2007-01-31


O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

AMANHÃ VAMOS VADIAR
De acordo com notícias de fontes governamentais, Ansumane Mané foi morto com um tiro no pescoço, durante um recontro com tropas leais a Kumbaialá.

Isolados, sem reconhecimentos nem apoios exteriores e sem dinheiro para se rodear e defenderem, assim acabam os cabos de guerra que, em África, mais não são que repetições das antigas disputas pelas sucessões nas chefias tribais.
Insubmisso, incapaz de obedecer, o candidato luta até à morte.



Eleições antecipadas em Israel.
Só lamento que tarde em aparecer um líder capaz de propor e fazer a paz.


Pessoalmente não conheço o país e, nessa condição, estou incapacitado para conhecer a complexidade da interpenetração cãs culturas de israelitas e palestinianos.

Mas será que o caminho não residiria numa aposta no desenvolvimento económico e social do lado ismaelita?

Quando deixará de ser pouco o que estes têm a perder?



Mas que fastio, um livro de Fernando Rosas sobre a industrialização ao tempo do consulado de Salazar. Mal escrito, cheio de repetições e frases intercaladas, vai ao ponto de alertar para os defeitos do simplismo de certas análises que depois repete. E ainda o snobismo do uso de late comer’s e take offs, import/export e momenta –“-Ai que o homem até sabe latim…- para mostrar ilustração e sabedoria.
E é um professor universitário que dirige mestrados e tudo.
Pois apresenta-nos teses de ideias feitas que chegam a atribuir à clarividência de alguém a repentina importância que o nosso subsolo apresentou para o poder face à pressão das necessidades dos países beligerantes da segunda guerra mundial. E depois aquela ideia estapafúrdia da necessidade de uma reforma agrária para o sucesso de uma industrialização auto-sustentada (1), como se isso tivesse acontecido na Inglaterra, na Bélgica ou na Holanda.
Coarctado por uma visão elitista do mundo e da história, o douto lente acaba por se mostrar incapaz de compreender que o problema da deficiente industrialização saída das medidas e dos planos de fomento do salazarismo, resultou, precisamente, pelo excesso de estatismo, isto é, pelo facto de condicionar a liberdade económica e a livre expressão e funcionamento dos mercados, quer ao nível interno como externo. Ao contrário da tal visão autárcica de que enfermam os pontos de vista do Autor, o problema foi o isolamento face ao comércio internacional e a impossibilidade de que a concorrência externa levasse o portuga a produzir mais, melhor e do que poderia haver de diferente.
Só isso explica que os Cupertinos de Miranda e os proprietários dos fogões leão nunca tivessem tido ensejo para se multiplicarem.



Mas como é que nos podemos admirar que licenciados escrevam mal, falem pior e se equiparem a um liceal quanto à exposição de ideias, e, isto, na mediania mais elevada?

E depois vai de manifestações a favor da facilitação, uma vez que a excelência já deixou de estar ao nosso alcance.



Numa escola básica C+S da Trafaria houve ontem uma greve de Professores contra a violência dos alunos.



E no Porto, um agente da Judiciária terá interpelado um estudante durante uma manifestação.
Como assim, andam polícias entre os manifestantes? Para quê?


Justamente no mesmo dia em que Sousa Franco diz que a venda de parte da GALP à ENIA –uma empresa italiana- foi desastrosa pois não estamos perante um parceiro estratégico que venha acrescentar seja o que for àquela empresa nacional estatizada, além do que, sempre segundo o ex-ministro das finanças, a nova associada passa a ter posição na administração, ainda que minoritária, mas com capacidade para paralisar a actividade desse mesmo corpo directivo.



Hoje houve mais exercícios em torno da palavra bota.

Duas fichas para trabalho de casa de um fim-de-semana prolongado que, para a Margarida, terá o acréscimo de um dia que será o da sua primeira falta escolar.



Na Jugoslávia, Kostunica parece ter assegurado o poder.
Estaremos a caminho da democracia?
É o que iremos ver com o tempo.

Mas a incultura continua.
Ainda no fim-de-semana passado, por ocasião de uma cimeira inter-balcânica, em Sarajevo, manifestantes croatas fizeram alarde do seu ódio aos sérvios.



E hoje também passam cem anos sobre a morte sem honra nem glória de Oscar Wilde.
A sumptuosidade em que vivia o homem que disse “-Nothing but my genious.”, não foi nada que se parecesse com a vaidade mas sim a afirmação da individualidade brilhante e inteligente que tão só se estampou nas mentalidades dominantes do seu tempo.
He just cultivated na attitude.

No que precedeu muito do que foi a expressão pessoal de muitos dos intérpretes dos movimentos de arte –aos mais variados níveis- do século vinte.



Chegou a Bagdad o primeiro voo comercial desde há dez anos.



Amanhã vamos para o Porto.
Ao jantar, as miúdas viviam a excitação própria das vésperas dos períodos de férias.

Mas também os adultos estão satisfeitos com a perspectiva de uma folga prolongada.


Pois bem, até segunda-feira.

__________
(1) Rosas, Fernando, pp 67 e ss
SALAZARISMO E FOMENTO ECONÓMICO

Alhos Vedros
00/11/30
Luís F. de A. Gomes


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Rosas, Fernando- SALAZARISMO E FOMENTO ECONÓMICO
Editorial Notícias (1ª. edição), Lisboa, 2000

2007-01-30


Para que a
tristeza
se vá

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O ARCO-ÍRIS MATINAL
“-Oh pai, olha o arco-íris.!” –Disse a Margarida, quando nos dirigíamos para o carro, na demanda de mais uma jornada escolar.

E a família –sem a mãe- deleitou-se com um fenómeno óptico por sobre os telhados do fim de rua.
Que melhor começo do dia podemos nós desejar?



Nos Estados Unidos, George W. Bush, auto-declarou-se vencedor das eleições e, por isso, o próximo Presidente da República.

Mas Al Gore insiste em querer ver o caso resolvido pelos tribunais. Pretende a conclusão da contagem dos votos manuais.


Neste lado do Atlântico há muito bem pensante que desdenhe, embora o que transparece seja a incompreensão de um certo anti-americanismo primário que paira em muitos dos comentários que lemos e ouvimos.
Mas não faz mal, afinal a escola dos nossos democratas mais velhos foi o salazarismo e o mundo mesquinho que um tal regime impôs.

Só assim se entende a negligência do facto de a democracia enquanto sistema político, não implicar necessariamente o dirigismo dos órgãos de poder mas, tão só, a existência de barreiras legais e institucionais à tirania, coarctando-lhe, dessa forma, as possibilidades de vingar; depois a omissão de que a civilização democrática significa, antes de mais, o respeito pelo cidadão, sem distinções, o que, na realidade, se concretiza na defesa dos pontos de vista minoritários e nas garantias de que os mais fracos não são asfixiados arbitrariamente pelos mais fortes.


Será que tais aquisições da humanidade estão a ser postas em risco pelo diferendo a que assistimos?
Não me parece.
E como a democracia também é a competência que ao povo assiste para derrubar os governos, certamente que daqui a quatro anos teremos um outro inquilino da Casa Branca. Se as coisas correrem mal para o que se diz agora vitorioso, é claro.



E não é por acaso que por cá, com a abstenção do deputado Campelo, o orçamento foi aprovado na especialidade.

O pior é que entre os socialistas se fala na possibilidade de fazer escola com este método para os próximos anos.

Ora isto é que põe em perigo a democracia



O São Jorge, uma das clássicas salas de cinema de Lisboa, fechou esta noite as suas portas.
Só um insensível não lamentaria e eu, que dali guardo memórias da adolescência e da juventude, vejo com nostalgia a substituição daquelas –ultimamente três- salas por um qualquer modernismo arquitectónico dedicado ao comércio e aos serviços.
É a lei da sobrevivência económica e até os funcionários reconhecem que os níveis de afluência não viabilizam a sua exploração, pelo que não admira que o espaço tenha sido vendido, creio que a uma imobiliária.

Não deixa é de ser uma grande hipocrisia toda a lamentação do Presidente da Câmara de Lisboa em torno do caso.
Então não é aquela autarquia que tem autorizado toda a descaracterização urbanística que se pode observar naquela mesma avenida?


Mas amanhã, meu amor, já não nos poderemos encontrar no São Jorge.



Perdeu-se o rasto mediático do cargueiro que andava à deriva ao largo de Inglaterra, transportando minerais tóxicos nos seus porões. Provavelmente chegou a bom porto e tudo acabou bem. Deus queira que assim tenha sido.

Fica éa certeza que as boas notícias não têm interesse para aqueles que da vida querem dar a imagem de um círculo romano.



Ansumane Mané anda a monte e, em contrapartida, há centenas de prisões, enquanto populares fogem de Bissau.

Kumbaialá parece estar a sitiar-se pelo do fogo.
A vida livre permanece adiada.



Hoje de manhã os alunos fizeram exercícios em torno de novas palavras a que o vocábulo bota lhes deu acesso.
Depois do almoço, coloriram uma ficha em que, identificando e construindo certos conjuntos, também foram solicitados a identificar letras e sílabas.



Depois de um dia de loucos é tão agradável o descanso da noite.



Ontem, quando dei por findas estas notas, depois de ver a chuva furando a luz dos candeeiros, estendi-me no sofá para atentar na TV. Sem ser para ver os “Ficheiros Secretos” ou um ou outro desafio de futebol, há muito tempo que não o fazia, mas deparei-me com uma entrevista a Garcia Pereira e acabei por me deixar ficar até ao fim.
Há uma certa filosofia de fundo de que, frontalmente, discordo, mas o homem é inteligente e faz uma crítica certeira ao nosso status quo que, em boa parte, eu corroboro.
Curiosamente subscrevi-lhe a candidatura e o meu voto lhe pertencerá pelo que não resisto a transcrever um artigo que então escrevi para justificar aquela atitude.
Titulado “Acto de Cidadania” e datado de quinze de Julho, reza assim.

