de fundamentar a boa atitude nas regras da sociabilidade e boa educação. Sobretudo, no que aqui está em questão, dado assim criar uma pressão que, à partida, não estava lá e dessa forma deveria continuar, pois, a persistir, só poderá ter efeitos contraproducentes.

Não é que os objectivos a alcançar, um comportamento consentâneo e a aquisição e uso dos conhecimentos, sejam, em si, desideratos desprezíveis ou, por absurdo, reprováveis. Claro que não. Acontece é que posso prossegui-los sem ter que estar constantemente a falar deles. A alternativa é a subtileza.

Resulta que irei alterar a minha abordagem e deixarei de lhe exigir a quietude; talvez seja preferível desmistificar a gravidade de uma conversa apesar de, sempre que pelas circunstâncias se imponha, não abdicar de apresentar uma explicação razoável para a obrigação que a Professora tem de mandar calar os meninos.

A ver vamos, como soe dizer-se, mas uma coisa é certa, estamos num domínio em que não existem receitas universais e em que pela experiência controlada e só desse modo se vão limando os erros.

Sem me querer estar a desculpar –é facilmente perceptível não ser esse o caso- possibilidades de pensar com os maus reflexos que isso tem na acção.


Com a graça de Deus, tenho esperança de me vir a deleitar no arco-íris.



Criar filhos é esta vertigem permanente. Jamais poderemos ter a certeza absoluta de estarmos a agir bem ou mal, se aquilo que fazemos acarretará bons ou maus exemplos.
E a partir de certa idade, os mecanismos de enculturação e socialização encarregam-se de, em parte considerável, furtar os filhos à influência dos pais. Apenas compreendendo esta condição poderemos estar atentos às diversas fontes de irradiação e, então, compreender que nos compete gerir a diferencialidade das potências de uma tal constelação, criando barreira para os raios mais nefastos, abrindo janelas para os outros, nunca esquecendo que a base está no carinho e no jamais obstruir as pontes de confiança e da comunicação franca e aberta.


A brincadeira da Margarida de fumar um cigarro que já lhe trouxe a punição na sala de aula, tem a idade dos novos relacionamentos que estabeleceu na classe que frequenta.



E no reino do “homo maniatábilis” os sinais são perturbantes.

Um destes dias li no “Público” que José Eduardo, afastado de comentador desportivo do primeiro canal da RTP, acusou Pinto da Costa de ter pedido, publicamente, num programa da TVI, essa mesma demissão.

Esta noite, no pavilhão da Luz, numa assembleia-geral do Benfica em que se votou um relatório de contas apresentado pela direcção, depois de uma aprovação por mais de dois mil e quinhentos votantes num colégio de mais ou menos sete mil, os eleitores derrotados, em jeito de arruaça, manifestaram-se contra o score, chegando ao cúmulo de quererem derrubar a mesa da presidência da sessão.

Há um lobbie mafioso que está envolvendo o poder e a vida da sociedade portuguesa e, se não for travado, abafará a convivência democrática entre nós.



Salva-nos Bach e as estrelas

e os voos dos instantes que nos confundem com a eternidade..



Ontem à noite ainda me sobrou ânimo para acabar o segundo volume da obra de Sousa Teixeira.

É uma leitura estimulante.
Deixa a nu a ignomínia do salazarismo e a bomba relógio que deixou no âmago de um povo atirado para a solidão da ignorância.



Na Jugoslávia de vitória por parte de uma oposição que preconiza a desobediência, ao mesmo tempo que as autoridades noticiam a segunda volta das presidenciais.

Brevemente soarão os tiros na capital.



Seja como for, por aquilo que a Margarida contou, basicamente pode considerar-se positivo este último dia da semana escolar.
Durante a manhã a Professora leu histórias que os alunos tinham que identificar, coisa que a minha querida filha fez bem ao acertar no conto “Os Três Porquinhos”.
Depois indicou os meninos com o trabalho de casa bem feito, entre os quais lá esteve o piolhinho.
À tarde houve teatro. Os meninos que tinham respondido acertadamente a perguntas sobre a leitura, interpretaram o enredo.
A Margarida fez de porquinho sabichão, “-O que tinha a mania que era muito esperto mas que afinal não sabia nada.”, aquele que fez a casa de palha.



E a ganilha não se livrou do TPC para o fim-de-semana, desta vez, um exercício do livro “As Letrinhas”.



O eleitorado dinamarquês voltou a expressar os limites do seu abraço europeu e voltou a rejeitar a adesão à moeda única.
Continuo a achar que não vem mal ao mundo.
A integração política que a unidade monetária implicará ainda não tem eco no sentimento dos cidadãos europeus e das diversas opiniões públicas.

Não se deu tempo suficiente para que o aprofundamento das relações e laços económicos gerassem uma maior aproximação entre os membros da União.

O euro ainda não era nem é uma inevitabilidade.


Tenho para mim que os grandes líderes não são aqueles que se antecipam à história mas im os que para ela encontraram respostas, com isso a construindo.



O mundo treme em Israel.

Alhos Vedros
00/09/29
Luís F. de A. Gomes

2006-10-17

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

A CHUVA E O CANSAÇO

Há dois dias que a ameaça se instalou num vento com taco de mar e hoje houve pranto no céu.
A luz regressou ao fim da tarde, num pestanejo de quem volta tão só para desejar as boas noites.



Mas eu tive um dia extraordinariamente cansativo.
A Dona Rosário necessitou de faltar ao trabalho e a sobrecarga que lhe pertence veio direitinha anichar-se em peso nas minhas pernas.

Em contrapartida, sinto uma alma de pássaro.



O tema do fórum TSF, desta manhã, foi o facto de Portugal apresentar um índice de construção que é o dobro da média europeia com os preços que todos conhecemos.

Curiosamente, antes registei a notícia que nos dá em último lugar nos parâmetros da nova economia; no contexto europeu, somos os que investimos menos em ciência e na investigação.


E pensar que houve tempos em que Neptuno e Marte nos obedeceram.



De tarde, a lição versou sobre a identificação do interior e exterior que a Margarida soube traduzir pelos sinónimos dentro e fora.
Durante a manhã houve trabalho com o livro “As Letrinhas”. Indicaram a um gato qual o caminho a seguir para alcançar um rato e depois pintaram uma figura que se repetia em dois quadrados paralelos.



Mas a Margarida continua a saga da interiorização do saber estar na sala de aula.
Voltou a estar de castigo, desta vez por fingir que estava a fumar um lápis.


Apesar disso fez o trabalho de casa com aplicação.



Começou o braço de ferro na Jugoslávia.
Kostunica diz-se vencedor e o novel Presidente da República, enquanto Milosevic apela às hostes para que se preparem para marcar a segunda volta.



Eu é que estou tão cansado que hoje fico por aqui.

Alhos Vedros
00/09/28
Luís F. de A. Gomes

2006-10-16

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Em certos aspectos, a Margarida é uma criança difícil.

“-Oh pai e tu não te esqueces de me ir buscar? Não te atrases.”

E todos os dias, creiam-me, com o desdentado a ver-se e o olhinho a luzir, repete esta lenga-lenga comigo e a empregada.



Esta tarde, tive uma agradável recepção quando cheguei a casa.

Fui à varanda para ver os rodopios de um bando de andorinhas que, no minuto seguinte, depois de bailarem para o meu olhar, se dissiparam pelo regresso ao repouso da passagem da noite.