“A vida é a arte do encontro embora haja
tanto desencontro nessa vida.”
Vinícius de Morais

“Como a vida, em geral, também a cidadania tem coisas engraçadas. Nunca antes fora confrontado com a proposta da subscrição de qualquer candidatura para a presidência da república. Sem razão aparente, num destes dias, alguém me visitou com o único propósito de me solicitar a assinatura para o conjunto das cinco mil necessárias a que o Sr. António Garcia Pereira se possa apresentar como candidato ao mais alto cargo da nação.
Enquanto homem adulto, jamais tive qualquer militância ou actividade política e partidária e ainda que seja uma pessoa atenta ao mundo que me rodeia, nunca manifestei empenho por experiências naquele domínio. Tenho as minhas opiniões que, naturalmente, serão moldadas pela minha maneira de ver o mundo, mas talvez seja demasiado comodista para grandes ocupações naquela área. Enfim, sou mesmo daquele género de gente que prefere a quietude e pacatez do seu mundinho e não se dispõe a prescindir do tão pouco tempo diário que lhe resta para os encantos que aquela tem. Má consciência, dirão provavelmente com razão. Talvez por isso alinhave algumas ideiazinhas em pequenos e modestos artigos de opinião que têm saído neste simpático quinzenário (1), com a veleidade de pensar que são a minha maneira de dizer que sou cidadão e que estou aqui. Não é que tal me faça perder o sono, contudo seria exagero –para não dizer escandaloso- se eu me visse como um exemplo de indivíduo generoso e solidário. Como soe dizer-se, “até o diabo se ria”.
Ora pela posição cultural e social familiar que herdei, tenho por boas as forças impulsionadoras da propriedade e da livre iniciativa e concorrência, que tomo pelos melhores meios para produzir as riquezas necessárias à nossa vida em sociedade. No meu dia a dia rejo-me pelo bom senso de quem vive de coisas práticas e sei que as grandes ideias, nisto da vida em comum, têm sempre o limite do possível, sendo mais vulgar que os tecidos sociais se alterem justamente por obra e graça do seu fluir quotidiano. Por isso, as sociedades e as economias abertas são aquelas que melhor conciliam o bem estar com a segurança. Tenho para mim que os baixos salários que subsistem em Portugal, provavelmente deixarão de existir quando aqueles que trabalham possam pedir e os patrões posam pagar os montantes equivalentes ao que são hoje os padrões dos países da Europa mais desenvolvida. Sou um adepto de reformas e nunca de revoluções sociais.
Para meu gosto, só as civilizações e as inerentes sociedades democráticas são compatíveis com a dignidade dos seres humanos.
Em conformidade, eu não tenho nada a ver com o senhor Garcia Pereira e muito menos com o seu partido, ao que acresce ser ele proveniente de uma tradição que, do bolchevismo aos guardas vermelhos, produziu crimes inenarráveis que variaram entre os mais diversos gulags e a revolução cultural, da China Popular, embora saiba que jamais àquele seriam consentidas as oportunidades de tão medonhas repetições.
Assim, a primeira vista, quase tomaria como uma ofensa o convite cívico que me foi apresentado.
No entanto subscreverei a proposta em causa.
É que as democracias não sobrevivem sem contra-pesos e é disso que se trata. Garcia Pereira é uma voz do contra-poder, sendo, pois, necessária. Alheio aos lobbies e grupos de interesses, é alguém que pode e fala livremente e com independência. Além disso, é um homem inteligente e sensato, por que vive bem mergulhado no concreto da vida, não é um papagaio que apregoe ideias parvas sobre o que deveria ser o mundo, antes é uma pessoa que se debruça e se dedica a problemas efectivos, perante os quais interpreta pontos de vista daqueles que usualmente não têm acesso a expressá-los. E tem a coragem de estar do lado dos mais fracos, mesmo quando a contenda se faz com organizações poderosas. Pessoa culta e responsável, será capaz de fazer ouvir muitos dos discursos daqueles que não têm poder nem voz efectiva. Se, por absurdo, fosse eleito, representaria condignamente os mais pobres dos portugueses.
Temos pois que a minha subscrição expressa o apoio a uma voz do contra-poder que tão imprescindível é para a vivência democrática.
Eis como a vida cívica tem coisas engraçadas e eu devo confessar que ao escutar a proposta que aqui me ocupou, dei conta de certa perplexidade interior. Mas pela primeira vez na minha vida tinha ali à mão a oportunidade de fazer algo. Depois reflecti no assunto ao que me ocorreram estas ideias que aqui quis partilhar.
Obviamente votarei nele.”



São Miguel está em alerta vermelho.
Prevêem-se vagas de seis a sete metros.

__________
(1) O periódico regional “Notícias da Moita” para o qual, intencionalmente, a peça em causa foi escrita, embora mais tarde, por motivos óbvios, tenha deixado que a inércia a remetesse para o fundo da gaveta.

Alhos Vedros
00/11/29
Luís F. de A. Gomes

A LIBERDADE ESTÁ A PASSAR POR AQUI

Caros Companheiros:

Como é já do conhecimento de todos o MIC está activo na campanha do referendo sobre a despenalização da IVG, com a posição de voto pelo SIM. Embora também seja já do conhecimento de todos esta a iniciativa do MIC, emLisboa, aqui vão ao coordenadas desta acção.
Hoje dia 30 de Janeiro - 3ª feira, realiza-se em Lisboa pelas 18h30, na Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, Av. D. Carlos I, nº 61, 1ºandar(junto ao Lg. de Santos) um debate aberto a participação de todas as cidadãs e todos os cidadãos, sobre a IVG, com intervenções de Madalena Barbosa, Cipriano Justo, Vasco Freire e Manuel Alegre.

2007-01-29

HOJE "O CLUBE" ESTÁ FECHADO EM SINAL DE TRISTEZA PELO MEU ANJO QUE TAMBÉM ESTÁ TRISTE. SÓ VOLTAREMOS QUANDO A ALEGRIA REGRESSAR PARA QUE SÓ ESSA POSSAMOS PARTILHAR CONNVOSCO.
HOJE "O CLUBE" ESTÁ FECHADO EM SINAL DE TRISTEZA.
Luís

2007-01-28

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

UMA AZEDA À BEIRA DA ESTRADA
Quando se entra em Alhos Vedros, vinda da Baixa da Banheira, é tão bonito de ver as aves colorindo o espelho de água do esteiro.
E com as nuvens espalhadas, intercalando o azul, as asas operantes, reflectidas na superfície líquida, são alegorias de paz, pedaços de felicidade que nos fazem planar na alegria de estarmos vivos.



E a plenitude já, de si, a conheço, vendo a Margarida conviver e brincar com as colegas da sala, sorridente e leve, na tranquilidade de quem goza o afago do carinho e da segurança.



Mas o que é isto?
A Procuradoria-Geral abriu um inquérito ao director de campanha da candidatura de Ferreira do Amaral à presidência da república, por causa de uma queixa do actual Presidente relativa a comentários que aquele fez sobre a sua actuação como chefe de estado e, simultaneamente, concorrente a esse mesmo cargo?
Uma vez que não há ofensas pessoais, uma acusação de que o candidato promove a abstenção será conteúdo para um processo legal? Então e a liberdade de expressão? Por acaso há por aí algum regulamento para o que pode e o que não pode, o que deve e o que não deve ser dito?
É este o exemplo de atitude democrática que o mais alto magistrado da nação pretende dar à população?

Acho tudo isto muito estranho.
Contudo, sou incapaz de deixar de achar que estes são inquietantes sinais da liquidação das instituições democráticas no nosso país. Testemunhamos a passagem para os intérpretes da vida politica dos lobbies sem valores que vão abafando diversos âmbitos da nossa sociedade.

Os exemplos que os media mais destacam são personalidades como Pinto da Costa e Belmiro de Azevedo, a que devemos acrescentar uma parafernália de televisionados que são uma boa ilustração para um país que se afasta dos níveis de bem- estar e qualidade de vida das sociedades mais abastadas.



A Matilde é engraçada.
Gosta de levar brinquedos para o jardim infantil e a areia que, amiúde, aqueles trazem agarrada, são bem a prova que ela os utiliza naquilo que provavelmente é a sua forma de transpor o seu mundo para um espaço de posse conjunta.


Mas é prestável e muito simpática, diz a Paula, a sua Educadora. E de bom grado partilha a tralha, mesmo por empréstimo, para que os outros também se encantem.



E hoje, o Parlamento holandês aprovou uma lei que contempla a possibilidade de eutanásia.
Desconheço os termos daquele e por isso não me posso pronunciar.
Quanto à eutanásia, em geral, devo confessar que nunca reflecti aprofundadamente sobre a matéria.
De acordo com a minha mundivisão particular, não é muito difícil tomar uma posição. Com efeito, tenho para mim que a vida é uma dádiva divina pelo que só Deus lhe pode pôr termo e, em consonância, não posso reconhecer a quem quer que seja –inclusive o próprio- o direito de decidir quando ou se deve aquela acabar.
É claro que se dirá que eu estou a falar de cátedra, pois, na realidade, nunca me vi confrontado, directamente ou por intermédio de alguém próximo, com uma situação semelhante. Mas também é verdade que, se virmos o problema por esse ângulo, poucos serão aqueles que o tratarão com a propriedade da experimentação. Será que só esses poderiam apresentar uma opinião válida e sensata? Pois a mim parece-me que nada me impede de pensar que é sempre possível encontrar um perfume para a alma, ainda que seja máxima e abjecta a prostração –estamos sempre a considerar estados conscientes. Assim, pessoalmente não tenho dúvidas em recusar a eutanásia e em achar que a sua prática é um atentado contra Ele.