São magias que nos embriagam com a alegria de viver.



Em Belgrado, a oposição festeja na rua e Kostunica é aclamado como o novo Presidente da Jugoslávia.

Curiosamente, a diplomacia russa tem sido parca em comentários.
Será que Putin ganhou um aliado?

Poderá ser este o início de um futuro bloco geo-político de caris anti-liberal?



Por estar de conversa com uma colega, a Sara, a Margarida ficou uma vez mais de castigo. Voltada para a parede e de braços no ar, como a todos acontece quando apanhados em tais irregularidades.


Quando ela nos contou o sucedido, nem eu nem a Luísa tecemos qualquer comentário.
Mas a sós, a mãe mostrou reservas quanto à técnica disciplinar.
A mim parece-me cedo para dizer o que quer que seja. Em princípio não devemos questionar o trabalho da Professora. De qualquer maneira, temos que entender que ela vê-se obrigada a impor –não tenhamos medo das palavras- hábitos de trabalho e regras de comportamento conformes a um ambiente de aprendizagem.
Eu também posso achar estranho que se exponham crianças daquela forma. Mas não me parece que isso crie situações de repulsa face à pessoa e à instituição e diz-me a experiência que a pouca confiança inicial acaba em paz com o desenrolar das estações.

Adiante se verá.


Contudo, agora compreendo melhor a agitação dos últimos dois dias.


O piolhinho voltou a confessar que se atemoriza com as pancadas na secretária que a Mestra usa para chamar os miúdos ao silêncio.

“-E está sempre a tocar o sino para nos mandar calar.”


Estamos a abrir as velas nesta fase de adaptação.



Temos que comprar o Windows 98 para o escritório para que o acesso à rede possa ser compatível.

Bolas, eu não percebo nada de informática.



E enquanto a Margarida foi para a ginástica, a Matilde brindou no primeiro aniversário da Luana.



E na escola houve uma ficha sobre o fechado e o aberto em que se identificaram e pintaram objectos em tais condições.

À tarde trabalharam com o livro de leitura, onde garatujaram as uniões entre borboletas e outros pontos. Este exercício terá ficado por acabar, pois a Professora esteve a passar trabalhos para casa que, provavelmente, distribuirá amanhã ou sexta-feira.



As gatinhas dormem e eu, cansado como estou, irei esticar-me no sofá.
Ainda não li o jornal.


Alhos Vedros
00/09/27
Luís F. de A. Gomes

2006-10-12

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

BENVINDO SEJAS HEITOR

A Margarida acabou de resolver o seu segundo trabalho de casa que, mais uma vez, consistiu na continuação de certos grafismos, desta feita, manifestamente na forma de letras, a saber, “m”, “e”, “u”, e “c”; e repetiu o nome.

Na primeira parcela há melhorias, mormente no símbolo “e” que no primeiro exercício careceu da tinta vermelha da mestra; mas também quanto à precisão com que todas elas foram executadas.
No entanto, a assinatura inaugural está melhor que a seguinte, ao que não deve ser estranho o facto de a Matilde ter andado a cirandar por perto, demasiadamente perto.



“James Neal, um investigador norte-americano que é considerado como um dos pais da genética, é acusado de ter infectado deliberadamente índios Ianomani, na Venezuela, na década de 60,para estudar os efeitos da selecção natural em sociedades primitivas. Esta denúncia que deixou em choque a Associação Antroplógica Americana (AAA), é feita no livro “Darkness in Eldorado”, da autoria de um jornalista, Patrick Terney, que será publicado no Reino Unido a 1 de Outubro.”(1)

A ser verdade, trata-se de mais uma prova indecente da não inocência de muitos cientistas, embora outras hajam e bem mais subtis.

É que pura e simplesmente é crime atentar contra a vida humana.



E não é que nós estamos em clima de racionamento de água?
Bem, no Verão que findou não houve uma única semana sem qualquer corte no abastecimento e muitas foram aquelas em que os dias se sucederam com breves períodos de acesso livre ao precioso líquido.
O banho com água de garrafões de reserva deixou de ser exótico.


E o que me enfurece é o facto de as pessoas ecoarem as patéticas explicações políticas que baralham as causas que nos entram pelos olhos a dentro.

Excesso de urbanismo sem cuidar atempadamente das infra-estruturas necessárias.

É tão simples quando não queremos ser cegos.



“-Bem, eu às vezes converso um pouco com as outras meninas.”
“-Mas assim não ouves o que a professora está a dizer.”
“-Eu falo mas estou com atenção ao que a professora diz.”
“-Como é que é isso?”
“-Então, eu sei sempre o que ela está a dizer.”
“-Bem!”
“-Mas quando começarmos a aprender as letras nunca vou falar, nada, nem vou abrir o bico.”



E na Europa rica continua a algazarra contra o preço dos combustíveis.

Ontem, na Alemanha, patrões e trabalhadores da camionagem interpretaram uma demonstração nunca vista, cheia de recados e exigências.


Por cá perfila-se o regresso de Fernando Gomes à Câmara do Porto.



Mas no ar pairam castelos que se avolumam para nos encobrirem o céu e nos deixarem nas trevas.

O Iraque fala em abandonar o dólar como moeda nas trocas internacionais; aponta-se para o euro e o ien.
E todos sabem que o petróleo iraquiano, posto a circular nos mercados, facilmente provocará uma quebra nos preços do crude.

Esperemos pois um cenário de diplomacia manietável.


O pior é se o mundo árabe encontrar o seu novo Saladino a quem o universo muçulmano, em geral, prestará a vassalagem da simpatia ou, pelo menos, da contemporização.


Deus tenha misericórdia das nossas pobres almas.
Daqui resultará a terceira guerra mundial.



Por enquanto temos as nossas pequenas alegrias de simples mortais.

O Paulo de Carvalho telefonou-me para dar a notícia do nascimento do seu primeiro filho.
Há júbilo nos corações.
O menino chama-se Heitor e é saudável, nasceu com três quilos e oitocentas gramas e alimenta-se bem com o leite materno.


Fiquei feliz com a chamada, quer por ter o prazer de voltar a ouvi-lo, sobretudo pelo motivo.

Conheci o Paulo quando estive colocado em Portel, no âmbito da docência no ensino secundário e creio que falei da pessoa em “O Diário da Matilde”.

Embora tenha recebido uma carta dele em noventa e nove, há mais de dois anos que não nos vemos.


Recordo-me das horas de conversa que mantivemos sobre literatura e a reflexão sobre a vida humana que aquela nos sugere.

Foi das raras pessoas com quem argumentei sem ter que ouvir caixinhas de música desafinadas e amarrar o riso face às enxorradas de genialidade de casquinha.
Acresce a vantagem de possuir uma cultura muito superior à média do actual panorama do licenciado lusitano.


Vai publicar dois livros de que, desde já, fico à espera.



Esta manhã, a Margarida realizou duas fichas que a Professora distribuiu.
A primeira a respeito da casa de uns senhores e a segunda sobre o mais e o menos, na qual os alunos pintaram a vermelho os objectos em maior número e com azul os de sinal contrário.

À tarde, a Professora prescreveu os trabalhos para casa.


And the boys strikes again.

Para Maria de Belém e António Costa, a recompensa de altos cargos no grupo parlamentar do PS.

Vivemos no reino do “homo maniatábilis”.



E na Jugoslávia ambas as partes já declararam vitória na corrida presidencial.
Agora o poder fala em segunda volta.

Veremos o que nos contam as próximas imagens.


__________
(1) Barata, Clara, p. incerta
TÍTULO NÃO REGISTADO

Alhos Vedros
00/09/26
Luís F. de A. Gomes


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Barata, Clara- T´TITULO NÃO REGISTADO, In “Público”, de 00/09/26

2006-10-10

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Hoje, a actualidade é naturalmente marcada pelas presidenciais na federação jugoslava.


Segundo as forças de oposição, os números apontam para uma derrota de Milosevic e a diplomacia ocidental declara não aceitar uma declaração de vitória para este candidato e actual detentor do poder.

O promitente vencedor é um tal Kostunica, um nacionalista moderado que já disse não tencionar entregar Milosevic à justiça do Tribunal Internacional de Haia, onde é acusado de crimes de guerra e contra a humanidade.

Talvez assim seja possível uma saída pacífica da trupe que manda, por enquanto.
Contudo, o objectivo político do reforço do estado federal proclamado pelo líder opositor, dificilmente será compatível com as vozes independentistas que se têm vindo a impor no Montenegro.


Será esse o caminho para que a civilização democrática vingue naquelas paragens?



Esta tarde a Margarida acompanhou-me numa deslocação à Fidelidade, no Barreiro e depois ficou comigo no escritório.


O dia escolar correu-lhe bem e parece estar a consolidar-se o hábito de a deixar à porta da escola.

Depois do último beijinho, lá vai o meu anjo, carinha no meio daqueles outros amanhãs de almas afagadas pela frescura da manhã.



Acabei de ler o primeiro volume de uma obra de Armando Sousa Teixeira sobre o Barreiro resultante da industrialização.
Tratam-se de pequenas histórias reais apresentadas ao jeito de croniquetas ficcionadas. Com elas se narram episódios relacionados com a expansão do modo comunista de ver o mundo entre os estratos das populações operárias da Vila.

Literalmente é um trabalho incipiente e sob um olhar sociológico, diria que poderia ser considerado o testemunho escrito de um narrador qualificado, se bem que fosse pertinente a ressalva quanto à sua parcialidade política, visível na fluência ética do discurso.

Seja como for e atendendo a que se apresenta sem pretensões estilísticas, sequer científicas, direi que estamos diante de um trabalho necessário.
Descreve a crueldade de um mundo que de modo algum podemos aceitar que se repita.


E ali se entende como os ideais comunistas singraram no coração de tantos homens e mulheres a que mais nada restou para além das malhas do desespero.(1)



E eu
aqui

vendo o horizonte corar

com os desenhos das andorinhas buscando os ninhos.




Do sumário da manhã constou um exercício de identificação da morada dos alunos e a elaboração do desenho da família.

“-A casa ficou grande demais e como já não consegui apagar, ficou assim um bocadinho mal feita.”
Da habilidade constaram ainda as figuras do pai, da mãe e da mana.

“-Quando a professora perguntou eu disse que morava com o pai e a mana, estava desconcentrada, mas à segunda vez já disse bem, que moro com o pai, a mãe e a mana.”
E identificou o nome da rua onde mora, apesar de apenas ter referido dois dos apelidos do nome, que engloba um posto militar e o primeiro nome próprio. Atrapalhou-se com o facto de a educadora confundir o nome acabou por deixar passar o erro da emenda com a designação acertada.


A Margarida confessou-me que se sente envergonhada por ter que falar à frente dos outros meninos.


À tarde iniciaram uma ficha que terminarão amanhã.
Trabalharam com o livro do Estudo do Meio nas páginas onze e doze.
Estiveram a identificar os caminhos a seguir de um ponto ao outro.



Afinal os combates não foram além de uma pequena escaramuça entre alguns soldados portugueses e uma mão cheia de elementos de uma milícia, no interior de Timor.

Mas pelas imagens e a forma como a reportagem da RTP abordou o caso, quase parecíamos estar em face de um qualquer challenge com que as empresas brindam o empenho e aguçam as atitudes dos seus funcionários.


Será que isto ainda irá dar que falar?



Esta tarde a Margarida e a Matilde reataram as aulas de ginástica de formação que iniciaram o ano passado.

Adiante falarei desta problemática das actividades, mas não esta noite.



Há Jim riders Morrison on the storm na rádio.

Apesar disso, está na hora dos ficheiros secretos.

The true is out there.

__________
(1) Teixeira, Armando Sousa
BARREIRO, UMA HISTÓRIA DE TRABALHO RESISTÊNCIA E LUTA

Alhos Vedros
00/09/25
Luís F. De A.Gomes


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Teixeira, Armando Sousa- BARREIRO, UMA HISTÓRIA DE TRABALHO RESISTÊNCIA E LUTA; Prefácio de Manuel Feio; Edições Avante, Lisboa, 1997

2006-10-08

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Fim-de-semana de repouso caseiro. Livros, jornais e séries televisivas e também as passeatas, o divertimento e as alegrias com as gatinhas. No sábado lanchámos na esplanada e jantámos na casa dos meus pais.

À tarde, por ocasião das comemorações dos quinhentos anos das misericórdias, vimos um cortejo histórico em Alhos Vedros e à noitinha refastelei-me para ver o atletismo olímpico.


Na maratona feminina, Manuela Machado não resistiu às investidas para os lugares de destaque.
A campeã, a japonesa Takao, fez uma prova com elegância e terminou com uma pujança admirável, não mais de duzentos metros à frente da atleta romena que a acompanhou na parte final da prova. A terceira classificada, uma queniana, não se apercebeu do corte da meta e foi um dos juízes que lhe chamou a atenção para o facto, algumas dezenas de metros depois da medalha de bronze estar assegurada.


E eu terminei a leitura do testemunho de filhos dos responsáveis por uma Alemanha que interpretou uma tragédia que os humanos ainda não compreenderam. Sucedeu-lhe um mundo em função da sua derrota e, na actualidade, o futuro ainda se construirá sob a influência dos horrores de então.

Seja como for, dando de barato a nostalgia de uns tantos entrevistados, é uma obra interessante, quer do ponto de vista histórico-sociológico, quer do ponto de vista humano.



À terceira tentativa a Margarida aprendeu a andar de bicicleta.

Nas últimas férias, enquanto esteve no Porto, em casa dos avós maternos, experimentou e pela primeira vez conseguiu conduzir no espaço de alguns metros um velocípede sem as rodas de apoio. A proeza teve o apadrinhamento da minha cunhada, a tia Fátima, simultaneamente, sua madrinha de baptismo. Há duas semanas, retirámos as rodinhas da sua bicicleta e de imediato ela tentou equilibrar-se mas não prescindiu do auxílio da mãe.

Ontem, depois do cortejo, lá se atirou por sua conta e risco e em trajectos cada vez mais longos, convenceu-se da habilidade para pedalar as duas rodas.
Esta manhã, ao longo dos matutinos e do dar à língua dos pais, era já um dado adquirido a sua nova condição de ciclista.



Hoje, a república federal da Jugoslávia vai a votos para a presidência.
As chancelarias ocidentais, em vez de exigirem a sério a liberdade do escrutínio, já ameaçaram que as sanções prolongar-se-ão face a uma vitória de Milosevic. Com isso, talvez tenham conseguido a expulsão dos jornalistas estrangeiros que melhor poderiam denunciar eventuais fraudes, com tudo o que implicaria para a verdade do acto.
Por sua vez, os militares decretaram o estado de alerta e anunciaram que se oporiam a qualquer solução que possa pôr em causa os interesses do país

A ver vamos se Milosevic não dará origem a mais um banho de sangue.
Pouco falta para que apenas lhe reste a vitória ou a morte, assim como a todoos acólitos que têm confluído no suporte ao seu poder.