Pergunto-me é se tenho o direito de impor as minhas convicções religiosas a alguém. E é justamente a partir daquelas que eu devo afirmar que não posso, não devo possuir, não admissível nem aceitável que eu ou alguém possuamos essa prerrogativa. Antes de mais, o que eu tenho é o dever de reconhecer a todos os meus irmãos humanos a igual filiação divina; até essa indizível encarnação de Samael que foi Hitler, nasceu como tal. Pois nessa dimensão, só posso aceitar o meu semelhante que vive sem se dar que também O transporta no coração. A religião é um assunto privado e quer sejamos judeus, cristãos ou muçulmanos, quer sejamos hindus, budistas ou xintoístas, ninguém pode arrogar-se de ser detentor da verdade absoluta e a ninguém se reconhece e aceita a capacidade de definir qual, entre elas, é a mais conveniente para esta ou aquela pessoa –não sendo essa a sua vontade- para este ou aquele povo; sendo privada, a opção religiosa faz-se no contexto da nossa liberdade individual. Não fosse isto suficiente, que dizer então das ciências e do quanto têm arrancado a humanidade à miséria e à doença? Ora não consta que nenhum cientista tenha necessitado da hipótese divina para comprovar as suas ideias e verificar as suas teorias na compreensão dos fenómenos universais, entre os quais se inclui esta nossa casa cósmica comum e até a nossa própria espécie, bem como as restantes componentes da bio-diversidade.

De tudo isto resulta que se eu tenho o direito de ser pessoalmente contra a eutanásia, não posso, por isso, impedir a outrem que, conscientemente, queira optar pela sua prática.
Depois –e mais precisamente- a legalização da eutanásia não significa que a mesma seja ou alguma vez possa vir a ser obrigatória, mas, tão só que aqueles que a abraçam não sejam penalizados nem estigmatizados pelas leis dos homens.
Esta escolha do parlamento neerlandês deve ser respeitada como uma medida tomada em liberdade e que, adiante, pode, inclusivamente, vir a ser abandonada.

Mas do pais das túlipas que eu tanto admiro, chega-nos um apontamento de frio.



Esta manhã a Margarida fez pinturas e aprendeu uma nova palavra, bota, que, no trabalho de casa, teve de copiar cinco vezes.
À tarde fizeram exercícios com o ditongo ão.



Mas hoje fiquei com uma preocupação que obviamente partilhei com a Luísa.
É que o piolho contou-nos que, no fim do dia, a aula acabou com uma conversa sobre o “Big-Brother” entre os alunos, a Professora e uma das empregadas da escola. De acordo com a narrativa, falaram sobre as personagens e os alunos votaram quem queriam expulsar da casa.

Tanto eu como a mãe achamos isto bizarro e esperamos que não tenha o condão de se repetir muitas vezes pois, caso contrário, teríamos que falar com a Mestra.
Tenho a certeza que estou a sobrerreagiar mas de qualquer forma formulo o meu mais profundo voto para que ela não ache que um achincalho à dignidade humana possa servir de referência para crianças em idade de moldarem a personalidade.



Noites cálidas de Novembro.
Este ano, o Verão de São Martinho veio atrasado em quinze dias.

E sob o Sol desta tarde, já vi uma azeda luzindo num valado junto à estrada.

Mas agora chove; cumpre-se a ameaça que pairou sobre nós ao longo do dia.

Vou à janela para ver.

Alhos Vedros
00/11/28
Luís F. de A. Gomes

2007-01-27


O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

E não é que ontem à noite estive à varanda a ver fogo de artifício?
Foi a prenda do fim de uma jornada de repouso.



Hoje o dia escolar foi dedicado à execução de uma ficha para o livro dinâmico.

E houve trabalho para casa que a Margarida resolveu durante a hora de ginástica da irmã.



As aulas de educação física permitem-me uma boa centena de minutos que eu dedico à leitura, não sem antes verificar com orgulho que as minhas filhas são das poucas crianças que se despem e equipam sem qualquer auxílio do pai.



Edgar Correia e Carlos Brito demitiram-se do comité central do Partido Comunista mas afirmam que se manterão como militantes activos.
Como sempre aconteceu –pese embora o atraso de certos abrir de olhos- no próximo congresso a direcção falará sozinha.
Até que a voz se cale.

E a ironia é que entre nós e infelizmente, é claro, os comunistas ainda acabam por serem necessários aos equilíbrios que a coesão social implica. Assim o exige a pobreza que certas classes trabalhadoras ainda vivem.



Livros escolares da Margarida, III

“As Letrinhas 1”, de Carlos Letra. Edições Gailivro (3ª. Edição), Gaia, 1999.É este um exemplar da primeira tiragem.



E a Margarida que à hora do almoço já me pede para ir para a escola para poder brincar com as amigas, heim.

“-Ó pai e tu escusas de ficar a espera que toque. Eu já posso ficar sozinha.”



Por hoje é tudo.

Alhos Vedros
00/121/27
Luís F. de A. Gomes

2007-01-26

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O pior legado do salazarismo foi a esquerda anti-democrática que temos e que tão perniciosas influências ainda exerce na sociedade portuguesa.
Vinte e cinco após o vinte e cinco de Novembro, os debates sobre os acontecimentos da época deixam perceber que muitos dos responsáveis poucos esforços desenvolveram para entenderem a essência de um regime democrático e, em consonância, como se solidificam os pilares fundamentais de uma sociedade com o mesmo cariz. Há quem mantenha a crença no mundo melhor que aquele golpe teria liquidado e se recuse a perceber que essa história da democracia de base é isso mesmo, uma história, em que, na realidade, mais não se consegue que a tutela mono-partidária para o conjunto do tecido social e que, de resto, essa expressão e capacidade inventiva das populações de que falam se prende à robustez de uma sociedade civil que só se estiver livre dos poderes de estado consegue adquirir a dinâmica e o distanciamento necessários à aconselhável postura crítica e afirmativa dos seus interesses e necessidades.

É isso que explica que hoje em dia se assista a uma tremenda destruição da pouca e débil cultura democrática que, entre nós, ainda assim, se tem vindo a formar e que, face a isso, ninguém manifeste a mínima preocupação, como se os males do mundo em que vivemos justificassem que o recusemos no seu todo e pudéssemos deixá-lo escapar pelo ralo do tempo.

E a verdade é que há máfias que estão a dominar e a submergir amplas áreas da sociedade portuguesa e que, ao acoitarem-se no aparelho de estado e o controlarem, estão a conseguir impor um modus vivendi em que as liberdades ganham a formalidade de não terem efeito quando chocam as conveniências de tão poderosos lobbies.


Hoje em dia já estamos a viver uma caricatura de democracia.



Fez ontem vinte e cinco anos que se pôs termo ao processo revolucionário em curso. Nove anos depois casei-me.
Ofereci à Luísa um óleo representando um ramo de jarros, bonita natureza morts que decidimos pendurar numa das paredes do nosso quarto.



Mas o vinte e cinco de Novembro era inevitável, as populações estavam exaustas com tanta agitação social e não há memória de nenhuma sociedade que tenha sobrevivido a longos períodos nesse estado.

Ainda bem que os militares moderados conseguiram manter as rédeas do poder e souberam evitar a insensatez daqueles que reclamavam uma caça às bruxas.
Se com três mortos ainda hoje as feridas estão tão abertas, com um banho de sangue estaríamos agora a pagar a factura de uma impossível reconciliação social.

Certamente não estaríamos melhor.



Há um cargueiro à deriva ao largo da Inglaterra. Apesar de todos os esforços para o rebocar até um porto seguro, existe ainda a possibilidade de um naufrágio.
Oxalá que tal não se verifique.
O porão está cheio de metais perigosos e tóxicos. Só de magnésio que reage violentamente à água, há várias toneladas em transporte.

Deus queira que não venha a acontecer um desastre ecológico que, neste particular, seria um dos grandes.


Bem, nesta matéria, por hoje já chega o fracasso a que se chegou, na cimeira de Haia, quanto à emissão de gases propícios ao efeito de estufa.


Da parte portuguesa é que nada havia a esperar; somos o país que ultrapassou as quotas de emanações que, já de si, eram as mais generosas dos países industrializados. O que, digo eu, está bem de acordo com a palhaçada de uma república com verdes no parlamento e ministérios do ambiente e do planeamento e que nem por isso se revela capaz de evitar os incêndios que todos os Verões teimam em reduzir a nossa manha florestal, quando até temos aí um dos sectores em que a nossa economia pode ser mais competitiva nos mercados globais.


Nesta história dos verdes, ora aí temos um dos episódios dos nefastos efeitos que uma esquerda não democrática exerce na sociedade.
É que o Partido Ecologista “Os Verdes” nada mais é que um satélite dos comunistas.



Na sexta-feira à noite, o Zé e a Isabel convidaram a Margarida e a Matilde para irem ao cinema na manhã do dia seguinte.
A mais velha, protestando o dever de não faltar à catequese, recusou, mas a irmã aceitou o convite.
E assim, a Matilde viu o “Grinch”, após o que almoçou em Lisboa com os amigos. Só regressou ao lar a meio da tarde.

De acordo com os adultos portou-se bem e tudo correu a contento.


Esta minha atleta pequenina já me entra pelo escritório a assobiar.



E também os hábitos se adaptam às novas condições de quem os tem.
Ao sábado, a leitura do jornal passou para a hora matinal em que decorre a catequese da Margarida.