E a Matilde tomou-lhe o gosto.

Ao fim da manhã convidou-se para ir almoçar em casa do Tomás e lá foi. Regressou para a sesta.


Ontem à noite, no decurso da brincadeira com os outros miúdos, veio ter comigo, boca a mostrar algo, com aqueles olhinhos de lanterna que lhe são habituais.
“-Oh pai, isto é um rebuçado.” –Acrescentando a faísca de um sorriso. “-Foi aquele menino que me deu. Mas não faz mal, são proteínas.”

E voltou correndo, para a fantasia dos joguinhos de apanhar.



E eu vou ler enquanto espero uma informação sobre combates em Timor.

Eurico Guterres que já devia ter sido apanhado e julgado pelos seus crimes, tem estado em grande efervescência nas últimas horas.

No interior de Lorosae, os soldados da força internacional de paz já estão a combater.

Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos.



A estas horas a noite ainda tem tantas vozes.

Alhos Vedros
00/09/24
Luís F. de A. Gomes

2006-10-06

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Uf! Chegou a sexta-feira.
Há muito que não me recordo de desejar tanto um fim-de-semana.



Terminei uma semana longa e difícil. É claro que também estou a passar por um período de adaptação a uma situação nova e tenho consciência que devo procurar manter a calma necessária a um discernimento que me permita avaliar convenientemente as situações e encontrar-lhes as respostas adequadas. No resto é assim com tudo o que diz respeito ao processo de paternidade. No entanto, o cansaço, por vezes, oblitera a capacidade para sermos razoáveis. Sempre que tal sucede, a inércia dos dias assemelha-se ao caracolear sobre um carril ferrugento.

Pela conjugação do trabalho e dos afazeres familiares, acabei por encarnar a baratinha tonta, mal conseguindo o mais leve instante para respirar os efeitos da luz na expressão das manhãs.

Peço a Deus que me ilumine e confira a sabedoria e a energia necessárias para que a existência seja aprazível.



A ver vamos se me engano.

Guterres assinou a sua sentença de morte política ao demitir Fernando Gomes da forma como o fez.
É certo que tratou de o recompensar com um cargo de mealheiro e o ministro, se não erro, das finanças, encontrou-se com empresários do Porto para lhes apresentar concessões.
Mas um certo lobbie do norte queria mais poder e não a queda do seu homem de mão.
Belmiro de Azevedo já criticou o novo executivo e, ao que parece, amanhã, travar-se-à de razões com o ministro Jorge Coelho nas páginas do “Notícias”. Pinto da Costa saiu em defesa do demitido e foi contundente na condenação do acto.

Das duas uma, ou António Guterres cede a exigências que avolumem os interesses próprios e políticos daquela gente, ou pura e simplesmente espoletou a contagem decrescente do seu governo e carreira política.


Falta saber em quem recairá a nova aposta.

Tenho sérias dúvidas que Paulo Portas reúna o perfil adequado ainda que tenha rabos-de-palha. Durão Barroso foi o delfim de Cavaco Silva. Talvez o Professor Marcelo, se voltasse…

E que dizer de Santana Lopes que há muito defende eleições directas para o cargo de presidente do partido?

De uma coisa tenho a certeza. Se os portugueses, salvo seja a expressão, não abrirem os olhos, ainda um dia acordam num totalitarismo de facto sob o balandrau de uma sociedade de direito virtual e reflectida pelo eco dos media.


Não sentem o peso da claustrofobia que paira no ar?



Tenho pena de não ter a disponibilidade de outrora para atentar nos jogos olímpicos.



A Margarida teve o seguinte desabafo:
“-Ainda bem que para a semana já vamos começar a aprender.”


Creio que ela passou a sua primeira semana de aulas com nota positiva.

Como seria de esperar anda nervosa e, sob o efeito do novo ritmo, também ela se sente cansada o que, num número superior ao habitual, abre alas a fricções com a irmã, com o consequente, desnecessário e, sobretudo, envenenador engrossar da agitação.
E nós não temos conseguido deitá-las antes das dez, dez e trinta da noite o que as traz de sonolência.

Ainda assim parece-me que se adaptou ao espaço e aos colegas e mantém a simpatia pela professora, mesmo considerando que haja um certo susto com a imposição de uma disciplina diferente da que vivera no jardim infantil.
É claro que nós incentivamo-la e procuramos incutir-lhe a confiança que sentimos na sua madrinha da alfabetização e literacia.
E tanto quanto posso julgar, até ao momento não há o mínimo sinal de alarme.
Gosta de ser pontual e mostra estar atenta, manifestando o desejo de ir para a escola com o argumento de que quer ser boa aluna.

Ontem, após o almoço, apenas a acompanhei até à porta da sala, tal como nesta manhã.
Esta tarde já a deixei à entrada do bloco.

“-Adeus pai.” –Acenando, de costas, após o que se virou e atirou um beijinho com a mão.



Que foi que eu fiz para que Deus me presenteasse com dois tesouros tão ternurentos?



A moção de censura é história.
Crise? Só se for das oposições.



Dia das cidades sem automóvel.

Em Paris cortaram-se umas quantas ruas e o acto simbólico foi consumado sem transtornos desnecessários para os utentes da urbe.

Em Lisboa foi a coroa principal da cidade.
E pelas imagens e testemunhos, muito foi o povo que ficou em casa.

Naturalmente os alunos comemoraram o dia e muitos foram os que aproveitaram para passearem a pé pelas avenidas esquecidas da poluição sonora.


Provavelmente há exagero na passagem à prática de uma ideia e dificilmente seríamos capazes de ir além do folclore.

Mas é preciso começar a encarar estes problemas.
E a Luísa tem razão; actualmente já é mais fácil andar na cidade de transportes públicos e, seguramente, de modo mais rápido do que em automóvel particular.



De manhã a Margarida realizou duas fichas para pintar figuras. Na primeira coloriu morangos e flores e na segunda passarinhos.
Durante o turno da tarde a Professora passou os trabalho para casa.


O primeiro TPC da minha querida filha consistiu em dois exercícios de escrita.
Copiar o nome e, até ao fim da linha, três grafismos.

Resolveu, e bem, o problema durante a tarde.



E para terminar, um excerto de um discurso de Karl Doenitz:
“A nossa vida pertence ao estado. A nossa honra no cumprimento do nosso dever e na nossa prontidão para agir. Ninguém tem o direito a uma vida privada. Para nós, o problema é ganharmos a guerra. Temos de atingir esse objectivo com uma devoção fanática e a mais implacável determinação de vencer.”(1)

À guerra total sempre o homem fez corresponder a demência total.

__________
(1) Posner, Gerald L., p. 203
ob. cit.


Alhos Vedros
00/09/22
Luís F. de A. Gomes


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Posner, Gerald L.- vide citação do dia 17/09

2006-10-05

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

ASSIM SE PERDE UM FILHO

Por vezes acontecem-nos coisas incríveis e, inesperadamente, vemo-nos envolvidos em situações que de modo algum poderíamos desejar.
Foi o que me sucedeu hoje, no preâmbulo da noite, quando concluí que desconhecia o local onde deveria encontrar a Matilde sem que, no momento, dispusesse dos meios para solucionar o problema.

O caso é engraçado e embora deva confessar uma certa vergonha perante o mesmo, não deixa de ser verdade que pode ser visto com a serenidade de quem encara algo natural e não será insensato admitir que em instante algum terá um leve sorriso abandonado os lábios.
Vamos lá.


A Matilde foi convidada pelo André para uma visita de brincadeira. Estão a ver como é que é, a criançada cabriolando na ágora e, chegada a hora de recolher, vai de dizer vem daí e a minha filha mais nova, com aquela cara escancarada que lhe é habitual e os olhinhos brilhantes, pediu-me que a deixasse acompanhar o amigo que, obviamente, entrou no coro. Em face da insistência da outra mãe para que desse o consentimento, apesar das interrogações inevitáveis à primeira vez, concordei e preparei-me para regressar a casa apenas com a Margarida. Em função da hora do jantar apurada, combinei que a iria buscar por volta das oito e tratei de tomar nota da morada e das indicações para lá chegar, o que fiz mentalmente pois tinha as mãos ocupadas. E fixei o endereço, Rua João Rainho, número tal, andar tal.
Logicamente cumpri a palavra e, pela indicação à direita da piscina municipal, no terreno, chegado ao cruzamento de referência, esquinei por aquela direcção e uns cinquenta metros adiante, lá estacionei o carro onde me parecia ser o prédio.
Mas não era e ainda que o nome da rua fosse aquele que a minha memória registara, os números daquela sequência em nada condiziam com os algarismos que decorara.
Tal e qual, “-Ora esta, e agora qual é a porta?”
É bom que se saiba dos poucos meses daquela urbanização pululante num dos arrabaldes da Vila, outrora com a aparência da pulverização do montado e dos pinhais pelas quintas.
Como vivemos num país muito organizado e moderno, aquela residência está à espera de telefone e eu não tinha moedas para recorrer a uma cabine pública que já lá está para que pudesse contactar alguém conhecido e capaz de me prestar os esclarecimentos de que necessitava.
Apitei duas vezes, o mais discretamente possível, claro está, na esperança que a anfitriã aparecesse em alguma janela. Como nada aconteceu, decidi-me a premir uma campainha. Dei as coordenadas mas nenhum radar me deu a resposta. Aquele filho e aquela mãe não moravam ali.
E o relógio indiferente, sem parar.
Vi-me forçado a voltar ao centro da Vila e, junto da Júlia, proprietária do café de que ambos somos clientes, acabei por apurar a confusão que fiz com o “à direita da piscina” e entendi que, afinal, tinha decorado bem a morada e que apenas tinha considerado uma única aquilo que me pareceram duas ruas.
Passavam trinta minutos do aprazado quando a mãe do amigo disse que eles estavam a jantar e que daí a três quartos de hora me devolveria a criança.


Foi a primeira vez que a Matilde visitou alguém sem a presença e a companhia dos pais.

A isto se chama crescimento.



E os portugueses que se preparem.

Em resposta às críticas da oposição, no contexto da moção de censura apresentada pelo PSD, Guterres garantiu que se prepara para fazer a maior redução de sempre do IRS.

Para já, o Bloco de Esquerda votou contra a moção.


E para as próximas legislativas, heim?



Hoje a Margarida portou-se mal, foi ela que o referiu logo após o abraço do reencontro pelo final da jornada escolar. Esteve em conversa com uma amiga.


E de manhã falaram sobre o Outono, caracterizando-o por aquilo a que ele provoca a queda.
Também realizaram uma ficha sobre ovelhas; desenharam lã e completaram as ervas que faltavam na figura e procuraram retratar a palratória daqueles quadrúpedes.



Lou Reed came out of the streets, at the meadle of the sixties, but also from places like Wharol’s factory.
His music express the feelings of an hard side of the town and it make us see ligths and spots of loneliness and despaire that floots between a job and a house.
Two hours of rock’rool sounds, fool of riffles and notes that put our brains at the rainbow, just above us.

One of the greatest concerts that I ever seen.



As gatinhas dormiram em casa dos avós.



A não esquecer.
Pais contentes fazem filhos felizes.



E usufrui o prazer do reencontro com o Edgar Pedro, amigo da idade adulta, a quem vi crescer e formar-se profissionalmente com a cumplicidade da partilha. Ele e a Lena e ainda o Sérgio Saraiva e a Cristina acompanharam-nos no serão musical. Jantámos juntos e depois bandoámos ao encontro do espectáculo. Só por estarmos juntos, por si, teria feito da noite uma alegria.


Estão todos bem, acrescento eu, graças a Deus.

Sérgio é arquitecto e trabalha num atelier no Barreiro, cidade onde vive. Ele e a Cristina são pais de um bebé com oito meses.

O Edgar e a Lena são professores e dos melhores. Tanto um como o outro fazem das suas aulas espaços em que é agradável aprender, sabem usar com bons proventos os meios mais modernos para exporem os assuntos e temas, obtendo resultados por parte dos alunos, a quem propiciam ocasiões de trabalho atento mas descontraído. A disciplina, com eles? Até dá vontade de rir. Avém da competência. De forma atraente e bem disposta, apresentam aos jovens, em cada aula, uma série de pequenos e diversos exercícios em torno do objecto de exposição, de tal modo que não deixando espaços mortos, dificilmente contextualizarão situações de conflito disciplinar. Como tudo é feito de forma rigorosa e, no essencial, sem falhas, os educandos aprendem rapidamente a respeitar o profissional que têm pela frente, dessa forma se sentindo constrangidos ao empenho nas provas a prestar. É que do ponto de vista humano, todos sabem que podem ter acesso ao banco de dados e conhecimentos dos mestres e também é pública e evidente a disponibilidade de ouvidos capazes de confessionário.
Para mim, o melhor testemunho do que acabei de escrever é o facto de eles serem padrinhos de casamento do Sérgio e da Cristina que se conheceram, justamente, na casa deles. Ele era aluno dele e ela aluna dela.

O Edgar é licenciado em arquitectura mas, por opção, sempre laborou como professor do ensino secundário, na área do desenho e a Lena cursou e formou-se em Biologia e é, desde então, docente do grupo respectivo daquele mesmo nível de ensino.


Conhecemo-nos na escola secundária da Moita, no ano em que eu iniciei a docência.
Na altura a Lena era estagiária e com ela aprendi a resolver a pergunta comezinha, como elaborar uma aula, tirando o máximo rendimento dos materiais disponíveis?

Há empatias que não se explicam e ocasionalmente comparticipei na boémia e colaborei com o Edgar em várias situações profissionais.

E a vida acabou por nos fazer enfrentar aquelas situações em que se definem os homens e se firmam os laços de lealdade e amizade e mesmo quando estamos anos a fio sem nos encontrarmos, como aconteceu ultimamente, reatamos a conversa onde a deixámos no dia anterior.


Seja como for, o curioso é o mistério em torno deste reatamento.

No princípio deste Verão, por mero acaso, quando eu brindava com o Luís Carlos o fim de um projecto que consistiu na emissão de uma folhinha electrónica, estando os cálices no ar, olho o coreto e quem vejo surgir do seu horizonte? Exactamente, o Edgar.

Logicamente entre abraços e sorrisos foi, de imediato, convidado a tomar parte na comemoração.