Ontem, enquanto isso acontecia, a Luísa foi com a minha mãe para escolherem uma prendas de natal que os avós hão-de oferecer às netas.


E depois fomos todos almoçar ao Rosário.



Hoje é que foi um dia de preguiça. Jornais, um livro, conversas de café e em casa e ao fim da tarde jogos com as miúdas.



Agora que a noite caminha para o dia seguinte, vou ver o episódio dos “Ficheiros Secretos” da última segunda-feira.
É que amanhã há mais.

Alhos Vedros
00/11/26
Luís F. de A. Gomes

2007-01-20

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

As migrações sempre foram uma constante na história da humanidade. É claro que há vários motivos que podem estar na base dessa forma de mobilidade demográfica mas, fundamentalmente, a causa principal sempre se relacionou com a procura de melhores oportunidades de sobrevivência. Quando se torna possível o movimento entre duas zonas que funcionem como pólos de atracção e repulsão, independentemente das vontades dos poderes e da abertura das leis, a transferência de populações –a não ser em casos extremos como, por exemplo, a Coreia do Norte- acontece como um fenómeno quase inevitável e só por autismo se pode iludir e fugir a tal realidade.
Mas é justamente por isso que os estados legislam a imigração com o que procuram controlar os fluxos de entrada, com tudo o que pode implicar para os equilíbrios dos tecidos sociais e económicos.
Neste sentido, tenho para mim que o acto de inteligência é aquele que procura manter o fenómeno dentro dos limites socialmente satisfatórios para o país de entrada, mas, simultaneamente, proporcionando a quem chega a aquisição de um estatuto que em nada belisque a sua dignidade.
Pois é precisamente isto que a lei actual, em Portugal, não faz e ao criar dificuldades para a obtenção de um visto de trabalho, temporalmente reduzido, pelo contrário, fomenta a fixação de ilegais, uma vez que não há forma de alterar as pressões do mercado de oferta que, no nosso país, reclama mão-de-obra barata e muito menos para alterar as agruras da vida em estados madrastas para os seus cidadãos, a quem empurram para a venda da força de trabalho em terras estranhas.
Quem ganha com uma situação destas?
Os trabalhadores não são certamente e, no seu conjunto, a sociedade portuguesa também não.
Ganhadores são os patrões que metem ao bolso as verbas que pagariam a nacionais e usufruem da docilidade laboral de quem troca os direitos pelo pão.
Mas antes já ganharam as máfias que aí vêm um bom terreno para extorquirem o dinheiro e o sangue a quem não tem outra forma de ganhar a vida se não a de se sujeitar aos auxílios interessados de mãos tão tenebrosas.
Infelizmente é isto que sucede nesta pátria que já foi de emigração clandestina e tão só há pouco mais de trinta anos.

Ora hoje foram presos, ao que parece, os principais responsáveis por uma rede de mafiosos moldavos peritos no ramo em que se inclui, naturalmente, o subproduto da prostituição.
É um passo, sem dúvida, só que, provavelmente, de consequências práticas irrelevantes.

Eu não acredito que os intérpretes do nosso poder político tenham a coragem de encarar o problema de frente e colocar um ponto final que, necessariamente, chocará com interesses que eles jamais serão capazes de enfrentar, por mais mesquinhos e egoístas que sejam.

Afinal estamos ou não no reino do homo maniatábilis?

Então eu não tenho razão no que digo?
Depois de muito alarido e da responsabilidade claramente recair em outrem, o nosso Presidente da República decidiu estar presente na cerimónia de abertura do Porto Capital Europeia da Cultura –dos bimbos, mas isto não se diz que somos um povo respeitável.



“-Meninos, ouçam com atenção o que a professora vai dizer.” –A Margarida, falando para a irmã, sentada à sua frente e com um banco a fazer de secretária. “-Esta menina (…)” –Referindo a Matilde e na realidade sem qualquer alteração. “-(…) vai ter uma semana de folga, tal como vai acontecer à maioria dos meninos. Uma semana de folga como prémio.”
Enquanto a mais nova dizia que sim com a cabeça e sorria, o pai que lia o jornal, intrometeu-se na brincadeira:
-É pá, grande escola essa. Então e os pobres coitados da minoria não têm folga?”
-Os outros não têm folga porque não têm feito os trabalhos e por isso têm que vir à escola nestes dias para acabarem tudo o que têm deixado por fazer.”



Não foi só em Moçambique que se silenciou a voz de um jornalista que denunciava a greve económica do país.
Ontem, a ETA matou quem teve a coragem de escrever contra a falsa áurea heróica que aquele grupo terrorista teve nos anos iniciais.

E no Kosovo, lá foi um conselheiro de Ibraim Rugova para o maneta.



Hoje o dia foi solarengo e os verdes, ontem tão carregados de melancolia, abanado ao vento, apresentaram-se com uma alegria renovada.
E no chão, testemunha da tormenta, amarelecem as folhas de quem se despe para que, depois da lavagem dos ramos, possa esperar pela próxima Primavera.



Guterres recupera nas sondagens e o comentador de serviço, António José Teixeira, vem dizer aos microfones da TSF que a queda de Paulo Portas revela que o eleitorado apoiou a atitude do deputado Campelo.

Pudera, ou não fossemos nós um país de clientelas.



E no “Público” continuam as entrevistas a personalidades de certo modo envolvidas nos acontecimentos que culminaram no vinte e cinco de Novembro.
Depois de ler as respostas do cónego Melo e, hoje, as de Vasco Lourenço, cada vez mais me convenço que a extrema-esquerda foi levada a espoletar uma situação que permitiu à linha moderada do MFA pôr um ponto final no PREC.



Esta manhã houve cópia e leitura e à tarde os alunos escutaram a história do “Alfaiate Valente” e fizeram recortes a esse respeito.



Acabei de ler um livro magnífico de François Jacob em que fique a conhecer como evoluiu o conhecimento e a investigação no domínio da biologia molecular, mas onde também aprendi, uma vez mais, a ver a singularidade da vida e a sua grandeza de fenómeno eventualmente irrepetível, cuja diversidade só tem paralelo na importância do seu equivalente ao nível cultural.
No que particularmente mais me interessa, está a bissectriz que aí se traça entre o eugenismo de Sir Francis Galton e a Shoah. (1)

E o Autor escreve com uma elegância…

Permito-me deixar uma breve citação:
“Para a humanidade, o perigo fundamental não é o desenvolvimento do conhecimento. É a ignorância.” (2)



Comemoram-se os vinte e cinco anos do reinado de João Carlos I, rei de Espanha e dos espanhóis, que, na História, ficará conhecido como o período de democratização desse painel de nações que é o país vizinho, de que eu tanto gosto e onde me sinto em casa. O homem, esse, será apontado como o responsável pelo lançamento do período de transição e aquele que, face à tentativa de um golpe revanchista, foi o garante da opção que os povos tinham acarinhado pela expressão do voto, isto é, a democracia.

Que melhor referência pode um Rei ter nas páginas do porvir?



Esta manhã, as primeiras notícias que ouvi, depois de deixar o meu amorzinho na escola, davam conta de tiroteio em Bissau.
Ao fim do dia, as tropas governamentais controlavam a situação e os revoltosos estavam acantonados e sitiados numa base aérea.
Esperam-se as cenas seguintes com a apreensão de uma população que, entrementes, abandonara a cidade em busca do refúgio e da segurança do campo.



E a noite suspensa no monólogo de uma trompete melancólica, deixa-me levitar no infinito dos minutos que me hão-de separar da interrupção provocada pelo sono.

Pois assim vos deixo com este silêncio das estrelas.

__________
(1) Jacob, François, pp 114 e ss
O RATINHO, A MOS E O HOMEM
(2) idem, ibidem, p. 182

Alhos Vedros
00/11/23
Luís F. de A. Gomes

CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA

Jacob, François- O RATINHO, A MOSCA E O HOMEM
Tradução de Margarida Sérvulo Correia
Revisão do texto por José Soares de Almeida
Gradiva (1ª. Edição), Lisboa, 1997

2007-01-17

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

UM DIA DE CHUVA
Perto de Bissau, em Mansoa, houve tiroteio entre militares aparentemente adversários.
O novo senhor da guerra Ansumane Mané, tentou desarmar tropas leais ao governo e ao Presidente da República, Kumbaialá e daí a voz das balas.

Pode aquele reunir forças que consigam derrubar um executivo saído do voto popular? Pode, até pelo facto de ser o mesmo que já liderou a revolta que, há uns anos atrás, pôs fim ao regime que encarnou a chefia despótica e corrupta de Nino Vieira.
Seria bom que isso acontecesse? Não. As instituições precisam de tempo para se sedimentarem entre as populações, mormente o hábito de eleger e, por essa via, apear os governantes. Houve eleições e, se se exigir que as coisas corram normalmente, voltará a haver. Ora a interiorização da democracia deve começar por alguma ponta e se considerarmos que a isso está inevitavelmente ligada a liberdade de expressão e pensamento, teremos aí um bom sistema de referência a partir do qual se pode deixar crescer e amadurecer a sociedade civil onde, havendo abertura económica, surgirão os empreendimentos vários que podem dar corpo ao mercado livre, a um nível, e, de modo geral, a uma sociedade aberta.

Estarei a sonhar? Estarei no domínio de uma utopia?
Quem sabe.
Afinal, as democracias ocidentais estão a submergir sob o poder e a influência de lobbies que, pelo menos por ora, ninguém controla e que se revelam capazes de impor as suas vontades e interesses aos tecidos sociais.

Seja lá como for, ao Ocidente compete pressionar no sentido em que falámos e quanto a Ansumane Mané, que é auto-proclamado comandante supremo das Forças Armadas, fazer-lhe ver que o seu aventureirismo apenas poderá conduzir o país para uma situação de completo isolamento, com todas as consequências daí provenientes.