A última realização conjunta foi precisamente com ele, o “Além da Cortina”, um programa na Rádio Clube da Moita que se manteve durante um ano de emissões regulares.
Pois bem, dez anos sobre o evento e dois ou três cruzamentos fugazes, nesse entrementes, deram o toque de magia àquele face a face.


E para que fique nos anais, o Sérgio Saraiva que, no ano anterior, tinha sido aluno deste meu amigo, no décimo segundo ano, colaborou como o rapaz da música daquele trabalho radiofónico.


Dificilmente a noite poderia ter sido melhor.


Alhos Vedros
00/09/21
Luís F. de A. Gomes

2006-10-04

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Ontem deixei uma observação por fazer. Prende-se com a governação que, além da preparação do próximo orçamento, continua a todo o vapor.

Alberto Martins, ministro da reforma administrativa, publicou um livro sobre a cidadania. Teve destaque nos jornais, foi objecto de um programa radiofónico e ainda concedeu uma entrevista ao telejornal do canal dois.

Com isto, os socialistas fazem política e, se não tomam medidas, pelo menos, têm acções.



Se de manhã acompanhei a Margarida até ao lugar, após o almoço já nos despedimos à porta da sala.


Os reencontros é que são desenlaces de ternuras.
“-Então piolhinho, correu bem o dia?”


E não é que não me tinha apercebido que o PSD apresentará, esta tarde, na Assembleia da República, uma moção de censura ao governo?
Admito que possa andar muito ocupado com a consequente diminuição das minhas faculdades de circunspecção, mas terá sido isto objecto da devida cobertura nos media?


No futebol nacional, seja escrito, falado ou televisionado, o jornalismo está sujeito a controlo por parte de poderes que lhe são exteriores.



Hoje as actividades foram as seguintes.
De manhã, os alunos estiveram a identificar as cores existentes na sala e a ver as misturas entre elas. Depois realizaram uma ficha a esse respeito que a Margarida concluiu depois do almoço.
Da parte da tarde estiveram a falar sobre o Outono e daquilo que as árvores deixam cair por esse tempo.

Tudo correu bem.



E agora vou ver se me despacho.

Lou Reed no pavilhão atlântico.
UAU!

Alhos Vedros
00/09/20

2006-10-03

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

DIGA NÃO AO RELATIVISMO

A Margarida lá teve o seu segundo dia de aulas.


É o começo de uma doce rotina que, de certo, trará o sossego e o controlo das coisas previsíveis.
Então? Os lábios florescem sob o efeito das cores ao longo dos dias.


“-A senhora professora disse aos meninos para fazerem xixi antes de entrarem.”
E pela narrativa que é capaz de elaborar, mostra que está com a devida atenção ao decurso dos trabalhos.


Tanto de manhã como após o almoço acompanhei-a até ao lugar. Ainda leva as mãos frias. Enquanto aguardou a entrada, no período vespertino, conversámos sobre os pequenos ecos da manhã e eu brinquei com ela para que se distraísse e alegrasse com a satisfação da brincadeira.

Mas não me parece que seja possível afirmar que tenha desgostado da escola.




Ah e depois é brincar
brincar até que o cansaço se despenhe na magia do João Pestana.

É verdade, não tenho dúvidas quanto aquilo que estou a afirmar e podem crer que tenho consciência do que a frase significa e das ilações que permite.

Acontece é que eu tenho para mim que a brincadeira é das coisas mais importantes nas vidas infantis. É pela brincadeira que nós modelamos o barro dos tijolos mais profundos do nosso ser.



Esta noite choveu.
Ao sair para a rua, da humidade que nos abalava chegava-nos o perfume da terra massajada pelas nuvens.



Pela lei do imprevisto, curiosamente travei hoje uma conversa com um desconhecido que, a propósito da medalha de bronze alcançada por um judoca português, acabou sobre uma pequena troca de impressões sobre o relativismo cultural. Diálogo de surdos, melhor seria dizer, já que se tratou de um encontro de pontos de vista imprevisíveis.

Foi uma converseta de dez minutos, à volta de uma bica entre dois destinos, a meio da tarde.
Passo a registar aquilo que mais ou menos foi a minha tese.

O relativismo cultural conduz a um beco. E o engraçado é que o faz tanto no plano da realidade como no da teoria. Ao conferirmos igual importância a todos os valores e fórmulas de comportamento correspondentes, chegaremos a um ponto em que teremos o confronto entre dois deles que, entre si, sejam irredutíveis e contraditórios.
Li, alhures, a explicação da improbabilidade de tal evento baseada na ideia de que o limite se encontra na dignidade humana; por outras palavras, têm igual importância aqueles que não atentem contra esta última.
Isto não passa de um truque intelectual, por sinal dos fraquinhos.
É que em acto contínuo se interroga se o conceito de dignidade humana é universal ou se, pelo contrário, também ele é relativo isto é, passível de ser formulado a partir de pressupostos vários, concordantes com as especificidades geo-culturais de cada população. Neste caso, dificilmente conseguiremos que um critério, ele mesmo relativo, possa ser usado como a baliza absoluta que, necessariamente, para ser usado como nivelador, se aplique de igual modo a todas as sociedades humanas. Em síntese humorosa, perguntarei como é que uma coisa relativa pode ser usada como se fosse absoluta? No caso inicial, surge a pirueta de aceitar o relativismo quando admitimos a universalidade de um elemento cultural.

Creio que o senhor saiu todo convencido das suas razões.



“-Oh pai, pode estar a chover lá em baixo, junto da casa da avó e, ao mesmo tempo, aqui não chover?”
“-Essa é boa Margarida, heim… Bem, geralmente quando chove lá em baixo também chove aqui mas pode haver uma ocasião em que chova lá em baixo e aqui não.”
“-Mas oh pai, eu perguntei se podia estar a chover lá em baixo e ao mesmo tempo aqui não. E isso pode acontecer?”
“-Pode.”
“-Pois, deve ter sido isso que aconteceu quando eu estava em casa da avó. É que lá em baixo fartou-se de chover e a D. Maria Rosa disse que aqui choveu pouco o que deve ser verdade, pois lá em baixo a rua estava toda encharcada e o largo cheio de poças de água e aqui não, a estrada estava pouco molhada.”
“-Bem observado.”
“-E não é só isso. É que lá em baixo formou-se o arco-íris e aqui não.”
Eu sorri, creio que respondi, “-Muito bem, Margarida.”, ainda que tenha consciência do erro quanto à localização daquele fenómeno que se gera pelo encontro da água e da luz. Mas depois avancei com uma pergunta:
“-E vê lá se consegues perceber porque razão pode chover lá em baixo e, ao mesmo tempo, aqui não.”
“-Porque lá em baixo podem estar nuvens negras e aqui não estarem nuvens nenhumas.”



E agora umas breves do mundo.

Em Timor a guerrilha infiltra-se e certamente não será para oferecer um banquete à população local.

Fujimori, no Peru, o tirano que convoca eleições em que a oposição tem que perder, foi apanhado em flagrante num caso de corrupção. Anunciou que se irá demitir. Cá para mim, está a preparar mais um golpe de teatro.


Erik Mussambani fez a sua prova a solo, com a piscina por sua conta.
É de gente assim que se alimenta a mitologia olímpica.



E o dia de hoje já teve um carácter mais didáctico.

De manhã, os alunos fizeram desenhos e a Professora leu a história do patinho feio a respeito da qual lhes fez algumas perguntas, pelas quais interpretaram e descreveram os acontecimentos.
À tarde realizaram exercícios para verem quem escreve com a mão direita ou quem usa a esquerda Aos rapazes, foi-lhes perguntado com que mãos atiram pedras.



E em Sidney já há um português medalhado.
Ainda bem que se trata de um luso-cabo-verdiano.



Céus, como a escola assusta os miúdos.

Alhos Vedros
00/09/19
Luís F. de A. Gomes

2006-10-02

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

D DAY


Hoje foi o grande dia, a Margarida começou a ter aulas.

“-Não fizemos nada de especial.” –Disse-me ela, à hora do almoço, quando a levei de regresso à escola para o turno da tarde.

De manhã procederam às arrumações dos materiais e desenharam um cartão onde a Professora registara os respectivos nomes e que, uma vez colocados sobre a mesa, servirá para que os alunos possam ser tratados com familiaridade.


“-Oh pai e se eu quiser ir à casa de banho, como é que eu faço?” –Dúvida que apresentou pouco antes de entrar na sala.

Fez uso das sanitas durante o intervalo e após a saída, com o fim das actividades.

E como é cuidadosa, a Margarida.
Dada a inexistência de papel higiénico, levou um pacote de lenços de papel que guardou na mochila.

Durante o intervalo, o lanchinho foi tomado no lugar.



É curiosíssimo o esforço que se está a fazer na comunicação social para que se desvie a atenção dos portugueses de certos assuntos decisivos, de que a governação ou os preços dos combustíveis são bons exemplos.
São primeiras páginas com as tricas internas do PCP, revistas de cola cuspo e figuras com o namoro do Primeiro-Ministro e hoje foi o trigésimo aniversário do MRPP que teve honras de capa na rádio e num jornal importante. E aquele anúncio de hiper em que se publicita uma baixa de preços com o fundo de um comício que pelas cores, bandeiras, camisolas dos militantes e música fazem lembrar uma realização do PS?
O certo é que um buraco injustificado de trezentos e tantos milhões de contos num orçamento, o deserto de medidas que urgem para que o nível de desenvolvimento da nossa sociedade se vá aproximando e não afastando nas comparações com os mais ricos, ninguém fala dessas coisas e qualquer oposição inteligente é abafada pelo ruído que muito se ouve num país de futebol e mundanices anódinas.

Não há dúvida que somos um povo felíz.


Pena que sejamos tão… Pindéricos?


Ai e é em todos os patamares, que claustrofobia.
Não é que os jornais desportivos falaram tanto de medalhas olímpicas que agora se vêm forçados a destacar o regresso a casa dos nossos atletas?



Quanto ao balanço do primeiro dia escolar ele só pode ser considerado positivo.
Ao contrário de outros miúdos, a Margarida não se descontrolou naquele novo cenário e não revelou dificuldades em se relacionar com os colegas.
É verdade que tinha as mãos geladas e, em casa, pediu ao pai para que ficasse até que a Professora solicitasse o abandono por parte dos Encarregados de Educação.
E depois confessou que não gostou que a Mestra batesse na secretária para exigir silêncio e ainda que a tivesse separado da Ana Lúcia, com quem estava a conversar. “-Mas baixinho, mãe. Sem fazer mal nenhum.”

Nós explicámos-lhe o papel da nova educadora e ela entendeu e anuiu perante a necessidade de tomar atenção.


No cômputo geral tudo indica que tomou a sério o que lhe pediram para fazer e agradou-se disso.

Pena que os sacos com os materiais não tivessem sido arrumados com aprumo e delicadeza.



E até à deita
a brincadeira espreita.



Deus acompanhe este lar.

Alhos Vedros
00/09/18
Luís F. de A. Gomes

2006-10-01

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

UM DIA DA MARGARIDA

Criar um filho implica um conjunto de responsabilidades, preocupações e tarefas que, no seu todo, perfazem uma obra gigantesca. Se a isto reunirmos o desiderato de bem fazer e a procura do resultado de pessoas honestas, livres e sensatas, diria que estou a falar de algo titânico. Ainda mais num país madrasta, como é o nosso, onde ainda não é idiossincrática a perspectiva de que as instituições, os serviços e as mecânicas, em geral, devem ser organizadas de modo a facilitarem a vida ao comum dos mortais.

Antes de mais requer a vontade de multiplicar o ser na consideração dos cuidados diários.
É que deixamos de ser um para passarmos a ser nós e outrem e, por isso, quando pensamos no que há para resolver num determinado dia, pensamos no que se relaciona com todos e qualquer dos membros do grupo.

Pessoalmente, essa vontade tem a substância de uma alegria indescritível e misteriosa com que partilho a existência com as minhas filhas e que me apraz por ver o participar no desenrolar de uma boa parte daquilo que é a modelação delas como seres humanos.

Ora tal contingência acarreta que para além da resolução das necessidades básicas comuns, irredutíveis e incontornáveis, como os banhos, a alimentação e outras, o que não depende da nossa vontade ou consciência e até impõe a construção da autonomia individual, com a implícita diminuição dos esforços parentais, é certo, além disso e em primeiro lugar, os filhos exigem a nossa presença e atenção o que, sem lhes cercearmos as asas e o uso que a elas dão os passarinhos, nos leva a manter uma constante reserva de solicitude que, tantas vezes, nem mesmo transcende a mera disponibilidade para escutar ou para ver.

Seja como for, creio ser preferível que o estar lá traga consigo a abertura para saber responder e dizer não faças, com a habilidade de explicar os porquês. É que se queremos crianças racionais, devemos tratá-las como tal e proporcionar-lhes o acesso ao uso da razão.

Ai que pena que eu tenho de quem não sente o passatempo de ler um livro em voz alta para uma plateia anichada no entusiasmo de uma aventura ao compasso do repouso de corpos encostados sobre o regaço de um sofá.

Depois nunca nos poderemos esquecer do carinho e da calma no trato. É daí que vem o mando quando tal se impõe.

Considerando a malha de relacionamentos que assim se forma, o normal fluir de cada uma das existências encarregar-se-à de delimitar os espaços cronométricos que permitem a respiração das individualidades.


É claro que acabei de elaborar um discurso teórico.
Na prática nem sempre conseguimos o discernimento para optarmos pelas atitudes mais adequadas. Mas não quer dizer que sejamos obrigados a agir ao acaso. Em primeiro lugar é bom que se almeje que o emaranhado ideográfico seja induzido, isto é, que a teoria se assemelhe mais à expressão dos nossos comportamentos e funções do que a um quadro ideal pelo qual pautamos as nossas vidas. Seguidamente, importa compreender que a ortodoxia e o dogmatismo são erros incompatíveis com a liberdade pelo que, por evitáveis, devem ser prevenidos. O que já não se estende à natural possibilidade de errarmos, perante a qual só é aceitável que possuamos a humildade de, serenamente, o admitirmos.

Também a nós acontecem os dias negros, mas procuramos que eles não caracterizem o clima do lar.