Mas hoje tivemos um dia de terrorismo.


Em Espanha, na capital da Catalunha, a ETA voltou a matar; a vigésima primeira vítima em um ano, desta vez o ex-ministro da saúde dos governos de Fílipe Gonzalez.

Na outra ponta do Mediterrâneo, a guerra manifestou-se fora dos territórios controlados pelas autoridades palestinianas. É o que indica um atentado levado a cabo em Telavive, em que o carro armadilhado explodiu junto de um auto-carro, provocando mortos e várias dezenas de feridos.

E em Moçambique, um jornalista incómodo foi alvo de uma emboscada em que encontrou a morte.



Enquanto isto, ao tempo que o Supremo Tribunal da Florida se pronunciou a favor da recontagem manual dos votos, a comunidade portuguesa da África do Sul volta-se a manifestar contra o crime e a violência.



Inadmissível, é o mínimo que se pode dizer perante a suspensão das actividades escolares devido à chuva ter inundado as salas de aula. No entanto, foi precisamente isso que aconteceu na escola da Margarida que, por esse motivo, gozou de uma folga inesperada no turno da tarde.

Na parte da manhã, houve tempo para a realização de cópias de frases e de um desenho.



Herberto Hélder fez setenta nos de idade.
“Sei que os campos inventam as suas próprias rosas.”



Hoje o Sol esqueceu-se de nós, intrigado que esteve com a consistência de um cinzento que jurou fazer as árvores pingarem todo o dia.

Alhos Vedros
00/11/22
Luís F. de A. Gomes

2007-01-16

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

A Rússia vai investir na chamada energia limpa.
Quando? Como? Qual ou quais? Com que propósitos?
Não se disse.
Que se trata de uma proclamação que a conferência das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, disso ninguém tem dúvidas.

Mas que o futuro passará obrigatoriamente por aí, também não.



Já percebi que a Margarida aprecia a pausa para o almoço pela possibilidade de brincar em casa que, então, se apresenta inteiramente à sua disposição.



Neste país de rasa pata
o senhor candidato ofendeu
aquele que se candidata
e que bem fala como Orfeu.



E depois de críticas e contra-críticas, demissões e abjurações ortodoxas, Carlos Carvalhas, o secretário-geral, saiu em defesa de Álvaro Cunhal.



Kumbaialá, Presidente da República, eleito por sufrágio directo e universal, ficou refém de Ansumane Mané, o homem da guerra, herói auto-proclamado.
O primeiro tomou medidas que o segundo desfez para além de pretender que aquele só pode fazer o que ele consentir.



Hoje de manhã, depois de exercícios com palavras, houve mais um espaço para a religião moral católica em que os alunos fizeram recortes.
À tarde realizaram mais uma ficha para o livro dinâmico que consistiu em escrever e ilustrar uma série de palavras derivadas daquelas que já foram objecto de estudo na aula.



A Margarida já lê sozinha.

Alhos Vedros
00/11/21
Luís F. de A. Gomes

2007-01-14

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Cruzando as respostas de Carlos Antunes –ex-dirigente do PRP-BR- e do General Ramalho Eanes em entrevistas ao “Público” do último fim-de-semana, fica a leitura de que o avanço das tropas afectas ao grupo dos nove foi uma resposta ao que se pensava poder vir a ser um golpe da extrema-esquerda.
Para meu olho, de certa forma, fanfarrão, o dirigente revolucionário, ainda que reconhecendo, implicitamente, que o seu partido não tinha expressão nacional, afiança que a esquerda mais radical –que ele limita à sua organização e satélites- esteve em condições de tomar o poder, no que a mim me parece uma emanação do autismo de se confundir a lealdade de uns quantos militares e de, eventualmente, uma ou outra unidade operacional com a capacidade de fogo suficiente para impor uma derrota militar à contra-ofensiva que, necessariamente, se levantaria.
Seja como for, o General Eanes também nega a responsabilidade do PCP no levantamento dos pára-quedistas em 25 de Novembro e adianta que o receio dos moderados se virava para os aventureirismos bélicos de certos sectores mais extremistas.

Quanto a mim, está por apurar o papel da inteligência militar de certas potências ocidentais que levaram à criação do cenário que permitiu aos moderados arredarem os comunistas dos circuitos do poder sem que se tenha caído na vendetta que, obrigatoriamente, redundaria num banho de sangue.
Engraçado terá sido, afinal, o papel de certos dirigentes do MRPP já que, de acordo com Eanes –e não me parece que, neste aspecto, seja homem para faltar à verdade- afinal mais não fizeram do que cumprir o papel de espiões, para não dizer bufos.
A verdade é que eles estão aí, vivinhos da silva, bem colocados no poder e em tantas áreas de influência. Querem ver que eram todos geniais?



Esta tarde, a pedido da Margarida, a mãe ficou à espera das miúdas durante as duas horas de ginástica.

Eu vim para casa ler.
E preparei os banhos dos meus amores mais pequeninos.


Deitar cedo e cedo erguer…



O Supremo Tribunal da Florida está a decidir se a recontagem dos votos é ou não possível.
Em caso negativo, amanhã saber-se-à que George W. Bush venceu as eleições. Contrariamente, teremos que esperar os resultados desse novo processo para que então seja conhecido o vencedor.


Depois de dezenas de eleições em que esta situação já acontecera por uma ou duas vezes, entre nós, não faltam os iluminados que atribuem o bloqueio ao sistema de eleição indirecta do Presidente.



“-Oh pai. Ainda há bocado a Sara emprestou-me um afia e, de repente, eu estava no quadro, um rapaz passou e tirou-mo, mas eu não vi quem foi e eu pedi desculpa à Sara e disse-lhe que lhe comprava um afia igual. Mas eu não tive a culpa, eu não vi quem foi o menino que me tirou o afia.”



De acordo com o deputado europeu José Pacheco Pereira, falando na rádio, as manifestações reprimidas pelo poder, em Moçambique, tiveram como espoleta o facto de o socorro às províncias vitimadas pelas cheias ter sido preferencial para aquelas que votaram no partido do governo em detrimento daquelas que preferiram a oposição.



Hoje de manhã os alunos fizeram mais uma ficha para o livro dinâmico e à tarde realizaram exercícios em torno do número zero.



Começou a campanha de Jorge Sampaio a um novo mandato em Belém.
Hoje esteve num jantar com personalidades do desporto.
Não reparei em que canal, a reportagem apresentou um jornalista a narrar o acontecimento tendo como pano de fundo, sentados, à mesa, Reinaldo Teles e Pinto da Costa. É claro que isto aconteceu por acaso.

Pois isto é a melhor prova que um certo lobbie do Porto continua satisfeito com o que o Partido Socialista tem para lhe dar.



Bom e agora vou namorar a Luísa.

Alhos Vedros
00/11/20
Luís F. de A. Gomes

2007-01-13

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

MÚSICAS E DESCANSO
Domingo polvilhado por um tecto monocolor e incapaz de sombrear as cores ensimesmadas.



É bom ter uma casa confortável e espaçosa em que nos movimentamos com o à vontade do aquecimento primaveril.

E a companhia da Margarida, escrevinhando, por brincadeira, enquanto a Matilde sossega com a sesta.



O General Ramalho Eanes recusou a promoção a Marechal por a achar imerecida.
Trata-se de um gesto de grandeza.
Veremos é se não traduz o cálculo de quem quer aquecer os motores para a grelha de partida para as presidenciais que se seguirão ao mais que previsível segundo mandato do Presidente Jorge Sampaio.
O homem que já esteve por duas vezes naquele cargo e que quis ser Primeiro-Ministro por se achar portador de um projecto renovador para a democracia portuguesa, sendo ainda relativamente novo, é muito bem capaz de pretender voltar a ter algum poder que lhe permita gravar mais fundo a sua passagem pela história deste regime que teve a sua fateixa decisiva com os acontecimentos militares de vinte e cinco de Novembro.
O tempo falará por ele.



“-Qual é o fruto começado por a que tem casca e é amarelo por dentro?” –Perguntou o piolhinho.
“-É o ananás.”
“-Certooooo!”

Brincadeiras matinais numa cama de mulheres e o pai escutando ao ritmo da lâmina de barbear.



Ontem foi o que se pode chamar um sábado musicalmente multi-cultural.


À tarde os pais estiveram de folga para assistirem ao musical da Brodway, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.

“Chicago”, uma encenação original de Bob Foss, o mesmo dos filmes “Cabaret” e “All That Jazz”, que nos proporcionou duas horas de música dos anos vinte e dança de clube nocturno, com o que nos contou a história do julgamento de um homicídio perpetrado por uma corista na pessoa de um dos seus amantes.

No seu todo o espectáculo foi bom e muito agradável. Bem cantado e com boas representações ao nível da dança e da própria dramaturgia, teve um suporte orquestral de músicos de primeira qualidade.
Pessoalmente fiquei apenas com a impressão que o palco, por demasiado pequeno, atrofiou um pouco o impacto do show.

A Luísa gostou mais do que eu, mas ambos saímos com o papo cheio da matiné.

E é engraçado como a história que satiriza o american way of life e o seu sistema de justiça, consegue sugerir ambiências pelos efeitos de uma cenografia feita de luzes, levando-me a recordar, não sei porquê, Jonh dos Passos.


À noite fomos ouvir música cabo-verdiana no Grupo Recreativo Familiar, no Bairro Gouveia, aqui, em Alhos Vedros. Aí, a família foi completa.
Serão de conversa e sonoridades para os pais e brincadeiras para as filhas que logo se amigaram com os filhos –melhor seria dizer as filhas, já que apenas de meninas se tratavam- de outros casais presentes.
E depois do embalo de uma boa dúzia de mornas muito bem interpretadas, terminámos com sessão de gaitas de foles galegas.

Foi mais uma das noites de lua cheia da CACAV e quando saímos da sala, passava da meia-noite e meia, ainda se preparavam mais um ou duas surpresas musicais.


O Grupo Recreativo Familiar é uma colectividade que ainda mantém a dimensão e as características de pequena associação em que os directores fazem todo o serviço e o Presidente, para mostrar carisma e índole industriosa, se vê forçado a lavar pratos no bar.
Mas presta serviços de convívio e culturais e desportivos à população residente. Após um período em que, na ressaca das conturbações revolucionárias, andou um tanto ou quanto à deriva, recuperou com o querer de alguns sócios e, nos últimos anos, voltou a respirar uma dinâmica de casa cheia.
O meu tio Lino que Deus tem, foi um dos fundadores, no início da década de quarenta, quando o bairro começou a ser polvilhado pelos pisos térreos que lhe traçaram a geometria rectangular da urbanização.
Desde sempre, aquela colectividade funcionou como um pólo aglutinador e socializador de uma população predominantemente composta por imigrantes.



E hoje o dia fez-se de repouso e jornais, com um jogo com a Margarida como intervalo de um longo exercício de trabalho para casa.



À levrinha da luz coada seguiu-se a quietude do nevoeiro da noite.



Nevoeiro de onde saíram os milhares de manifestantes que, em Madrid, hoy, recordaram Francisco Franco no vigésimo quinto aniversário da sua morte, depois de ontem, no Vale dos Caídos, ter sido feita em missa em sua memória e da sua alma.
A velha falange saiu à rua e falou de Espanha, da lealdade para com a Pátria e a grandeza de por ela dar a vida, não por uma democracia que acusaram de ser responsável pelos crimes de terrorismo.
E apesar das saudações de braço e dos cânticos guerreiros dos saudosos da ditadura, nada de anormal se passou e depois do desabafo todos voltaram em paz para casa.

Grande e robusta é uma democracia em que isto é possível, sem constituir qualquer perigo para a continuidade do regime.



E Bill Clinton, na companhia da filha, quebrou o protocolo e recebeu um banho de multidão na cidade de Ho Chi Min, a antiga Saigão, hoje um exemplo coexistência de um certo capitalismo tutelado com as estruturas de um poder comunista, pelo menos, para já, inamovível e ciente de saber guardar os aspectos mais importantes da ortodoxia.



Acabei de ler “Cartas a Sandra” de Virgílio Ferreira, um dos seus últimos trabalhos.

É uma história de amor de tempos de pudor sublimado e proporcionalmente empestados de hipocrisia na razão inversa da fraqueza. Mas o efeito dos monólogos epistolares é agradável e poético e –no que o Autor sabia de melhor- está cheio de imagens e metáforas cativantes.
“Assim o calor me adormenta num conforto de refúgio (…)” (1).
“(…) o calor me adormenta (…)”, não é bonito?

Com um final à William Golding que usara já uma abrupta interrupção do texto para separar dois capítulos (2), é um dos livros do nosso filósofo romancista que, a ser lido, há-de ser motivo de interrogação para uma qualquer curiosidade futura.



Depois das últimas acusações, vinda a lume na imprensa, de a sua campanha presidencial ter sido paga com dinheiros do narcotráfico dos cartéis colombianos,país onde, precisamente se refugiou Montesinos, o responsável por apoio tão caricato, Alberto Fujimori parece que vai sair até à próxima terça-feira.

Até lá, ainda tudo pode acontecer.

Uma coisa é verdade, o peru é um caso de como as ditaduras militares fizeram regredir um país.



Também nós corremos esse risco.

__________
(1) Ferreira, Virgílio, p. 98
ibidem
(2) Golding, William, p. 16
Abordagem

Alhos Vedros
00/11/19
Luís F. de A. Gomes


CITAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

Ferreira, Virgílio- CARTAS A SANDRA
Bertrand Editora (6ª. Edição), Lisboa, 1999
Golding, William- ABORDAGEM
Tradução de Daniel Gonçalves
Difel, Lisboa

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

HISTÓRIA DA TERRA ENCANTADA
2
É verdade.
A distância da translação terrestre é apropriada para que o Sol aqueça a Terra da forma conveniente. Parece que pelo acaso de colisões cósmicas, o nosso planeta adquiriu a inclinação que lhe conhecemos e que aquele movimento mantém e por isso o aquecimento é diferencial, variando em função da latitude, isto é, diminuindo da faixa central para os pólos, com isso, durante uma parte do ano aumentando as temperaturas num dos hemisférios, repetindo a operação para a semi-esfera antípoda ao longo da outra metade da anuidade. Assim, nas zonas temperadas existem meses de máximas e mínimas temperaturas, intervalando, entre si, com outros em que se verifica o aumento ou a diminuição dos valores das temperaturas médias. É isso que materializa o Verão ou o Inverno, a Primavera ou o Outono.
Mas é uma constância desse aquecimento ou, se quiseres com mais precisão, a expressão desse aquecimento que confere o bom peso ao oceano atmosférico em que se abriga a vida; isto nem falando na dinâmica física que tais índices térmicos provocam naquele sistema.
Ah sim, nem sempre a nossa atmosfera teve a composição actual, mas sempre foi o calor que manteve a pressão nos valores propícios ao aparecimento e expansão dos organismos vivos.
Claro, já o tinha dito, o ar também é importante nesta questão do aquecimento pois é nele que o calor se consubstancia ou, se preferires, é aí que ele se armazena. A superfície do planeta, em si, devolve praticamente toda a quantidade recebida. É o ar que mantém esse tal mínimo de calor necessário aos ecossistemas terrestres.
Lá estás tu com as tuas perguntas. Porque é que não esperas pelo fim da história e indagas depois? Seria mais fácil, não? Mas seja e em boa verdade se diga que não é difícil perceber o porquê dessa propriedade da atmosfera da Terra reter o calor. O facto é que há gases que o fazem melhor que outros. Aqui, as proporções entre eles permitem médias térmicas que conhecemos e experimentamos. Em outros planetas sólidos não é assim. Tanto Marte como Vénus são rochosos, à semelhança desta nossa casa cósmica e ambos possuem atmosferas. No entanto, a escassez de bons retentores fazem as elevadíssimas amplitudes térmicas do primeiro, ou sejam, as grandes diferenças entre os valores máximos e mínimos, o que por sua vez provoca aquele aspecto de mar de pedras e areias que tem a sua superfície. Trata-se do efeito da destruição das rochas pela acção da termoclastia isto é, a alternância entre o calor e o frio que ali chega a atingir a ordem das centenas de graus centígrados. Ao invés, pela preponderância exagerada –salvo seja o epíteto- de gases que retêm bem o aquecimento, o ambiente do segundo é verdadeiramente infernal. É um caso de efeito de estufa sem canais de escape.
É o nome que se dá justamente ao fenómeno de retenção do calor atmosférico junto à superfície do planeta.
Pois bem, em Vénus, para além de permanentes, as elevadíssimas temperaturas são suficientes para derreter chumbo. Não é impressionante?
Estás a ver como o ar também é importante?

2007-01-12

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Vivemos num país canalha.

De acordo coma interpretação dos juízes do supremo tribunal que, alegadamente, apenas se limitam a respeitar a lei, os atrasos nos processos decorrem de defeitos do sistema, pelo que uma boa mão cheia de batatas quentes correm o risco –para os prevaricadores dir-se-à que têm a possibilidade- de serem arquivados.
Não, não, não estão a ler mal. Casos como os da corrupção nos cursos pagos pelos fundos sociais europeus, como aconteceu na UGT e que envolveram montantes bastante elevados, ou o das mortes infantis num aquaparque, em Lisboa, ou sempre que estejam em causa arguidos com poder suficiente para conseguirem o protelamento das situações, em tais circunstâncias fica certa e sabida a prescrição do que, na prática, se traduz por um estatuto de impunidade para os mais fortes.

Pode não parecer, mas daqui à Somália está o fio de uma navalha.

Alguém de primeiro plano, entre os causídicos, apontou o dedo a Cunha Rodrigues, o anterior Procurador-Geral da República, com um dos responsáveis pelo estado a que se chegou.
A verdade +e que neste momento isso já de muito pouco serve.

Mas o que a mim me magoa e simultaneamente aterroriza é o aparentemente tão estreito corredor que a jurisprudência tem construído entre nós. Afinal, ainda fala alto uma cultura inquisitorial que tão bem se acomodou a uma tradição de tribunais plenários.


Os portugueses caminham no sentido inverso da civilização.


E a gracinha não fica por aqui.
Ao adquirir a Lusomundo através da Portugal Telecom, o governo como nacionalizou importantes órgãos de comunicação social. A TSF é um exemplo. Imagine-se essa estação de rádio à mercê de um Jorge Coelho.

Mas não se apoquentem, Guterres é mais esperto do que isso -é ver a subtileza como a guerra de interesses que de Fernando Gomes fazem testa-de-ferro está a levar a um equilíbrio que a todos dá de comer- e sabe que não necessita de ser ele o dono; no reino do homo maniatábilis há sempre uma forma de peneirar a realidade pelos discursos que se ouvem nos media. E depois também já percebeu que precisa de terrenos para vender, caso contrário não terão dinheiro suficiente para continuar a mandar a orquestra tocar. Há que semear as mais-valias.



Dia solarengo mas frio. Depois de sentir uma baixa acentuada da temperatura, após o almoço, vesti a primeira camisola deste Outono.