Pois é deste modo que tentamos ser bons pais, tirando partido de algumas regras, poucas mas claras e de fácil compreensão e cumprimento, como são os casos das exigências da cordialidade e boas maneiras, ilustradas pelas chamadas de atenção para com eventuais faltas de saudação ou de agradecimentos e nunca esquecendo o “por favor” anterior aos pedidos. Igualmente no que se refere a determinados hábitos, como o deitar cedo e cedo erguer ou quanto à gastronomia, em que, sem motivo considerado válido, não abdicamos das refeições completas e raramente pactuamos com as ingestões fora de horas, jamais deixando espaço para aquele género de goluseimas que só prejudicam os dentes e tiram o apetite. E ainda inviabilizando as regulares investidas, comuns entre a gaiatagem, até pelos efeitos de demonstração de uns para os outros, de pedidos disto e daquilo que, vulgarmente, mais não são que as consequências das pressões desta sociedade de consumo em que vivemos. Felizmente, para nós, tanto a Margarida como a Matilde só excepcionalmente assumem o papel de pedinchonas.
Espartanos? Eu diria sensatos.
No que sobra, procuramos fomentar a sua autonomia e liberdade.


A agenda infantil já está incorporada nas deambulações familiares e preocupamo-nos em optar por sítios em que aquelas também possam satisfazer os seus interesses e desejos de brincadeiras.

E não é que, por isso, as minhas filhas são viajadas e já possuem um capital de cultura de se lhes tirar o chapéu? Não são só os diversos eventos a que já assistiram e a que se começam a habituar, como as idas ao cinema ou ao teatro e aos mais variados espectáculos de música e dança, ou a frequência de museus e exposições, entre os quais e sempre, os propriamente dito infantis; também é a percepção da diversidade geo-humana que as nossas andarilhices lhes têm proporcionado.


AH! E por muito cansativo que tudo isto seja, por muitos aborrecimentos que possamos ter, o que é isso em face do acordar com gatinhas subindo para a cama, em acto contínuo, enroscando-se-nos no calor que emana da proximidade carinhosa dos corpos?



Esta manhã choveu e bem.
Assim, segundo os naturais, manteve-se a tradição pluviosa da festa da Moita.


E na ilha triangular que enquadra um jardim-de-infância, as lágrimas dos plátanos acastanham o verde da relva que cobre as corcundas do terreno.



Domingo repousante.

De manhã estive a ver provas de natação no quadro das olimpíadas de Sidney.
A realização televisiva estava excelente. As imagens a partir do fundo da piscina são sempre de regalar a vista.
E quanto à competitividade, oito recordes mundiais em dois dias de competições diz tudo a esse respeito.

Já não tenho paciência para fixar os nomes dos heróis, mas hão-os.
As medalhas, essas, vão sendo repartidas entre os representantes dos países mais ricos e desenvolvidos.


Mas o espírito olímpico poderia tocar mais fundo no que concerne aos relacionamentos entre os homens e as nações do planeta.


E depois dos jornais a meio da manhã, aproveitei para desbastar um livro sobre os filhos de altos dignitários nazis julgados em Nuremberga.
Wolf Hess, filho de Rudolf Hess, o delfim de Hitler, tem opiniões pungentes e um tanto ou quanto perturbantes sobre os vencedores do segundo conflito mundial e justifica aquilo que entende sobre o idealismo nacional-socialista exactamente com o empenho e na medida em que se orgulha daquele que foi o senhor seu pai.(1)

Obra necessária, apresenta-nos os sentimentos daqueles que arcaram com a triste herança de serem considerados filhos de criminosos de guerra e algozes cruéis, condenados por crimes contra a humanidade.

E estranhamente compreendemos que a história do nazismo ainda este por fazer com tudo o que isso implica para a compreensão do mais terrível acto que a nossa espécie cometeu, todo o horror da Shoah.

E seria eu capaz de pedir a Deus a misericórdia para tão tenebrosas almas?



A Margarida almoçou e passou a tarde com os avós paternos e enquanto a Matilde se entregou à sesta, a Luísa aproveitou para pôr em dia umas série de que ambos gostamos e que, para nosso incómodo, passam todas às mesmas horas das noites de segunda-feira.


Como as minhas filhas já têm vida social própria, por volta das dezassete e trinta deixámo-las na festa de uma amiguinha, a Joana.


Nas duas horas seguintes, mãe e pai arrumaram os materiais escolares da Margarida e prepararam tudo para que amanhã sigam para a escola, o destino da maioria deles.
A Luísa forrou os livros e eu etiquetei-os, bem como aos cadernos e capas e restantes utensílios, desde os lápis de cera ao rolo de fita adesiva.


Regressada à toca, a novel estudante que não se perdeu de amores pela festa, apreciou o trabalho e manifestou agrado pelas estampas e coloridos que usámos e, em grande parte, ela escolhera.



E vai de brincar até à hora do banho que antecedeu o jantar, após o que se seguiu a lavagem dos dentes e a entrega aos lençóis.


É a marca dos seus dias.

Nos últimos três anos frequentou o jardim-escola da paróquia onde, a partir da segunda anuidade, passou a maior fatia dos seus dias de semana. Entrava por volta das nove e meia e ia buscá-la às cinco da tarde, lá almoçando e dormindo a sesta.

Uma vez em casa, repartia o tempo pelas suas diversas brincadeiras e divertimentos, entre os quais se inclui o momento da história do dia, geralmente a cargo do pai.

As conversas familiares são espontâneas e vulgares e muito naturalmente englobam as narrativas das suas peripécias e temas mais variados.


Com a jornada findando
invariavelmente
com o dorme bem de um beijinho dado na carinha pousada na almofada.



Continuam as previsões de refluxo no crescimento da economia mundial.


E as presidenciais norte-americanas preparam-se para concentrarem as atenções planetárias.

Quanto a mim, parece-me que Al Gore é preferível é a George W. Bush, o W, para quem os naturais da Grécia são os grécios. O primeiro, pelo menos, é capaz de entender os problemas ambientais que a Humanidade terá que enfrentar nas próximas décadas, ainda que sob o seu consulado se possa concentrar mais nos assuntos intra-americanos. Bush, por sua vez, não aparenta dominar qualquer programa consistente e o que é certo é que a economia, nos dez anos de Clinton na Casa Branca, vai bem.

Não me arrisco a grandes palpites mas não me admiraria se o Vice-Presidente do mais escandaloso de todos aqueles que se sentaram na cadeira de George Washington, imitasse o pai Bush e, apesar de, por ora, estar atrás das sondagens, viesse a ser eleito Presidente da única super-potência que inicia o novo milénio, o homem mais poderoso da Terra.


E por cá o novo governo recauchutado já começou a governar.
Oliveira Martins, compagnon de route e novo homem forte do Executivo, fez sair um artigo no “Público” em que explica o novo ciclo político que se desenha.



Na confluência, a tosse convulsa do PCP é empurrada para a ribalta.

E o que a nossa inteligentzia parece não ser capaz de ver é que o único partido comunista que mantém a ortodoxia do marxismo-leninismo na Europa ocidental é, precisamente por isso, o melhor reflexo da sociedade a todos os níveis mais pobre e menos desenvolvida desse lado certo do mundo.



Aspirando, a noite sabe à humidade que um vai vem de frescura deixa ao abanar as árvores.



Antes de me deitar vou regressar à leitura, pelo menos um bom quarto de hora.


Amanhã acompanharei a Margarida até à sala.

Será o seu primeiro dia de aulas.


Deus acompanhe esta minha filha.

__________
(1) Posner, Gerald L., pp. 63 e ss
OS FILHOS DE HITLER


Alhos Vedros
00/09/17
Luís F. De A. Gomes


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Posner, Gerald L.- OS FILHOS DE HITLER
Tradução de Artur Lopes Cardoso
Editorial Notícias, Lisboa, 1996