Eu é que desde que a minha secretária adoeceu, tenho andado numa verdadeira roda-viva. Pudera, uma miríade de pequenas coisas que se prendem com a gestão financeira e contabilística da empresa e que me chegavam prontas para a vistoria e o aval, sou eu que me vejo forçado a fazê-las. Há dias em que só por um grande esforço tenho ânimo para manter a escrita em dia. Mas não tenho alternativa e sei, de experiência feita, que o corpo humano tem energias que a normalidade desconhece. E encomendo-me a Deus, rogando para que eu me deixe iluminar pela Sua infinita sabedoria.

Ontem, face ao esgotamento do material de leitura, ainda encontrei a oportunidade para entrar apressadamente numa livraria. Depois de me esclarecerem quanto à inexistência de William Golding, topei um desconhecido de Virgílio Ferreira que iniciei na espera que as aulas de ginástica implicam.
Parece-me que se trata de um romance de amor segundo o método da epístola.
A óptica do nosso existencialismo sobre o tema.


Mas antes de jantar, enquanto as miúdas, brincando, gargalhavam no quarto, passei para a disquete a minha próxima crónica no “Notícias da Moita”.



Porque escrevo num jornal local?
Acredito que a imprensa local e regional é um bom veículo de afirmação da sociedade civil, além de ser um modo de as populações se informarem sobre as áreas da sua residência.
Não fosse isso muito e ainda considero o facto de aquele quinzenário ser uma simpática publicação que, em condições um tanto ou quanto adversas, mantém bem direita a espinha de uma liberdade imaculada. E por isto eu sinto-me honrado por ali escrevinhar uma pequena coluna.

O Sr. Elias Torres, seu fundador e director, homem que teve a coragem de responder ao despedimento com uma obra destas, merece-me o mais profundo respeito e a mais elevada consideração, quer pelas provas que particularmente me deu quanto à conta em que me tem, sobretudo pela verticalidade com que tem definido e praticado uma imprensa livre. E devo reconhecer o quanto aprendi com ele no que concerne à composição de uma mensagem clara e objectiva.

E sem imodéstia nem falsa consciência, é a minha forma de publicamente exercer a cidadania.

Só a patetice tomará isto por idealismo ou fantasias.

A menos que seja natural e conscientemente anti-democrático, é claro.



A Paula que já foi educadora da Margarida e agora é a da Matilde, diz que a minha filha mais nova é muito simpática e alegre, sempre disponível para com os outros miúdos e ainda mais pronta para a brincadeira. Diz que é uma criança despreocupada mas que revela grande autonomia. E se está para aí virada, caso contrário nada feito, empenha-se a sério nos trabalhos que lhe solicitam e que ela executa com a máxima concentração.

Sabe bem surpreendê-la, ao almoço, só para lhe dar um beijinho e receber o troco do brilho que um sorriso satisfeito projecta no olhar.



“-Oh pai, já podes ir embora. Estão ali as minhas amigas e nós vamos lá para trás brincar.” –Disse-me a Margarida, gesticulando para me dar um beijo. “-Mas não te atrases quando me vieres buscar.”



Travagem brusca e derrapagem em acto continuo seguida de choque.
Acabei de ouvir um acidente numa das ruas vizinhas.



Bill Clinton despede-se da presidência com saldo positivo.
E acabou por encontrar a cereja para o bolo com a visita ao Vietname. É o lançamento de uma ponte de que brotarão os bálsamos para que sequem as feridas de uma das guerras mais contestadas do século vinte.
É um gesto de paz que sempre calha bem e que nada tem de hipocrisia.

Aquele que na juventude se recusou a combater, é o melhor protagonista para uma reaproximação sincera.



Hoje os alunos fizeram jogos com palavras, a união de grafias em maiúsculas com as correspondentes em minúsculas e escreveram e leram frases como, por exemplo, a menina tapa o pote.
E há trabalhos de casa no fim-de-semana.



Ainda que o dia tenha estado bonito, estamos a entrar no mês de que eu menos gosto ao longo do ano.
Até que os dias voltem a crescer.

Alhos Vedros
00/11/17
Luís F. de A. Gomes

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Hoje à tarde houve sessão de higiene pessoal, com a presença de uma técnica creditada que, entre outras coisas, falou aos alunos sobre os piolhos.
De manhã continuaram os exercícios com a grafia e a leitura de palavras, ilustradas pelos desenhos correspondentes.



Há um certo anti-americanismo primário em muitos dos comentários que se fazem ao impasse na eleição presidencial e a todo o cortejo de mal entendidos e pontapés na democracia que o acompanha.
E ninguém parece estar a reparar que o sistema tem contra-pesos suficientes para que, daqui a quatro anos, os tempos maus levem um chuto no traseiro.

Seja como for, a humanidade podia ser poupada a estes revezes da civilização democrática.

Alhos Vedros
00/11/16
Luís F. de A. Gomes

2007-01-10

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

SINAIS PERTURBANTES
Mau! No regresso a casa, depois da aula de ginástica, não é que a Margarida me disse que, na escola, brincaram aos namorados?

É claro que estamos no contexto da inocência infantil e eu sei que tais relacionamentos são tão naturais, entre os humanos –salvo seja a expressão- como a sede; ainda que na comparação estejamos a usar um termo cultural e um outro do domínio da biologia humana.
Eu sei isso tudo e também sei que sempre procurarei encarar este assunto através das lentes da racionalidade e nunca através dos filtros dos sentimentos.

Mas há perturbação, sob o efeito daquelas palavras, no entendimento, sente-se no peito um pequeno formigueiro repentino e quase instantâneo.



Contudo, há deleite na nostalgia que nos atravessa ao olhar a vida fruir.



Alguém, na Câmara Municipal do Porto, teve uma ideia genial. Para que as cândidas vistas das pessoas mais velha com valores mais sensíveis ao recato se não inquietem pelo efeito de cenas menos abonatórias e mais apropriadas ao escarlate das faces quando o espanto desfigura o rosto, de resto, em nome da decência e dos bons costumes, do Executivo camarário emanou a norma que preconiza a proibição de certas manifestações entre namorados, nos jardins do Palácio de Cristal, o que levou os seguranças a impedirem que alguém se sente no colo de outrem. Nem mais nem menos, é proibido namorar, logo num recanto da cidade que tanto convida à ternura, seja em que idade for.
Instada a justificar-se, aos microfones da TSF, a Vereadora da cultura, a Senhora Manuel de Melo, não só confirmou a genialidade, como justificou do modo que se disse e ainda teve o descaramento de sublinhar que pode haver algum excesso de zelo por parte dos funcionários, alguns dos quais, na boca da ilustre autarca, pouco preparados para distinguirem uma atitude menos própria da outra facilmente tolerável. No fundo, temos no espírito uma polícia de costumes.

Só espero que muitas centenas de jovens se juntem e se manifestem ao colo uns dos outros, precisamente naqueles jardins, isto é, cheguem e sem quaisqueres palavras se sentem sobre as pernas do parceiro respectivo.


Pela minha parte, já sei onde irei namorar na próxima oportunidade que tenha para ir ao Porto.



Não sei onde a Matilde ouviu que as pessoas morrem quando o coração pára, mas tanto ontem ao deitar, naqueles entrementes carinhosos que antecedem o último beijo do dorme bem e ainda há pouco, ela fez-me perguntas sobre a relação entre a paragem do comboizinho de corda e a morte e extrapolou conclusões acertadas a respeito daqueles que lhe são mais chegados.

Que me recorde, a irmã, com a mesma idade, nunca manifestou este tipo de preocupações, mas sei como as comparações são, tantas vezes e a este nível, abusivas. E não sou capaz de decidir ou não pela normalidade da situação. Em todo o caso, um pouco de atenção não será, de todo, algo insensato.

Atribulações da educação.



Ai que impressão que me metem as cogitações socialistas.

Ora esta, o seu grupo parlamentar quer aprovar legislação em que se impunha o voto secreto nas magnas decisões dos partidos políticos.
Mas o que é isto?

Será que a seguir irão legislar sobre a dimensão das janelas das sedes?


José Luís Judas que já se declarara candidato a um novo mandato à frente da Câmara de Cascais, finalmente comunicou que tal não irá acontecer. Recorde-se que o ex-comunista, ex-sindicalista, ex-plataforma de esquerda e agora ex-recandidato, não é mesmo nada ex no historial de medidas e negociatas não muito bem contadas.
E eu digo. Se calhar quer um convite formal que lhe reforçaria o poder. No entanto, pode muito bem acontecer que se sinta satisfeito com o que fez e o legado que deixará.

Veremos se não passará a dedicar-se aos negócios.
Seria a cereja no bolo que festeja a carreira de um homem com uma verticalidade tão bem vincada.



No ranking da FIFA para as selecções nacionais, Portugal está em sétimo lugar.
Uau! Ondulou de norte a sul do país.
Pudera, cada vez mais os pais sentem que uma boa forma de os filhos singrarem no mundo competitivo da globalização é, precisamente, o serem bons em alguma especialidade.
Vejam lá se queriam que os portugueses pensassem nas ciências.



E hoje os alunos tiveram uma manhã de trabalho livre em que escreveram palavras a seu gosto e segundo as suas capacidades.
à tarde tiveram uma visita de uma médica dentista que lhes ensinou os rudimentos da higiene oral e lhes distribuiu uma escova e uma pequena pasta de dentes.


Será que na Dinamarca também se fazem campanhas destas?


E trouxe uma figura de um menino a lavar os dentes para pintar em casa, coisa que ela fez enquanto decorreu a hora de ginástica da irmã.



Stephen Jay Gould defende a tese segundo a qual não existe progresso ao nível da história da vida.

Há muito que penso o mesmo no plano das culturas humanas; aquele tem sempre um cariz concêntrico, pois é definido em função de um dado momento que, inevitavelmente, é tomado como o ponto mais avançado.

Deixo-lhes esta citação incerta na página duzentos e dez que acabei de ler.

“Os seres humanos encontram-se aqui pela sorte dos dados, e não pela inevitabilidade da direcção da vida ou do mecanismo da evolução.”



Fiquem com Deus.

Alhos Vedros
00/11/15
Luís F. de A. Gomes

2007-01-08

SHALOM ALEIKHEM!

Não importa como foi o teu 2006.
2007 será melhor.
Imagina um mundo em que a
paz terá a sua oportunidade.
Obrigado ao Luís Santos, irmão de longa data que nos fez chegar uma actuação tao bonita e cheia de esperança.

2007-01-07

PARA OS QUE SÃO DE CÁ...

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Estão a ver como se governa?
Anuncia-se o prolongamento da malha do metropolitano da grande Lisboa, no caso concreto a extensão da linha azul até à Amadora, leva-se o ministro da tutela a inaugurar o lançamento público do chafariz, perdão da ideia e, surpresa das surpresas, aparece o primeiro-ministro para que o povo possa gabá-lo, diante das câmaras do telejornal público, é bom de ver.

E assim será até que a maioria lhes caia nas mãos.



Terça-feira cinzenta e fria.

Noite de leitura e reflexão.



Hoje os alunos fizeram exercícios com a palavra sapato e com as combinações da mesma com o vocábulo menina.
Na parte da tarde fizeram uma ficha sobre o algarismo quatro, agrupando o mesmo número de membros em diversos conjuntos e grafado aquele símbolo.

Não houve trabalho para casa.


Ao almoço, a Margarida estava a aflita por não ter feito dois ou três pés sobre a linha e, em vez de ter respeitado três linhas entre as duas palavras, ter deixado apenas duas.



A BSE continua a ser um problema na Europa.
Por cá, perante as notícias a respeito daquela doença, a tão grande preocupação das autoridades mais responsáveis faz-nos temer o pior quanto ao consumo da carne de vaca.

Na nossa casa, há vários anos que damos preferência aos ovinos e suínos.



“-Oh pai conta-me uma história da Anita.” –Pede a mais novinha com uma doçura irresistível.


E depois vamos para a caminha.

Alhos Vedros
00/11/14
Luís F. de A. Gomes

2007-01-05

CORRE PÉ

O DIÁRIO DA MARGARIDA - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

Custa-me a entender os pais que sustentam não poderem sair aqui e acolá por causa dos filhos que remetem a família para o seu próprio território e a poucos mais eventos que lhes digam estritamente respeito.
Foi o que nos disse alguém que encontramos no parque da Baixa da Banheira, quando nos dirigíamos para a demonstração de papagaios. Os cumprimentos do costume e os comentários da praxe à realização –tratam-se de produtos da animação cultural dos serviços da Câmara Municipal da Moita- e veio à baila o painel musical da semana cultural e desportiva em curso. Mas as duas filhas, sensivelmente com as mesmas idades das nossas, inviabilizaram qualquer pretensão de assistência.
O curioso é que ainda há muito boa gente que assim pensa.
É claro que os filhos nos modificam a mobilidade, até pelo facto de serem incompatíveis com a frequência de certos locais. Sentir angústia por isso é um acto adolescente. É igualmente verdade que nos redobram os trabalhos e canseiras se nos queremos deslocar onde quer que seja e, concomitantemente, pretendemos que eles nos acompanhem. Mas aqui estamos no domínio do ânimo de cada um e da sua maior ou menor capacidade de esforço.
Seja como for, há um bom leque de alternativas em que os filhos, de modo algum, podem ser dados como empecilhos dos passeios dos pais. Para lá da evidência de jardins e zonas naturais, estou a pensar no que temos feito com as visitas a museus, as mais variadas exposições, para nem falar de eventos musicais.
Pela experiência que temos, desde o primeiro passeio com a Margarida, tinha então pouco mais de um mês, à reserva natural de Alcochete e que referi no seu primeiro diário (1), palpita-me que é muito importante a habituação que lhes criamos desde a mais tenra idade, de tal forma que espoletados os primeiros momentos do entendimento, eles possam tomar como adquirido o facto de as pessoas se deslocarem a este ou àquele sítio tão só por motivos de gosto e preenchimento das nossas necessidades lúdicas.
Creio que até contribui para formar pessoas com espíritos mais abertos e, pelo menos, ensinar cedo que mesmo o divertimento requer o dispêndio de energias.

Para ilustrar e sem mais comentários, passo a listar as experiências da Margarida e da Matilde.
Ambas já viram cinema –a mais nova três vezes e a mais velha o dobro; já nos acompanharam em exposições de pintura, de fotografia, científicas, sobre acontecimentos diversos ou assuntos específicos, assim como em visitas a museus, monumentos, ruínas arqueológicas, parcelas de cidades e de modo geral nos ruares por outras terras; já assistiram a saraus desportivos, bem como jogos populares e outros mais modernos; o mesmo para recitais de música de câmara e concertos de música popular e jazz; já viajaram de automóvel por praticamente todo o país, a Galiza e Tenerife, a que a Margarida acrescenta a Andaluzia e parte da Extremadua, tendo também horas de voo cada uma, a Matilde por um quarteto de vezes e a irmã em nove ocasiões diferentes. A Margarida acumula uma sessão de balett e idas ao teatro e ao circo.


Pois, ser pai também é isto, saber ser feliz e envolver os rebentos nessa mesma alegria.



Um inédito de António Variações a mostrar a singularidade de uma obra que teve tanto de imaginação como de curta a duração de uma carreira precoce e tragicamente acabada.
E sempre as suas palavras, de alma inquieta e com tanta urgência de dizer.

É o presente que nos traz a reedição de um álbum –ainda estávamos, então, no reino do vinil- na passagem dos dezasseis anos sobre a morte do artista.


Infelizmente o mesmo não acontecerá com a publicação de uma autobiografia dos Beatles, narrada, na primeira pessoa, pelos testemunhos dos que ainda vivem, com a colaboração de Yoko Ono, a viúva de Jonh Lennon, assassinado há uma vintena de anos.
Ao que parece, Portugal foi o único país da União Europeia que ficou de fora deste lançamento editorial sobre uma banda que, se por um lado terá sido o resultado de um certo sucesso de marketing e da publicidade –o merchandising beatleano chegou a latas de pó de talco com os rostos dos famous four, como uma, de que me recordo, ao tempo do início da minha vida escolar- por outro lado, não deixou de constituir um marco com referências musicais que se desenvolveram em variadas direcções na década seguinte. Em pequenos trechos de músicas, em certos temas, está tudo quanto se lhes seguiu, aos Moody Blues, assim como dos King Crimson às vozes dos Queen e até dos Floyd –é escutar o “Revolver” (2) com atenção- aos gritos de Ian Gillan dos Deep Purple, há uma verdadeira galáxia de projectos que desbravaram sonoridades e ambiências que o quarteto de Liverpool já explorara.

Alguém se recorda dos Sheiks? Foram o reflexo cá na paróquia.



“-Oh pai, sabes uma coisa Hoje à tarde fizemos um jogo, os rapazes contra as raparigas. Nós tínhamos que escrever as palavras que a professora dizia e as raparigas ganharam. A professora até disse, é meninas! Eu fui a primeira e ganhei logo ao outro miúdo.” –Disse-me o sorrisinho enquanto nos dirigíamos para o carro, à saída de escola.

Antes, à hora do almoço, dera-me a primeira novidade de contentamento:
“-Ai pai, hoje aprendemos uma palavra nova. Sapato.”

Mas a melhor notícia dizia respeito a um trabalho para casa pequeno e fácil; escrever cinco vezes a nova palavra aprendida, desenhar o objecto correspondente e assinar o exercício, o que ela resolveu enquanto a Matilde aquecia no treino de ginástica.



E após o jantar ainda houve tempo para que a mãe e as miúdas jogassem uma partida de dominó.



Chorei por tu Ytzak, o homem de guerra que tiveste a coragem de fazer a paz, mesmo antes que os teus semelhantes te compreendessem e os tiranos deixassem que os simples simplesmente apertassem as mãos.
E agora o teu amor Ytzak, a quem voltarás a apertar junto do teu coração, recordando-nos que o tempo ainda não está maduro para que as figueiras sejam frondosas para que os homens possam partilhar as sestas com quem está de passagem.

Após o ano de nagaças a um cancro no pulmão, faleceu Leah Rabin.



E hoje passam vinte e cinco anos sobre o cerco à Assembleia Constituinte que obrigou os deputados a permanecerem no hemiciclo, sequestrados por sindicalistas que, dessa forma, conseguirem ver impostas as suas reivindicações.
Recordo o dia seguinte, quando os parlamentares comunistas saíram de punho erguido, em sinal de solidariedade com uma vitória que também consideraram sua.

Estou convencido que a uma dada altura, o Dr. Cunhal –acreditem que teria sido uma espécie de Kim Il Sung, embora sem herdeiros- deve ter pensado que tinha ao alcance de uma mão a célebre táctica do salame com que os comunistas cercaram o governo de Bénes e enrolaram o partido social-democrata, para ganharem o golpe de Fevereiro que os levou ao controle do poder na então, Checoslováquia.


Provavelmente, eu jamais teria chegado a ser pai.



Só os votos por correspondência no sunshine state ditarão o futuro Presidente dos Estados Unidos da América.
Pelo que já se viu, também ali a democracia está a levar murros no nariz.
A vitória, qualquer que ela seja, ficará manchada pela desconfiança.


Isso não augura nada de bom para o mundo.

Alhos Vedros
00/11/13
Luís F. de A. Gomes